A importância da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, para manutenção do Princípio da Segurança Jurídica no Direito Penal-Constitucional Brasileiro
Sustentava Magalhães Noronha: “é o Direito Penal ciência cultural normativa, valorativa e finalista”. É, em primeiro lugar, uma ciência. Suas normas e regras estão sistematizadas por um emaranhado de princípios, que compõem a dogmática jurídico-penal. Além disso, é cultural, pois pertence à classe das ciências do “dever ser”, ao contrário das ciências naturais, que cultuam o “ser”.
É normativa, porque tem como objeto o estudo da lei penal, ou seja, o Direito positivo. Valorativa, porque estabelece a sua própria escala de valores, a qual varia em conformidade com o fato que lhe dá conteúdo. O Direito Penal valoriza hierarquicamente as suas normas. Ainda, é finalista, uma vez que se preocupa com a proteção de bens jurídicos fundamentais.
Sua missão é prática, e não simplesmente teórica ou acadêmica. Se não bastasse, convém mencionar que o Direito Penal tem natureza constitutiva (autônoma, autonomista ou originária), mas também sancionatória. Ou, como prefere Zaffaroni, é “predominantemente sancionador e excepcionalmente constitutivo”. Sancionador porque não cria bens jurídicos, mas acrescenta uma proteção penal aos bens jurídicos disciplinados por outras áreas do Direito. O Direito Administrativo, por exemplo, protege os bens públicos, mas o Direito Penal cria diversos crimes contra a Administração Pública para reforçar esta tutela.
Nada obstante, pode ser constitutivo, ainda que excepcionalmente, quando protege interesses não regulados em outras áreas do Direito, tais como o uso indevido de drogas e a crueldade contra os animais, indicando a independência do Direito Penal no tocante às demais áreas do Direito. Destaca-se, ainda, como característica do Direito Penal o seu caráter fragmentário, pois não tutela todos os valores ou interesses, mas somente os mais importantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.
As regras e princípios constitucionais são os parâmetros de legitimidade das leis penais e delimitam o âmbito de sua aplicação. O Direito Penal deve se harmonizar com as liberdades, as garantias e os direitos estatuídos pela Constituição Federal, pois nela encontram o seu fundamento de validade.
Dessa forma, qualquer lei, penal ou não, elaborada ou aplicada em descompasso com o texto constitucional, não goza de validade. Exemplo: o art. 5.º, XLVII, a, da Constituição Federal proíbe, em situação de normalidade, a pena de morte. Consequentemente, o Direito Penal não pode criar ou impor a pena capital, seja por apelo da população, seja a pedido do próprio condenado.
O Direito Penal desempenha função complementar das normas constitucionais. Destarte, a tipificação penal do homicídio tem o propósito de resguardar o direito constitucional à vida, o crime de calúnia protege a honra, e assim por diante.
Conclui-se, pois, que a definição de condutas criminosas é válida apenas quando alberga valores constitucionalmente consagrados. É o que se convencionou chamar de teoria constitucionalista do delito.
O Direito Penal tem como função a proteção de bens jurídicos, isto é, valores ou interesses reconhecidos pelo Direito e imprescindíveis à satisfação do indivíduo ou da sociedade. Apenas os interesses mais relevantes são erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O legislador seleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal.
Dessa forma, a noção de bem jurídico acarreta na realização de um juízo de valor positivo acerca de determinado objeto ou situação social e de sua importância para o desenvolvimento do ser humano. E, para coibir e reprimir as condutas lesivas ou perigosas a bens jurídicos fundamentais, a lei penal se utiliza de rigorosas formas de reação, quais sejam, penas e medidas de segurança. A proteção de bens jurídicos é a missão precípua, que fundamenta e confere legitimidade ao Direito Penal.
Ao Direito Penal é também reservado o controle social ou a preservação da paz pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade. Dirige-se a todas as pessoas, embora nem todas elas se envolvam com a prática de infrações penais. Ao contrário, apenas a minoria envereda pelo caminho da criminalidade, seja por questões morais, seja pelo receio de aplicação da lei penal.
Por mais paradoxal que possa parecer, o Direito Penal tem a função de garantia. De fato, funciona como um escudo aos cidadãos, uma vez que só pode haver punição caso sejam praticados os fatos expressamente previstos em lei como infração penal.
O Direito Penal motiva os indivíduos a não violarem suas normas, mediante a ameaça de imposição cogente de sanção na hipótese de ser lesado ou colocado em perigo determinado bem jurídico. É como se as leis penais dissessem: “não matar”, “não roubar”, “não furtar” etc.
Neste sentido, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM, em especial a representação do Estado do Amapá, na pessoa de seu Presidente, o advogado, Dr. Cícero Bordalo Júnior tem colaborado para manutenção da Segurança Jurídica, inerente ao Direito Penal, levando para o debate de várias questões da seara do Direito Penal-Constitucional, em especial, pois a norma jurídica qualifica-se por seu objeto e não por sua localização neste ou naquele corpo de leis. O objeto das normas processuais é a disciplina do modo processual de resolver os conflitos e controvérsias mediante a atribuição ao julgador dos poderes necessários para resolvê-los e, às partes, de faculdades e poderes destinados à eficiente defesa de seus direitos, além da correlativa sujeição à autoridade exercida pelo julgador.
As mesmas razões que levam a sociedade humana a não poder prescindir de normas que regulam a coexistência pacífica dos indivíduos em sociedade, determinam também que não possa subsistir na anarquia, ou seja, na falta de um poder que a organize.
O direito é, pois, o modo mais formal do controle social formal. Sua função é a de socializador em última instância, pois sua presença e sua atuação só se faz necessária quando já as anteriores barreiras que a sociedade ergue contra a conduta anti-social foram ultrapassadas, quando a conduta social já se apartou da tradição cultural, aprendida pela educação para, superando as condições de mera descortesia, simples imoralidade ou mesmo, pecado, alcançar o nível mais grave do ilícito ou, tanto pior, do crime.
Norma social que é, o direito não surge à toa na sociedade, mas para satisfazer a imprescindíveis urgências da vida. Ele é fruto de necessidades sociais e existe para satisfazê-las, evitando, assim, a desorganização social. Uma dessas necessidades básicas é a resolução de conflitos de interesses. Malgrado a sociedade tem continuamente, através do processo de socialização, o completo enquadramento social dos indivíduos, nem toso ficarão igualmente socializados, mas, ao contrário, o composto das pré-disposições pessoais e das coerções grupais vai produzir uma síntese diferenciada, de tal modo que os indivíduos vão alimentar interesses divergentes a às veze4s contrapostos.
Outrossim, a organização do poder político e, nas sociedades superiores, em que já se nota diferenciação social de governantes e governados, uma importante função social do direito. Atribuindo ao poder político o monopólio do suo da força, o direito cria o órgão do poder capaz de regular e compor os interesses em disputa na sociedade.
Por mais clara que seja uma norma, ela requer sempre interpretação. Nesse sentido, bastantes convincentes são os dizeres de Degni:”A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos caso imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e à quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação nas relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente”.
Ao Pode Judiciário está reservada a grande responsabilidade de adequar o direito, quando a sua vigência social apresenta sintomas de inadaptabilidade em relação à realidade social, mantendo-o vivo.
A Constituição de 1988 não só protege a segurança jurídica, mas também a consubstancia, ao definir, ilustrativamente: as autoridades competentes, os atos a serem aditados, os conteúdos a serem regulados, os procedimentos devidos, as matérias a serem tratadas, tudo a potencializar os ideais de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade normativas. Assim, a segurança jurídica é protegida constitucionalmente em várias de suas dimensões: segurança do direito, pelo direito, frente ao direito, dos direitos e como um direito.
Para que a segurança jurídica seja alcançada e, por seu intermédio, a justiça, é indispensável, em primeiro lugar, que o Estado adote certos padrões de organização interna. A clássica divisão dos poderes, me Legislativo, Executivo e Judiciário, enunciada por Aristóteles e desenvolvida em seus principais aspectos por Montesquieu, é considerada essencial. Cada órgão possui sua especialização. Não se acham separados por um sistema hermético (perfeito), mas conjugam – ou, pelo menos, devem – as suas funções em uma atividade harmônica e complementar. O que traduz um imperativo de segurança é a possibilidade de um mesmo poder açambarcar as funções próprias de outro poder. Ora, no que pertine a eventuais abusos por parte de magistrados, membros de Ministério Público, autoridade policial, por exemplo, preliminarmente, no que se refere a magistrado e membros do Ministérios Público, existem as respectivas Corregedorias e, também, o Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Pública, órgãos com previsão constitucional, que são órgãos de controle, e que, não são compostos somente por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
A lei é a forma moderna de produção do Direito Positivo. É ato do Poder Legislativo, que estabelece normas de acordo com os interesses sociais. Não constitui, como outrora, a expressão de uma vontade individual, pois traduz as aspirações coletivas. Apesar de uma elaboração intelectual que exige uma técnica específica, não tem por base os artifícios da razão, pois se estrutura na realidade social. A sua fonte material é representada pelos próprios fatos e valores que a sociedade oferece. Os romanos a definiram como Lex est quod populus atque constituit (lei é o que o povo ordena e constitui), para Tomás de Aquino, “é preceito racional orientado para o bem comum e promulgado por quem tem seu cargo os cuidados da comunidade”.
Ao fixar o sentido e o alcance das norma jurídicas, o intérprete não atua como um autônomo, fazendo simples constatações. Seu papel não é o de revelar o que já existe com todos os seus elementos e contornos. A interpretação do Direito exige, de certa forma, criatividade. Ao interpretar Beethoven ou Villa-Lobos, o músico não se limita a reproduzir as notas musicais, mas vai sempre além, deixando a marca do seu estilo. Ao interpretar os textos jurídicos, o interprete não se vincula a vontade do legislador, pois o modo-contínuo da vida cria a necessidade de se adaptar as velhas forma aos tempos modernos.
O princípio da inafastabilidade de jurisdição estabelece que, entre nós, somente o Poder Judiciário decide definitivamente, com forma de coisa julgada (sistema de jurisdição única). Trata-se de princípio relacionado à própria estrutura jurídico-política do Estado brasileiro, especialmente à independência entre os Poderes da República, obstando que o Legislativo ou o Executivo reduzam o campo de atuação do Judiciário – que entendemos ocorrerá com a aprovação do PL 280/2016 -, mediante a edição de leis, medidas provisórias, enfim, de atos que pretendessem excluir determinadas matérias ou controvérsias da apreciação judicial.
Não é demais lembrar que nossa legislação penal e processual penal é extensa e, no geral, antiquada, merecedora de reforma para modernizá-la. Quando há alterações nas normas, faz-se de maneira assistemática, provocando antinomias, contradições e lacunas, a serem solucionadas, justamente, na prática.
Portanto, o verdadeiro operador do Direito deve ser um exímio conhecer dos princípios constitucionais penais e processuais penais, visto ser a partir da Constituição Federal que se pode desenvolver a correta abordagem do sistema legislativo ordinário.
Não é a Constituição que deve se adaptar ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, mas sim estes que devem se moldar às normas constitucionais pátrias.
O operador do Direito necessita compreender a importância dos direitos e garantias fundamentais, captando todo o conteúdo do art. 5.º da Constituição Federal, com o objetivo de utilizar os preceitos ali constantes como armas para o seu dia a dia no exercício da advocacia criminal.
ANDERSON COUTO DO AMARAL é Advogado, Assessor Jurídico do Sindicato dos Técnicos e Auxiliares em Saúde Bucal do Amapá, Sócio do Escritório AMARAL & COLARES ADVOGADOS, Consultor Jurídico do Escritório Fonseca Santos, ex-Procurador do CRO/AP, Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Amapá. Membro da Comissão de Advogados Civilistas da OAB/AP. Pós-Graduado em Direito Público. Ex-Professor de Ética do curso de Odontologia da Faculdade IMMES. Professor Convidado de Ética Odontológica dos cursos de pós-graduação da Associação Brasileira de Odontologia – Seção do Amapá, Ganhador da Menção Honrosa do Prêmio Conciliar é Legal do Conselho Nacional de Justiça. Autor Colaborador do JORNAL JURID. Autor Colaborador do JusBrasil, Autor Colaborador da Editora Consulex com mais de 20 artigos jurídicos publicados e Autor Colaborador da Editora Zakarewicz.
Fonte: https://andersoncamaral.jusbrasil.com.br