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A CONSTITUIÇÃO É RESPONSÁVEL PELA REINCIDÊNCIA CRIMINAL – POR DALIO ZIPPIN FILHO

Muito se tem falado sobre a reincidência criminal, mas muito pouco é  feito para diminuí-la. Ela esta beirando, no Brasil,  setenta por cento, não se sabendo o número exato por falta de estatísticas confiáveis.
Estamos com aproximadamente setecentas mil pessoas privadas de liberdade, e somos o quarto país em encarceramentos. Inúmeras propostas, foram apresentadas para resolver o problema, que é considerado como um ESTADO INCONSTITUCIONAL, no dizer do Min. Marco Aurélio do STF, mas, nenhuma delas, até o  momento, apresenta-se como a solução final de tão angustiante problema.
Há muito se sabe que a prisão não é a solução para resolver o problema da criminalidade crescente, pois deve ser a última ratio e não a primeira.
A pena tem por finalidade a recuperação e reintegração social do condenado, primando pelo respeito à dignidade humana que fundamenta o Estado Democrático de Direito.
Desde a reforma penal de 1984, adotaram-se uma série de medidas paliativas para diminuir o número dos encarceramentos, como a aplicação das penas restritivas de direito, adoção de prisão domiciliar e da monitoração  eletrônica, influenciando, minimamente as taxas de encarceramento, sem qualquer resultado positivo no problema da reincidência criminal.
A principal legislação que contribui para a reincidência criminal é a Constituição Federal de 1988, que na esteira de todas as constituições anteriores, preceitua no seu artigo 15, item III a “suspensão dos direitos políticos para o cidadão que for condenado criminalmente, com decisão transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos”.
DIREITOS POLÍTICOS são os direitos fundamentais de primeira geração envolvendo pretensões de participação na vida pública e de exercício de poder.
O artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura que “toda pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos de seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos”.
Na Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) ficou estabelecido no artigo 23, ao falar sobre os Direitos Políticos, que: ”todo cidadão  tem o direito de participar da condução dos assuntos políticos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos”.
Já o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela ONU, repete, na letra “a”, o mesmo princípio anterior e na letra “b” que: ”é direito do cidadão o de votar e ser votado em eleições periódicas”.
Os DIREITOS POLÍTICOS ATIVOS e PASSIVOS não são direitos titularizados apenas por eleitores, mas por todos os cidadãos.
Os direitos de participação são chamados DIREITOS POLITICOS POSITIVOS e a sua perda e suspensão de DIREITOS POLÍTICOS NEGATIVOS.
O artigo 14 da Constituição Federal de 1988, estabelece que: ” a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal” e para o exercício dos DIREITOS POLÍTICOS POSITIVOS é necessário, o ALISTAMENTO ELEITORAL, com inscrição no CADASTRO DE ELEITORES.
O ALISTAMENTO ELEITORAL, que é a primeira fase do processo eleitoral, consiste no reconhecimento da condição de eleitor, correspondendo a aquisição da cidadania e determinando a inclusão do seu nome no corpo eleitoral. É o ato jurídico pelo qual a pessoa natural adquire, perante a Justiça Eleitoral, a capacidade eleitoral ativa, passando a integrar o corpo de eleitores de determinada zona e seção eleitoral.
De acordo com o disposto no artigo 5º do Código Eleitoral (Lei nº 7.444/85), são inalistáveis os que tiverem os seus direitos políticos suspensos em razão de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos.
A Constituição Federal de 1988 além da CASSAÇÃO e da  SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS deveria também incluir  o IMPEDIMENTO que consistiria em um obstáculo à aquisição dos direitos políticos, de maneira que a pessoa não chegaria a alcança-los enquanto não removido o óbice.
Nos termos da Resolução nº 21.538/03-TSE, que trata do alistamento eleitoral, o artigo 13 especifica os documentos exigidos para o alistamento e não existe a necessidade da juntada de certidão de antecedentes criminais, constando do artigo 22, a forma física de como deverá ser o TÍTULO ELEITORAL, que é o documento expedido pela Justiça Eleitoral,  comprovando a sua condição de eleitor.
Tomando conhecimento de suspensão de inscrição por motivo de suspensão de direitos políticos a autoridade judiciária, nos termos da Resolução supramencionada, determinará a inclusão dos dados no sistema que somente poderá ser regularizada, mediante a apresentação de sentença judicial ou certidão do juízo competente, e na FOLHA DE VOTAÇÃO, somente constarão os eleitores regulares ou liberados.
A SUSPENSÃO é a privação temporária dos direitos políticos do cidadão, retirando a sua cidadania que lhe permitia exercer os direitos políticos de votar e ser votado, isto é, os seus direitos ativos e passivos, acarretando as consequências jurídicas do cancelamento do alistamento e a exclusão do corpo de eleitores.
Além dessas consequências, a pessoa tolhida dos direitos políticos fica também impossibilitada de estudar em escolas públicas, de prestar o serviço militar, de frequentar universidades públicas e principalmente de conseguir trabalho na iniciativa privada.
Diante da amplitude dos direitos políticos, toda limitação que restrinja esses direitos é prejudicial à realização da cidadania.
A suspensão dos direitos políticos é efeito automático da condenação criminal transitada em julgado, não tendo qualquer correlação com os efeitos genéricos e específicos da condenação previstos nos artigos 91 e 92 do Código Penal e muito menos pena acessória.
Esta, pacificado na doutrina e na jurisprudência, que a reabilitação criminal prevista nos artigos 93 a 95 do Código Penal não é requisito para a reabilitação dos direitos políticos, menos para inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, (Lei nº 8.906/84), que exige, em seu artigo 8º, § 4º, IDONEIDADE MORAL para aquele que tiver sido condenado por crime infamante, SALVO REABILITAÇÃO JUDICIAL.
Mas a REABILITAÇÃO JUDICIAL exige, no artigo 94 do Código Penal, o decurso do prazo de dois anos do dia em que a pena for extinta ou terminar a sua execução, devendo ser incluído nesse prazo  o período de prova da suspensão e do livramento condicional, exigindo ainda  o bom comportamento público e privado e o ressarcimento dos danos causados pelo crime.
A Resolução nº 14/94, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabelece as Regras Mínimas para Tratamento de Presos no Brasil, afirma nos seus artigos 57e 58 que: “o futuro do preso, após o cumprimento da pena, será sempre levado em conta. Deve-se animá-lo no sentido de manter ou estabelecer relações com pessoas ou órgãos externos que possam favorecer os interesses de sua família, assim como a sua própria readaptação social”.
E os órgãos oficiais ou não de apoio ao egresso, devem ajudá-lo a reintegrar-se à vida em liberdade, em especial, contribuindo para a sua colocação no mercado de trabalho”.
As consequências, da suspensão dos direitos políticos, em razão de sentença condenatória transitada em julgado, são as seguintes: a condenação por crime doloso, culposo, de menor potencial ofensivo, contravenção, falimentar, eleitoral, militar ou qualquer outra condenação criminal transitada em julgado que acarrete a suspensão dos direitos políticos, enquanto não for extinta a pena.
Na absolvição imprópria a suspensão dos direitos políticos se dá pela incapacidade absoluta e não em razão da sentença criminal transitada em julgado.
O condenado em regime fechado pode trabalhar em obras e serviços  públicos, e no regime semiaberto poderá executar serviço externo e  frequentar  cursos supletivos e profissionalizantes.  Mas, como assim proceder se não possui a documentação necessária, o TITULO DE ELEITOR físico para ser admitido e efetivado em uma empresa, obter carteira de identidade ou profissional?
No regime aberto, deverá trabalhar por exigência do que dispõe o artigo 114 da LEP, bem como frequentar cursos, mas sem documentos, isto será impossível.
O condenado que cumprir uma parte de sua pena, poderá obter a antecipação de sua liberdade sob condições (livramento condicional), e deverá trabalhar no período de prova de acordo com o que dispõe o artigo 132 da LEP, mas sem documentos, não poderá obter um emprego regular e com carteira assinada.
Na suspensão condicional da pena, por um período de dois a seis anos o condenado deverá, de acordo com o que dispõe o artigo 158 da LEP, comprovar ocupação e proventos, mas como assim proceder, sem possuir a documentação necessária?
O condenado a pena de multa cumulativa ou alternativa, ficará impedido de obter o Titulo de Eleitor necessário para pleitear a carteira de identidade e de trabalho, não podendo cumprir o disposto no artigo 168 da LEP que determina o desconto dos salários.
Divergência existe em relação ao pagamento da pena de multa cumulativa ou alternativa, pois o TSE, entende que persiste a suspensão dos direitos políticos enquanto a divida não for saldada.
Ao contrário o STJ e o STF entendem que a pena de multa, hoje é uma divida de valor e deve ser cobrada  pelas Varas Fazendárias, considerando como reabilitado e com os seus direitos políticos reabilitado, apenas com o cumprimento da pena privativa de liberdade de acordo com o disposto na Lei Complementar nº 64/9,0 com a nova redação da LC nº 135/2010
Da mesma forma, o condenado a pena privativa de liberdade que obteve a substituição desta, por restritivas de direito, ficará com os seus direitos políticos suspensos até a sua extinção, o mesmo acontecendo com relação a pena de prestação pecuniária, serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
Quando houver progressão de regime do fechado para o semiaberto  e deste para o aberto, o condenado, apesar da obrigatoriedade do exercício de atividade laboral, não poderá obter um emprego regular, devidamente registrado e não  será efetivado diante  da falta  da documentação necessária.
A ratio legis que determina a suspensão dos direitos políticos  do condenado, enquanto durarem os seus efeitos, era para a salvaguarda da legitimidade e da dignidade da representação popular, para que o Parlamento não se transformasse em um abrigo de delinquentes, constituindo sua decadência moral.
Será que esta razão pode prevalecer atualmente em um Congresso que conta com mais de 160 membros processados criminalmente?
No mercado de trabalho é exigência a apresentação do Titulo de Eleitor, o mesmo ocorre para a obtenção da Carteira de Trabalho ou para a Carteira de Identidade.
Se vamos continuar a exigir a apresentação do  documento físico do Titulo de Eleitor, estamos impedindo que os presos em regime semiaberto ou aberto, sursis, livramento condicional, prestadores de serviço comunitário, pena de multa, condenados pela Lei nº 9.099/95, e outros tantos possam trabalhar  pela falta do Título de Eleitor em razão da suspensão dos direitos políticos, portanto estaremos contribuindo, ainda mais, com a  reincidência criminal.
Urge uma modificação com relação a essa exigência, ou se exclui  tal exigência para a obtenção de documentos e emprego, ou  a Justiça Eleitoral adotando os Princípios Fundamentais da Constituição Federal da Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana passa a fornecer a todos, independente ou não, da suspensão de seus direitos políticos, o TITULO DE ELEITOR, de forma física, anotando, somente, em seus registros, a suspensão dos direitos políticos ativos e passivos.
Se assim for procedido, iniciaremos o resgate da cidadania, com respeito aos direitos fundamentais e reintegração social dos apenados e egressos que poderão cumprir a lei trabalhando e estudando com carteira assinada e documentação legal.
Em caso contrário estamos, legalmente, empurrando os apenados e egressos de volta a vida do crime, por absoluta falta do TITULO DE ELEITOR, documento essencial para a obtenção  dos demais.
O modo mais simples seria o TSE emitir uma Resolução, determinando aos Tribunais Regionais Eleitorais, que quando um cidadão tiver os seus direitos políticos suspenso, seja anotada, no seu alistamento o impedimento, mas devendo fornecer o TITULO DE ELEITOR indispensável para a obtenção de novos documentos.
Outro problema que aparece, é quando  diante de uma condenação criminal,  o cidadão que recém completou dezoito anos e ainda não fez a sua inscrição eleitoral obrigatória, em razão da sentença condenatória transitada em julgado, não poderá pleitear o seu Titulo de  Eleitor e assim ficará, até a extinção de sua pena, mesmo que esta seja em regime aberto, por crime de menor potencial ofensivo, ou uma simples contravenção penal, impossibilitado de obter o documento fornecido pela Justiça Eleitoral.
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988 é a principal responsável da REINCIDÊNCIA CRIMINAL, em razão da suspensão dos direitos políticos, impedindo a expedição do TITULO DE ELEITOR, documento indispensável para a obtenção de um trabalho honesto.
A nossa CARTA CIDADÃ, impede o exercício da CIDADANIA e viola os DIREITOS FUNDAMENTAIS, proibindo os CIDADÃOS de TRABALHAR, empurrando-os de volta a criminalidade.
O Ministro aposentado Ayres Britto, do STF, no julgamento do HC nº 99.652 afirmou o seguinte:
“A LEP É DE SER INTERPRETADA COM OS OLHOS POSTOS EM SEU ARTIGO 1º. ARTIGO QUE INSTITUI A LÓGICA DA PREVALÊNCIA DE MECANISMOS DE REINCLUSÃO SOCIAL (E NÃO DE EXCLUSÃO DO SUJEITO APENADO) NO EXAME DOS DIREITOS E DEVERES DO SENTENCIADO. ISSO PARA FAVORECER, SEMPRE QUE POSSÍVEL, A REDUÇÃO DE DISTÂNCIA ENTRE A POPULAÇÃO INTRAMUROS PENITENCIÁRIOS E A COMUNIDADE EXTRAMUROS.  ESSA PARTICULAR FORMA DE PARAMETRAR A INTERPRETAÇÃO DA LEI (NO CASO, A LEP) É A QUE MAIS SE APROXIMA DA CF, QUE FAZ DAS CIDADANIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DOIS DE SEUS FUNDAMENTOS (INCISOS II E III DO ARTº 1º). A REINTEGRAÇÃO SOCIAL DOS APENADOS É, JUSTAMENTE, PONTUAL DENSIFICAÇÃO DE AMBOS OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS.”
     DALIO ZIPPIN FILHO
      MEMBRO DA CNDH
                 OAB/CF
 
 
 

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