A ILEGAL CUMULAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS NA APLICAÇÃO DO SURSIS
Por: Marcus Valério Saavedra.
Há previsão no Código Penal, em seu artigo 78, § 1º, de aplicação da pena de prestação de serviços à comunidade, ou limitação de fim de semana, no primeiro ano do período probatório, na hipótese de suspensão condicional da pena.
Posto que integrante do conteúdo do Direito Penal, cuida-se de preceito flagrantemente inconstitucional, por afronta as garantias individuais, adventícias da ordem constitucional, inaugurada com a Carta Política de 1988, além de configurar evidente impossibilidade jurídica, originária de injustificável falta de técnica jurídica, mas de qualquer maneira compreensível, face trata-se de obra do legislador da década de 40.
Juristas patrícios, ocupando-se do problema, têm argumentado que a matéria disposta no § 1º, do artigo 78 do CP., desafia a norma prevista no caput, com o qual se mostra manifestamente incompatível.
Não deixam de ter razão, evidentemente, mas não é só por isso que o preceptivo legal em exame se reveste de ilegalidade em nível infraconstitucional.
A razão maior, em verdade, reside na promulgação da Lei 9.714/98, que deu novo tratamento legislativo ao sistema de penas alternativas.
De acordo com o artigo 44 do CP., modificado pelo aludido Diploma Legal, as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando o apenado enquadra-se nos requisitos dos três incisos daquele dispositivo.
Neste contexto, a ilegalidade se evidencia porque, a hipótese prevista no artigo 78, quando conjugado com o seu § 1º, cria a inusitada situação do “dá e toma”, resultado inócuo e sem qualquer sentido prático a locação “poderá ser suspensa” contida no Caput do artigo 77 do Código aflitivo.
Assim, se a pena foi suspensa, atendidos determinados requisitos, implica afirmar conseguintemente, que, durante o prazo da suspensão, o condenado não estará sujeito ao cumprimento de pena privativa de liberdade que lhe foi aplicada.
Se, porém, aplicar o juiz sentenciante a obrigatoriedade de, no primeiro ano se suspensão da pena privativa de liberdade, prestar o sentenciado serviço à comunidade, ou, de outra feita, submete-se à limitação de fim de semana, (CP., artigos 46 e 48, respectivamente), não estaremos diante de suspensão da pena, mas em verdade de indevida cumulação de pena privativa de liberdade com uma pena restritiva de direitos, ainda que sob a disfarçada nomenclatura de condição, haja vista a precária liberdade concedida ao réu.
Trata-se, induvidosamente, de cumulação de pena privativa de liberdade e pena restritiva de direitos, inexistente em nosso sistema penal.
A hipótese é complexa, apesar de aparentemente simples.
Não olvidar que a pena privativa de liberdade é provisoriamente suspensa, por dois, três ou quatro anos. (CP., artigo 77, caput).
Preside a hipótese de que trata, absoluta impossibilidade jurídica, porque as penas restritivas de direito têm autonomia, isto é, funcionam em nível sancionatório in concretum, e, por extensão, substituem as penas privativas de liberdade, o que implica dizer tomam o lugar destas, fazem as suas vezes, equivalem a estas.
Ora, não foi esta a intenção do legislador de 98.
Suspensão não é substituição. Aquela tem caráter precário, provisório, iminente; esta é definitiva e sólida.
Tal situação, infelizmente tão comum nos meios forenses, deve ser banida da atividade judicante, por que ofensiva ao princípio do justo que deve presidir as decisões judiciais.
Isso é imperioso porque viola, sobretudo, o princípio do devido processo legal.
O dispositivo ora comentado exaspera a situação do acusado, autor de infração de menor potencial ofensivo e beneficiário do sursis, ao lado daquele infrator que tenha sido condenado a pena superior, pode ter a sanção convertida, como é o caso da pena de multa substitutiva.
Pode ocorrer, também, a revogação do sursis. Nessa hipótese, alias tão comum, o agente já terá cumprido dupla pena prática de uma só conduta delituosa.
Não resta dúvida que o dispositivo contraria a nova lei 9.714/98, modificadora do Código Penal. Via de norma, as leis preconizam a revogação de eventuais disposições contrárias.
Lei nova revoga a anterior quando expressamente o declare, quando com ela é incompatível, ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a anterior.
Se assim é, insuscetível dar-se aquele comando normativo, como visto, já banido de nossa legislação penal.
(Marcus Valério Saavedra é advogado da bancada da ABRACRIM/PA)