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A advocacia, seus honorários e o inconformismo dos incautos

Marcelo Bareato*

Não é de hoje que a advocacia vem recebendo ataques do judiciário, no sentido de tentar coibir que a tabela de honorários da Ordem dos Advogados do Brasil para processos e consultas, seja aplicada.

Para alguns, honorários sobre processos de grande monta nos moldes da tabela da OAB, equivalem a locupletamento ilícito. Para outros, qualquer honorário acima do teto nacional para juízes (R$ 41.650,92) ou ministros (R$ 44.008,52), é incompatível com o que estipula nossa Constituição Federal.

Ocorre que, há muito não se veem juízes, desembargadores e ministros recebendo os tais valores fixados no teto constitucional, sendo comum encontrar magistrados com seus vencimentos entre R$ 180.000,00 e até R$ 914.000,00, como pode ser facilmente consultado e comprovado via internet ou via transparência, nos sites dos próprios tribunais (veja por exemplo em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/07/23/metade-dos-juizes-do-pais-ganha-mais-do-que-os-ministros-do-stf.htm#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20teto%20constitucional.&text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20prev%C3%AA%20limites%20desde,de%20R%24%2041.650%2C92).

E, que fique bem claro! Não estamos falando da composição de salários com os auxílios moradia, saúde, educação, alimentação, transporte e ajuda de custo, que são pagos a média de R$ 35.000,00 cada um, e podem ser aplicados cumulativamente, o que equivaleria a R$ 210.000,00, a mais nos contracheques.

Da mesma forma, é importante frisar que esses valores correspondem, em boa parte dos casos, a uma agenda que equivale a trabalho presencial de 2 dias (apenas) por semana, numa jornada muito estafante de 6 horas ou 2 audiências (por dia). Em outros, a uma jornada semanal entre 4 e 6 horas, de segunda a sexta feira.

Mas, não se espantem antes da cereja do bolo! Desde 1979, a Lei Orgânica da Magistratura confere a todos, o direito a 2 meses de férias por ano, além da possibilidade de acumular vencimentos, quando estão cobrindo férias de colegas em outras varas ou comarcas.

Dito de outra forma, seria por demais constrangedor perguntar a um magistrado por que ele não reside na comarca, quando a Lei Orgânica da categoria determina que deve residir lá; ou, o porquê recebe auxílios se não preenche os requisitos necessários para tanto. Certamente ouviriam como resposta para a primeira pergunta, que em cidades pequenas é complicado residir no local porque todos vão opinar em sua vida. Já para a segunda, que os auxílios devem ser pagos como forma de reajuste de salários, afinal ele, o magistrado, exerce uma função pública de extrema complexidade.

Se isso já é por demais constrangedor para aquele que não é acostumado com o expediente forense, imagina explicar a questão relacionada àqueles magistrados que cometem crimes e, não raro, são agraciados com a afamada aposentadoria compulsória, com vencimentos integrais ou parciais, causando um prejuízo bilionário aos cofres públicos (mesmo sentido o site Estadão – https://www.estadao.com.br/politica/justica-aposentou-118-juizes-de-forma-compulsoria-em-15-anos-gasto-anual-chega-a-r-57-mi/ ).

De toda sorte, para aqueles que ainda continuam na atividade, ressalvados os que desenvolvem seu trabalho de forma integra e sem desvios, infelizmente, existem os que continuam a se valer dos assessores ou estagiários dos cursos de direito para elaborar suas sentenças e votos e, em muitos casos, os titulares (juízes, desembargadores ou ministros), nem chegam a ler o que foi escrito por seus subordinados, acarretando, por vezes, uma enorme surpresa quando os advogados fazem uso da palavra nas sustentações orais, nos tribunais afora, e mostram que o voto dado, não condiz com o conteúdo do processo recorrido, por exemplo.

Por outro lado, um processo criminal, na maioria das vezes, vincula o advogado por um período entre 5 à 10 anos, não sendo raro procedimentos que extrapolam em grande monta este último prazo (de 10 anos).

Em sentido correlato, os honorários cobrados, quando de sua formulação, devem ser pensados e divididos exatamente na proporção desses 5 ou 10 anos, quando então, poderá ser verificado que a tabela da OAB, na verdade, proporciona uma renda mensal bastante pequena se comparada ao trabalho a ser realizado, sua duração e despesas do profissional para manutenção de todo o aparato que faz com que um escritório possa estar atuante por tanto tempo.

Pasmem! Como se não fosse o suficiente, ainda existem aqueles juízes que insistem em indicar que, se o advogado está recebendo dinheiro de um criminoso, também poderá ser responsabilizado em coautoria ou participação pelo crime cometido por seu cliente, já que deveria saber a origem desse dinheiro.

Tratam-se de juízes pouco informados, os quais não se atentaram que, ressalvados os casos onde o profissional recebe em bens móveis ou imóveis e, portanto, pode ser responsabilizado pelo crime de receptação, receber em dinheiro não torna o advogado um criminoso, pois se assim o fosse, quando um sonegador de impostos, por exemplo, fosse ao restaurante com sua família e lá fizesse sua refeição, ao pagar a conta, transformaria o dono em cumplice do crime; quando fosse ao supermercado, da mesma forma, e assim por diante.

O advogado recebe pelo trabalho realizado. E, já que todo trabalho deve ser remunerado, não temos a obrigação de saber qual a origem do dinheiro, da mesma forma que não tem essa obrigação, o dono do supermercado, do restaurante ou os responsáveis pelo Fisco (autoridade fazendária que controla a cobrança de impostos), quando cobram impostos dos “supostos criminosos”.

Diferentemente das demais profissões que compõem o judiciário, a advocacia não é paga pelos cofres públicos, não dispõe de assessores e estagiários sem custo e triados pelo Estado, não se desenvolve em prédios públicos, mas, a contrário senso, aqueles que se dedicam a este mister, deverão pagar por tudo, além de carregar como compromisso, prestar um serviço de representatividade do cidadão em amplo aspecto, na medida em que não fiscalizamos apenas a lei (como é o caso do Ministério Público), não aplicamos apenas a lei (como ou juízes), mas somos os fiscais da cidadania, temos a responsabilidade de fazer chegar ao representado, o direito que está assegurado na legislação e na Constituição, além de garantir para que ele receba o que está expresso naquele dispositivo, buscando dentro e fora do país, se for o caso, o respeito a dignidade de todo e qualquer cidadão, ainda que esteja sendo acusado da prática de um crime; afinal, todos são inocentes até prova em contrário.   

Dito isso, para que não reste dúvida sobre a questão dos honorários e da importância do trabalho desenvolvido pela advocacia, ainda existem aqueles que abandonam seus afazeres e se dedicam a perseguição dos fiscais da cidadania, como no recente caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em 1 de julho de 2024, em que os Desembargadores da 11.ª Câmara Cível, nos autos de uma ação de pré-executividade, resolveram arbitrar em 0,01% os honorários dos advogados envolvidos no processo, uma causa de 57 milhões de reais (veja também através do site jurinews – https://jurinews.com.br/advocacia/esforco-minimo-desembargadores-reduzem-honorarios-em-001-do-valor-da-causa-e-questionam-trabalho-do-advogado/), em total demonstração de desconhecimento da legislação, despreparo para o cargo que ocupam, como resta evidente quando observamos o artigo 85 do Código de Processo Civil, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, as prerrogativas da OAB insculpidas no artigo 22 do Estatuto da Ordem, no artigo 133 da Constituição Brasileira, na Súmula 47 do STF e Tema 1076 do STJ; vejamos:

Artigo 85 do Código de Processo Civil:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

(…)

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I – o grau de zelo do profissional;

II – o lugar de prestação do serviço;

III – a natureza e a importância da causa;

IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Artigo 22 do Estatuto da Advocacia Lei n.º 8.906/94

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

(…)

§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, observado obrigatoriamente o disposto nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 6º-A, 8º, 8º-A, 9º e 10 do art. 85 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Redação dada pela Lei nº 14.365, de 2022)

Constituição Federal – art. 133:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

STF – Súmula nº. 47: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

STJ – Tema 1.076:

i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

Nesta senda, meu Caro Leitor, é de suma importância esclarecer a população, de que o problema não está na tabela de honorários da OAB, ou no percentual que está acordado no contrato com a parte que procurou por um profissional com anos de experiência, estudo e capacitação na área para defender os interesses daqueles que, de alguma forma, tiveram seus direitos esbulhados ou estão sendo processados pelo Estado. O pano de fundo dos magistrados que mencionamos neste artigo, reside em jogar a advocacia contra a população e não contar o que acontece de fato, dentro do judiciário, e o quanto estamos obrigados a nos especializar, cada vez mais, para julgadores que, mais das vezes, não demonstram a mínima vontade de aplicar a lei ou proporcionar a tão sonhada segurança jurídica. É necessário que deixemos muito claro que o que causa inconformismo aos incautos, não deve ser os honorários cobrados, mas o quanto estamos preparados para enfrentar qualquer embate que seja direcionado a advocacia e garantir nossos direitos para que o direito do cidadão prevaleça.

*O autor é Advogado Criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Vice Presidente da ABRACRIM/GO – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Secção Goiânia/GO, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, membro da Coordenação de Política Penitenciária  da OAB/Nacional gestão (2022/2025), Coordenador da subcomissão de Direitos Humanos para o Sistema Prisional  da OAB/Goiás (gestão 2022/2024) e Coordenador da Comissão Interestadual de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional junto ao Conselho Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia/GO, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO, Membro do FOCCO – Fórum Permanente de Combate à Corrupção do Estado de Goiás, entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).

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