A censura legal num país sem censura
Por: MARCELO BAREATO
Há tempos conclamamos nossos leitores a pensar no quanto somos ignorantes quando o quesito são leis. Não entendemos de constituição, não sabemos a diferença entre juiz inquisitorial e juiz imparcial, entre a nova Lei de abuso de Autoridade e o que já estava previsto em outros dispositivos, e continuamos a achar que isso não nos interessa.
Essa facilidade que proporcionamos ao judiciário, de elaborar decisões através de seus estagiários, que na verdade são alunos bem intencionados das nossas faculdades de direito, que elaboram sentenças e acórdãos sem qualquer fiscalização ou correção da parte dos juízes responsáveis por esse mister, nesta semana desembocou em mais uma aberração; vejamos.
Na última quarta-feira, dia 8 de janeiro, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, censurou o famigerado filme de Natal do grupo Porta dos Fundos, um trabalho inexpressivo, que não teve quase acessos, mas que obteve uma propaganda monstruosa frente a polêmica que alguns deram ao caso.
A “produção”, veiculada pela NETFLIX, foi alvo de 40 páginas para conferir aspecto de validade a decisão do Desembargador Benedicto Abicair, o qual justificou seu posicionamento para retirar do ar do referido filme da seguinte forma: “é mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar os ânimos”.
Caros leitores!
Não é e nunca foi papel de qualquer judiciário censurar absolutamente nada nem ninguém. O papel dessa Nobre Instituição é interpretar a Constituição e nossas Leis pátrias no sentido de que todo e qualquer cidadão que se valha do judiciário para resolver seus conflitos, tenha uma decisão que implique na aplicação imparcial do conteúdo legal e do reestabelecimento daquilo que ameaçou a convivência pacífica entre seus usuários, essa é uma das expressões que usamos para indicar o “devido processo legal”.
Nesse sentido vale a pena observarmos o conceito de censura:
Censura (do latim censura) é a desaprovação e consequente remoção da circulação pública de informação, visando à proteção dos interesses de um estado, organização ou indivíduo. Ela consiste em toda e qualquer tentativa de suprimir a circulação de informações, opiniões ou expressões artísticas.(conforme o site Wikipédia, a enciclopédia livre, acesso através da página https://pt.wikipedia.org/wiki/Censura).
Em continuidade, de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
A função do Poder Judiciário é garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado. Para isso, tem autonomia administrativa e financeira garantidas pela Constituição Federal.
O Brasil adota o sistema de unicidade jurisdicional, no qual apenas o Poder Judiciário pode, em caráter definitivo, interpretar e aplicar a lei em cada caso concreto, com o objetivo de garantir o direito das pessoas e promover a justiça.
A atuação do Judiciário se dá, exclusivamente, em casos concretos de conflitos de interesses trazidos à sua apreciação, sendo que o Judiciário não pode tentar resolver conflitos sem que seja previamente provocado pelos interessados.(conteúdo extraído do site tjsp.jus.br, endereço eletrônico https://www.tjsp.jus.br/PoderJudiciario/PoderJudiciario/OrgaosDaJustica).
Não por menos o posicionamento de Lenio Streck, para quem a decisão “demonstra duas coisas: que o judiciário pensa que pode ditar a moral e o comportamento da sociedade; segundo, mostra o fracasso da teoria do direito no Brasil”.
Assim, a teoria do direito, que tem por objetivo a sistematização do conhecimento jurídico ao longo do tempo através da reconstrução do referencial teórico do próprio direito, função específica do judiciário, é e foi mais uma vez posta de lado para que o sensacionalismo pudesse ganhar a mídia e fazer conhecido juízes, desembargadores e ministros, não pelo trabalho sério, mas pela interpretação moral daqueles que ganham para guardar e validar o direito.
É nesse ponto que chamamos a atenção para o título “A CENSURA LEGAL NUM PAIS SEM CENSURA”. Deixamos que decisões como essa ganhem vulto sem que aqueles que a proferiram sejam responsabilizados por gastar nosso dinheiro se autopromovendo e esquecemos que moramos num país em que a censura foi banida, definitivamente com a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, a qual em seu artigo 220, assegura:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.