A CONTRADIÇÃO ENTRE OS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS À CONCESSÃO DO INDULTO E A SÚMULA 535 DO STJ
A CONTRADIÇÃO ENTRE OS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS À CONCESSÃO DO INDULTO E A SÚMULA 535 DO STJ
Por ANA LUIZA MACHADO MATOS
OAB/SC 63.417
O presente artigo tem como objetivo expor a clara contradição legal entre os critérios
estabelecidos para a concessão do indulto e a Súmula número 535 do Superior Tribunal de
Justiça, em específico na parte que aponta o cometimento de falta grave nos 12 (doze) meses
que antecedem a concessão como impedimento para a aplicação do benefício.
O termo “Indulto”, também conhecido como “indulto natalino”, tem origem no latim
indultus, proveniente de indulgere, que significa concessão, permissão, perdão, e como o
próprio nome sugere, ele é uma forma de perdão e consequente extinção da pena, excluindo os
efeitos primários gerados pela sentença condenatória.
É um instituto previsto pela Constituição Federal de 1988, que pode ter caráter
individual ou coletivo, sendo editado anualmente pelo chefe do poder executivo nacional, o
presidente da república.
Ele surge como uma forma humanitária de atenuar as penas aplicadas de maneira
excessivamente severas ou rigorosas, através de seu rol de requisitos a serem preenchidos,
objetivando a reintegração social do sentenciado.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam o indulto não é apenas uma forma de perdão
dada aos presos extinguindo suas penas e deixando os condenados livres para viverem suas
vidas impunes, ou, ainda, uma solução prática para a superpopulação carcerária, haja vista que
a maioria dos beneficiados com o presente instituto se encontram em ambientes diversos do
prisional propriamente dito, pois estão, geralmente, em regimes semiaberto ou aberto.
Desta forma, importa destacar que a possibilidade de concessão da referida benesse não
surge como um tipo de incentivo ao crime, ou, “outra regalia pra preso” como muito se escuta,
mas uma forma de reinserção ao convívio social, assim como as penas devem proporcionar ao
apenado.
É possível observar que a Súmula 535 do Superior Tribunal de Justiça é implementada
neste sentido, visando uma justiça mais restaurativa e humanitária, possibilitando a concessão
do benefício ainda que tenha sido cometida uma falta grave nos meses antecedentes à sua
aplicação, desde que preenchidos todos os requisitos necessários, conforme se pode verificar:
Súmula 535-STJ: A prática de falta grave não interrompe o prazo para fim de
comutação de pena ou indulto.
Importa destacar que os decretos presidenciais anuais não acompanharam o
entendimento da referida súmula, pois ainda determinaram o não cometimento de falta grave
nos 12 meses anteriores a publicação, como um pressuposto para a benesse.
Assim sendo, como o indulto anualmente depende destes decretos, pode-se perceber
que não é algo estável, tendo sofrido inúmeras alterações desde sua previsão constitucional,
contrariando, inclusive, o entendimento e impondo o não cometimento da falta grave como
critério para agraciação da benesse.
O benefício do indulto é um grande avanço humanitário no que tange à execução penal
e, embora muito criticado, acaba, em sua maioria, agraciando condenados que cumprem a pena
em regimes aberto e semiaberto, ou seja, os apenados em regime fechado são uma parcela
minoritária dos beneficiados.
Nesta lógica, não se pode pensar no indulto como uma forma de esquecer o delito, ou
desafogar os estabelecimentos prisionais, ou qualquer outra razão se não a possibilidade da
reinserção do sentenciado na vida em sociedade, por seu próprio mérito.
Desta forma, a execução penal humanizada possibilita não só o caráter retributivo da
pena, como também o de ressocialização do apenado, ou seja, o socioeducativo, onde o
ambiente prisional deve servir não apenas como uma privação da liberdade para o indivíduo,
mas também como um preparo para o retorno ao convívio social.
Consequentemente, o reeducando deverá ser capaz de projetar um futuro sem
envolvimentos com atividades ilícitas e buscar alternativas legítimas para seguir a vida pós-cárcere.
Com a implementação de políticas públicas voltadas a ressocialização dos detentos, os
estabelecimentos conseguiriam, finalmente, desafogar seu superlotamento, pois não
receberiam tantos reincidentes de volta e assim, tornar-se-ia cada vez mais comum que egressos
do sistema prisional conseguissem uma vida digna, onde pudessem conseguir empregos,
formar famílias e realmente voltar a integrar as comunidades das quais fazem parte.
Em virtude de uma cultura, como já mencionada, retributiva e punitivista, a população
e consequentemente seus governantes eleitos tendem a associar condenados à “escória” da vida
social.
Neste ponto, cabe mencionar que, mesmo com a extinção da aplicação de penas cruéis
e inclusive da pena de morte, os ambientes prisionais do país, em sua maioria, não possuem
capacidade suficiente para abrigar a população carcerária e acabam submetendo seus inquilinos
a condições extremamente precárias e, ainda, violando diversos direitos e garantias
fundamentais.
O que se pode notar é a clara contradição entre o ilusório fim de penas desumanas e as
condições as quais os sentenciados são submetidos durante o cumprimento de suas penas.
A atual superpopulação carcerária é apenas o reflexo da falta de investimento em
políticas públicas prisionais, principalmente no que tange a ilusória ressocialização dos
sentenciados que se encontram sob custódia do Estado.
Infelizmente, analisadas as condições insalubres as quais os presos são submetidos, as
penitenciárias acabam não cumprindo seus papeis de reabilita-los para o retorno à vida em
sociedade, resultando em uma reincidência de por volta de setenta por cento.
Chega-se a conclusão que o sistema prisional brasileiro possui uma legislação belíssima
e extremamente completa, inclusive com diversos entendimentos e súmulas surgindo,
teoricamente, a favor do apenado, visando proteger e resguardar os direitos do mesmo, como é
o caso da Súmula 535 do Superior Tribunal de Justiça, que prevê um grande avanço não
permitindo que a falta grave influencie na sentença declaratória de concessão do indulto.
Entretanto, por possuirmos uma justiça aberta a interpretações da lei, quem acaba sendo
prejudicado são àqueles submetidos a este sistema.
Finalizo o presente artigo com uma reflexão a respeito do pensamento punitivista, de
penas rigorosas e de sua aplicação se necessária a nós, a frase é de Marcelo Figueiredo em seu
livro O Indulto no Direito Brasileiro à Luz da Constituição da República: “Sentar-se ao banco
dos réus não é uma possibilidade reservada apenas aos culpados”.
São José, 1 de junho de 2022.