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A Anistia no Brasil

A ANISTIA NO BRASIL

Amadeu de Almeida Weinmann

CONCEITUÇÃO E FINALIDADES DA ANISTIA

Cabe aqui, especialmente, o exame de alguns aspectos relativos ao fim jurídico e social do instituto da anistia.

Primordialmente, o seu uso é dirigido ao fim de apaziguar, serenar e pacificar os ânimos exacerbados, advindo, normalmente, de divergências que se seguem às crises políticas, geralmente, revolucionárias.

O fim social da anistia se encontra nas próprias origens do instituto, qual seja, restabelecer a concórdia entre nacionais depois das lutas intestinas. Seu objetivo teleológico, portanto, é o mais nobre possível, eis que, filantrópico e altruísta.

CARLOS MAXIMILANO explica que a palavra ‘amnistia’ vem do grego esquecimento – que seria “o ato do poder soberano que cobre com o véu do olvido certas infrações criminais e, em conseqüência, impede ou extingue os processos respectivos e torna de nenhum efeito penal as condenações.”

Os Romanos tinham-na como “lex oblivionis”mostrando que a escolha do nomen juris tinha que representar, em sua razão ontológica, o esquecimento[amnésia].

Bruno e Valério concederam anistia aos que haviam acompanhado o rei Tarquínio; Cícero, invocando o exemplo de Thrasybulo, obteve outra, no Senado, para os assassinos de Júlio César.

É ainda MAXIMILIANO quem nos dá a noticia da vida do Decreto de Patróclides logo depois da batalha de Egos Potamos que pôs findo as guerras do Peloponeso: “Esta anistia, destinada a reconciliar com a pátria, naquele momento de perigo supremo, tudo o que lhe restava de cidadão, bem como a unir todos os corações em um último esforço, fora imitada segundo recorda o próprio Patroclides, da que votaram os atenienses por ocasião das Guerras Médicas.

BARBALHO, abordando a matéria refere à anistia como “… … núncia de paz e conselheira de concórdia, parece antes, do céu prudente aviso, que expediente de homens.”

Diz que seu nome traduz “esquecimento” que é mais que perdão e misericórdia, pois não humilha nem abate ninguém.

ANAURELINO LEAL, em sua Teoria e Prática da Constituição, leciona que “a amnistia é, portanto, o esquecimento de uma ou muitas infrações: lex oblivionis quam Groeci amnestia vocant.

É que, confirmam os doutos, a anistia não se concede por sentimentalismo ou bondade, simpatia pelo vencido ou misericórdia pessoal. É medida amplamente política, adotada por motivos elevados, que não humilham o cidadão a quem ela aproveita, inspirada por sérias razões de Estado.

É medida pacificadora, supremo recurso para a união nacional. Nas raízes.E continua o eminente constitucionalista: “Tomando-a, portanto, em tal sentido, ela só encontra limites no futuro. Não se anistiam atos futuros, mas atos pretéritos, o que faz da instituição jurídica em exame um modo de retroatividade da lei; isto é, o ato que determina a anistia retroage, impedindo que as leis penais vigentes, punitivas das infrações anistiadas, tenham execução a respeito delas.”

ANISTIA, INDULTO, GRAÇA, COMUTAÇÃO E PERDÃO

De outro lado, a anistia tem seu carátereminentemente genérico, distinguindo-se da graça, do indulto e do perdão por serem medidas individuais, nominativas. Assim, por exemplo, o indulto de natal é endereçado aos presos que preencherem determinadas condições estipuladas no decreto. O mesmo se diga da graça e do perdão.

MAXIMILIANO analisa os conceitos de indulto, anistia e comutação definindo como: “Indulto é o perdão total ou parcial da pena concedido a um indivíduo; anistia, o esquecimento total, ordenado em lei ou prometido em proclamação, de um ou mais crimes praticados por uma classe de pessoas: denomina-se comutação, a substituição de uma pena por outra menos grave.

Por isso que, o indulto é ato do executivo e a anistia só pode ser por ato do Congresso Nacional. Um tem caráter individual, o outro é coletivo. Aquela elimina completamente a falta, enquanto que o últimoconserva os efeitos morais e civis do crime.

De outro lado, indulto e perdão somente podem existir a réus já condenados. O Presidente da República, e nunca o Congresso Nacional, só pode perdoar ou indultar penas impostas a réus condenados por sentença com trânsito em julgado.

Para melhor ilustrar a matéria, MENDONÇA DE AZEVEDO faz a distinção a partir de um Habeas Corpus, oriundo do Rio Grande do Sul, do qual refere:

“O impetrante fundou o seu pedido de H.C. na circunstância de deverem estar os pacientes compreendidos no Decreto n. 310, ele 21 de Outubro ele 1895, que anistiou a todos aqueles que direta ou indiretamente se envolveram nos movimentos revolucionários ocorridos no território da Republica.

Entretanto, das provas constantes destes autos claramente se evidencia: que os pacientes, logo que tiveram notícia do movimento revolucionáriorealizado em Porto Alegre, no dia 27 de Junho ele 1892, saíram para a rua, provocando desordens, e que depois foram para a estrada, onde assassinaram o capitão Crescêncio, que com outros companheiros, se dirigia pacificamente para a vila de Viamão.

Ora, assim sendo, não se pode considerar semelhante assassinato como crime político. A simples circunstância de ter coincidido esse homicídio com a notícia de um movimento revolucionário não basta para se inferir que fosse o mesmo crime de natureza política.

Para que um crime, aliás de natureza comum, possa ser classificado como crime político, é essencial a prova plena de que teve ele por móvelúnico e exclusivo um interesse puramente político.

Mas não existe em nenhuma delas, peças do processo o mais ligeiro indicio de haver sido a morte do capitão Crescêncio determinada por qualquer interesse político comprometido; ao contrário, da sua leitura ressalta a convicção de que a causa desse assassinato obedeceu antes a uma vingança pessoal, pois que um dos assassinos era inimigo do assassinado” (20-10-1897).

E continuava o comentador constitucional: “amnistia não é absolvição, nem produz os efeitos desta.”

RUY BARBOSA, quem mais entre nós doutrinou sobre a anistia, assim lecionava:

São bem conhecidas as características da anistia. O “véu de eterno esquecimento”, em que os publicistas e criminalistas dizem por ela envolvidas, as desordens sociais, objeto desse ato de alta sabedoria política, não é uma vulgar metáfora, mas a formula de uma instituição soberana. Por ela, não só se destroem todos os efeitos da sentença, e até a sentença desaparece, senão que, remontando-se ao delito, se lhe elimina o caráter criminoso, suprimindo-se apropria infração. Por ela, ainda mais, além de se extinguir o próprio delito, se repõem as coisas no mesmo estado em que estariam, se a infração nunca se tivesse cometido. Esta é a anistia verdadeira, a que cicatriza as feridas abertas pelas revoluções, aquela cujas virtudes o historiador grego celebrava nesta palavras de eloqüente concisão: “Eles perdoaram, e daí avante conviveram em democracia.”

THEMÍSTOCLES CAVALCANTI, em seus ‘comentários’ diz que a anistia apaga o crime político, é ato de benemerência pública.

A ANISTIA É TANTO IRREVOGÁVEL QUANTO IRRECUSÁVEL

Outra característica da anistia é ser ela tão irrecusável quanto irrevogável. Não cabe à classe beneficiada com a lei que a anistiou falar em não aceitação. Não lhe cabe buscar a absolvição em qualquer juízo ou instancia. Especialmente se ela é ampla e total, como a última a vigorar no país. Por isso, por ser ampla e irrestrita, também, é irrevogável.

HISTÓRIA DA ANISTIA DOS CRIMES ACONTECIDOS APÓS 1964

Ernesto Geisel, assumindo a Presidência da República em l974 trazia a todos os brasileiros a promessa de fazer uma “lenta, segura e gradual” distensão política.

No entanto, e contraditoriamente, é no seu governo que ocorrem duas mortes: a do jornalista Vlamidir Herzog e a do operário Manoel Fiel Filho. Registrou-se, também, o assassinato de dirigentes do Partido Comunista do Brasil no episódio que ficou

conhecido como “Chacina da Lapa”.

É, no seu governo que se editou o pacote de abril, e no qualse continuaram as cassações de mandatos políticos.As eleições continuavam indiretas, para a Presidência da República, Governadores de Estados e Senadores, bem como aos Prefeitos das capitais.

À época, na Câmara dos Deputados, a oposição obteve considerável maioria. Isso deu coragem à sociedade civil para se organizar e resistir. Assim é que foicriado o Movimento Feminista pela Anistia.

A Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e a Igreja Católica se posicionam em favor da democratização ampla e total. O movimento estudantil e operário sai às ruas.Surgem, em 1978, os primeiros Comitês Brasileiros de Anistia,congregando os opositores da ditadura, com apoio decisivo de diversos parlamentares.

É realizado em São Paulo o 1º Congresso Nacional da Anistia, com a presença e participação de milhares de pessoas, lutando pela “Anistia, ampla, geral e irrestrita”.Ampla, porque deveria alcançar os atos de todos os punidos com base nos Atos Institucionais, geral e irrestrita porque não deveriam impor qualquer condição aos seus beneficiários, inclusive com a ausência de exame de mérito dos atospor eles praticados.

Findo o governo Geisel, assume a Presidência o general João Batista Figueiredo.Isso em 1979. O Regime Militar sequer admitia a possibilidade de anistia, e sugere o indulto para os presos políticos, o que não foi aceito por ninguém.

Começa a distensão. Os atos, nas ruas e no Congresso Nacional, se engrandecem.Com o apoio de parlamentares, dos Comitês de Anistia e de parcelas da opinião pública, partem em luta pública poruma anistia ampla, geral e irrestrita.

Há a famosa greve dos presos políticos, com uma importância enormeparao desenrolar dos fatos.Dura perto de um mês.

O presidente João Figueiredo se compromete, então, a revisar os inquéritos e processos de cassações e as condenações dos presos políticos. Em agosto de l979 encaminha ao Congresso Nacional, um novo projeto de anistia composto de 15 artigos, diz em seu artigo nº 1:

“É concedida anistia a todos quanto, no período compreendido entre 2 de setembro de l961 e l5 de agosto de l979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário. Aos militares e representantes sindicais punidos com fundamento em atos institucionais e complementares e outros diplomas legais”.

O artigo era composto de três parágrafos. Um deles dizia:

“Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”.

Não era o que se queria e nem o que se pedia, e sim, o que se podia admitir para a época. Dizia-se que era o arrombamento das portas por onde entraria a plena e total democracia.

Por isso, o projeto foi aprovado e promulgado no dia 28 de agosto de l979.São soltos, então, os presos políticos e retornam ao país os exilados. Volta a reinar a paz, sem que se perca de vista o sonho da anistia ampla, geral e irrestrita.

ANISTIA PÓS REGIME DISCRICIONÁRIO

Em 1985,depois de duas décadas, tem início o ciclo dos governos civis. É eleito Tancredo Nevesque, morrendo antes mesmo de sua posse, dá lugar a seu vice-presidente, José Sarney.

Em novembro do mesmo ano, através da Emenda Constitucional de nº 26, é concedida a anistia que, pelo seu art. 4º,demonstrava que o destino era a“todos os servidores públicos da Administração Direta e Indireta e Militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares.”

Seu parágrafo 1º acrescentava: “É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais”.

Veio a Constituição de l988 que, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, determinava, pelo seu artigo 8º: “É concedida anistia aos que, no período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”.

Foram essas leis, que ampliaram a anistia concedida em l979, ensejando diversas ações indenizatórias, algumas delas milionárias até.

Somente em l996 é que foi aprovada a Lei 9.140/96 que concedia indenizações às famílias dos desaparecidos políticos, parcela esquecida na legislação anterior.

No entanto, ficara restrita aos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Treze anos depois da promulgação da Constituição é que, através da Medida Provisória nº 2.151/01, foi regulamentado o artigo 8º, das Disposições Constitucionais Transitórias.

Constituía-se de cinco

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