A IDEOLOGIA POLÍTICA NÃO DEVE ESTAR ACIMA DO DIREITO DE DEFESA
A IDEOLOGIA POLÍTICA NÃO DEVE ESTAR ACIMA DO DIREITO DE DEFESA
Por Thalles Vinícius de Souza Sales
Ele era um católico fervoroso, declaradamente de direita, conservador, anticomunista. Não obstante, foi defensor dos comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger perante o Tribunal de Segurança Nacional no ano de 1937.
E por qual motivo Sobral Pinto foi patrono de pessoas cuja ideologia era diametralmente oposta à sua? Porque, acima de suas convicções políticas, ele acreditava que nada era mais sagrado do que o direito de defesa.
Advogados como Sobral Pinto, hoje em dia, estão cada vez mais raros.
Inspirado nele, busco pautar a minha atuação na advocacia defendendo aquilo em que acredito, embora nem sempre eu agrade a todos, embora nem sempre eu seja compreendido.
Para que se tenha uma ideia, quando o ex-presidente Lula teve a sua nomeação para ministro da Casa Civil suspensa por decisão do ministro Gilmar Mendes, me posicionei contra, por entender que a interferência judicial era indevida.
Logo em seguida teve o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, quando defendi que se tratava de processo ilegítimo, por não haver base jurídica, isto é, por ela não ter cometido, no meu entender, crime de responsabilidade.
Algum tempo depois, fiz artigo em que apontei a ilegalidade da prisão preventiva decretada ao ex-presidente Michel Temer [1]. Recentemente, também entendi como descabida a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal.
Isso sem falar nas críticas que sempre fiz em relação a Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, sobretudo com a publicização dos diálogos que demonstraram as relações nada republicanas no processo, com o intuito de condenar Lula [2].
Em todas essas ocasiões, sem exceção, fui criticado de alguma forma, e a minha opinião causou certo mal-estar. E talvez até quem esteja lendo estes escritos possa ter dúvidas de como é possível que eu tenha defendido Lula, Dilma, Temer e até Bolsonaro, não obstante o abismo político e ideológico existente entre eles, e entre eles (ou parte deles) e eu.
A questão é simples: a ideologia política não deve estar acima do direito de defesa.
É por isso que fico à vontade para falar que me preocupa muito a forma como está sendo conduzido o caso do deputado Federal Daniel Silveira (PSL/DF).
Para começo de conversa, acredito que o referido parlamentar representa o que há de pior na política. O vídeo que gravou, atacando o Supremo Tribunal Federal e seus membros, fazendo ode ao AI-5, entre outras coisas, é gravíssimo, e merece o mais veemente repúdio de todo aquele que tem o mínimo apreço pela democracia.
Contudo, por mais repugnante que a sua pessoa seja, a Constituição Federal (pela qual o deputado parece não ter qualquer apreço) e as leis são para todos, independentemente de qualquer coisa.
No momento da confecção deste artigo, o deputado ainda está preso em flagrante. Conforme o professor Aury Lopes Júnior disse em suas redes sociais, a prisão em flagrante deve durar não mais do que 24 horas. Depois disso, ou é convertida em prisão preventiva ou então deve haver a soltura (liberdade provisória com ou sem medidas cautelares do artigo 319 do Código de Processo Penal).
Ocorre que até o momento, mesmo depois de realizada a audiência de custódia, nada disso aconteceu! A sua prisão em flagrante já dura mais tempo do que uma prisão temporária, e não há qualquer indicativo do que irá acontecer. Por sua vez, a Câmara Federal, com 364 votos a favor, decidiu manter a prisão.
Como explicar isso tudo de modo lógico para o acadêmico de Direito, ou para a sociedade em geral, que não entende da Constituição, tampouco do Código de Processo Penal?
Com a devida vênia de quem pensa o contrário, todas essas incongruências acabam fortalecendo a narrativa de seus apoiadores no sentido de que ele está preso por ter manifestado uma opinião, de que se trata de um preso político.
Não quero dizer com isso que o deputado não deva ser condenado e possivelmente até ter seu mandato cassado. Do que está se tratando aqui é única e exclusivamente de sua prisão (e consequente manutenção).
A forma não está correta. O procedimento não está correto. Não há como silenciar, se omitir, e fingir que nada está acontecendo só porque o chicote está açoitando um político que não é de minha predileção. Machado de Assis já dizia que o chicote muda sempre de mãos.
E é isso que me preocupa. Que ele responda à Justiça, dentro do devido processo legal, de modo que sejam respeitados todos os seus direitos.
Eu sei, meus queridos colegas de profissão, que nem sempre defender os direitos de alguém será algo simpático, ou irá agradar à opinião pública.
Porém, não devemos jamais esquecer que o artigo 31, §2º, da Lei nº 8.906/94 nos exorta que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.
Portanto, tenhamos bom ânimo. Pedindo licença a Guimarães Rosa, a advocacia quer da gente é coragem, pois ela não é, definitivamente, profissão para covardes.
***Thalles Vinícius de Souza Sales é advogado, consultor jurídico da Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Ensino, Pesquisa, Extensão Universitária no Acre (Fundape), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp e pós-graduando em Direito Público pelo Instituto Elpídio Donizetti.