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A (im)possibilidade de impugnação de acordo de colaboração premiada por terceiros: uma breve distinção entre impugnação e direito ao confronto sob a ótica dos tribunais superiores

A despeito de a Lei de Organizações Criminosas – Lei 12.850 – datar de 02 de agosto de 2013, pode-se afirmar, sem qualquer margem para dúvidas, que, mesmo após quase 5 (cinco) anos de vigência, se trata, ainda, de um diploma normativo novo, sobre o qual pairam muitas dúvidas e controvérsias, tanto no âmbito doutrinário quanto jurisprudencial.

No presente artigo, buscar-se-á evidenciar a diferença existente entre a (im)possibilidade de o terceiro – delatado – impugnar o acordo de colaboração premiada que lhe diga respeito, evidenciando o posicionamento prevalente nos tribunais pátrios, e o inquestionável direito – ainda do delatado –, em momento processual adequado, ao confronto das informações derivadas do pacto premial.

Com efeito, muito se tem discorrido presentemente sobre a perniciosidade da imprensa nos processos criminais, a qual tonifica o famigerado “processo penal do espetáculo”, em que, segundo TIBURI, citado por Rubens Casara, “o desejo de democracia é substituído pelo desejo de audiência”.

Isso porque, de acordo com Rubens Casara:

Em meio aos vários espetáculos que se acumulam na atual quadra histórica, estão em cartaz os “julgamentos penais”, em que entram em cena, principalmente, dois valores: a verdade e a liberdade. O fascínio pelo crime, em um jogo de repulsa e identificação, a fé nas penas, apresentadas como remédio para os mais variados problemas sociais (por mais que todas as pesquisas sérias sobre o tema apontem para a ineficácia da “pena“ na prevenção de delitos e na ressocialização de criminosos), somados a um certo sadismo (na medida em aplicar uma “pena” é, em apertada síntese, impor um sofrimento) fazem do julgamento penal um objeto privilegiado de entretenimento.

A propósito, tal constatação se verifica, diuturnamente, nos mais diversos meios de comunicação, em que a posição de destaque, sem dúvida alguma, é reservada ao direito penal e processo penal – com seus infindáveis casos e “escândalos” postos para a apreciação da massa facilmente manipulável.

Nesse panorama, a delação premiada apresenta-se como pedra angular da atual quadra penal midiática, uma vez que nos mais variados horários do dia, basta ligar a televisão para acompanhar – em tempo real – a transmissão de depoimentos, trechos de acordos, lista de delatores, delatados, processos penais deflagrados, arquivados, findos, etc.

Com isso, amplia-se a danosidade que o aparato de persecução penal consegue causar na vida dos que são seus (potenciais) destinatários mesmo antes da deflagração de um processo penal.

A título de elucidativo, citem-se, por todos, as “famosas” listas do Fachin , ministro do Supremo Tribunal Federal, e do Janot, então Procurador-Geral da República , nas quais inúmeros nomes de políticos foram citados, mas que, incontinenti à divulgação, para a opinião pública(da), pareciam trazer a notícia de que “inúmeros políticos haviam sido condenados”.

É que na acelerada sociedade em que se vive, uma notícia desse quilate tem o condão de, antes mesmo de iniciado o processo, o qual pode sequer chegar a existir – ante, por exemplo, a ausência de elementos informativos mínimos –, aniquilar moralmente um delatado, ocasionando a sua “morte social”.

É justamente nesse complexo contexto, agravado sobremaneira com a deflagração da famigerada (e interminável) “Operação Lava Jato”, que surgem diversas controvérsias acerca da possibilidade de um terceiro delatado impugnar um acordo de colaboração premiada do qual não faz parte, senão nas diversas imputações que lhes são, por meio do pacto premial, dirigidas.

A doutrina, nesse tocante, nem de longe chega a um consenso, de modo que a discussão entelada divide os estudiosos do tema. Ao sustentar a legitimação do delatado para questionar o acordo de colaboração premiada que lhe cita, Canotilho e Brandão asseveram que:

[…] na medida em que tem assim como finalidade precípua a incriminação de terceiros, pelo menos, por um crime de organização criminosa, a colaboração premiada apresenta-se como um meio processual idôneo a atentar contra direitos fundamentais das pessoas visadas pela delação, desde logo e de forma imediata, o direito à honra, mas ainda também, potencialmente, a liberdade de locomoção, a propriedade ou a reserva íntima da vida privada.

Na esteira de Canotilho e Brandão, segundo os quais o delator, ao cooperar com as autoridades públicas, tem poder de influência na esfera jurídica de terceiros, já que, por meio de suas declarações, violam-se honra, propriedade, privacidade, etc., Vinicius Gomes de Vasconcellos defendente que “há sim interesse dos corréus delatados, pois são claros o potencial prejuízo causado pelo auxílio do colaborador à persecução estatal e a possibilidade de sua evitação por meio da impugnação ao acordo de colaboração premiada”.

Impõe-se consignar, por relevante, que o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do habeas corpus 127.483, ao se pronunciar sobre a viabilidade da impugnação do acordo por um terceiro delatado, se manifestou no sentido de que pode, sim, haver interesse jurídico, desde que o objeto da delação tenha servido para ofertar a denúncia .

Perfilhando essa mesma linha de entendimento, Fredie Didier Jr. e Daniela Bomfim defendem que “É fundamental, em prol da proteção da legalidade dos atos estatais, que haja possiblidade de impugnação do acordo de colaboração premiada pelos corréus”.

Deveras, não se desconhece a relevância dos fundamentos arguidos pelos defensores da corrente permissiva da impugnação, por terceiros delatados, do acordo de colaboração premiada. No entanto, malgrado a importância dos argumentos e o brilhantismo dos autores, não é a tese que vem prevalecendo atualmente.

Como é cediço, em observância à norma inserta no artigo 6º, §3º, da Lei 12.850/2013, via de regra as tratativas, celebração e homologação do acordo de colaboração premiada são sigilosas, perdendo tal característica somente após o recebimento da denúncia.

Por conseguinte, após a formalização do acordo, não há mais que se falar em impugnação do acordo, senão em exercício do direito de confronto, que é o meio (adequado) através do qual os delatados questionarão não a validade do pacto, mas, sim, a qualidade das provas que lhes pesam em desfavor.

Destarte, na esteira de Ada Pellegrini Grinover, para que se possa valorar minimamente o conteúdo da delação, é necessário que seja oportunizado o direito de defesa, com a presença dos corréus delatados durante o seu interrogatório e dando publicidade aos atos processuais.

Entrementes, não se pode perder de vista que são situações as quais se apresentam em tempos distintos no iter processual e trazem consigo consequências diversas. A toda evidência, a postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo do habeas corpus 127.483, foi pela impossibilidade de impugnação do acordo por parte do terceiro (delatado), porquanto “o acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica”.

A ementa do referido writ, cuja relatoria competiu ao Ministro Dias Toffoli, restou, em síntese, assim grafada:

Acordo de colaboração premiada. Homologação judicial (art. 4º, § 7º, da Lei nº 12.850/13). Competência do relator (art. 21, I e II, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Decisão que, no exercício de atividade de delibação, se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo. Ausência de emissão de qualquer juízo de valor sobre as declarações do colaborador. Negócio jurídico processual personalíssimo. Impugnação por coautores ou partícipes do colaborador. Inadmissibilidade. Possibilidade de, em juízo, os partícipes ou os coautores confrontarem as declarações do colaborador e de impugnarem, a qualquer tempo, medidas restritivas de direitos fundamentais adotadas em seu desfavor.

De efeito, na senda do quanto decidido, entendeu-se que “[…] a homologação do acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas – o que, aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração”.

A bem da verdade, nota-se uma clara distinção, por parte do Supremo Tribunal Federal, daquilo que a doutrina costuma dividir em “aptidão eficacial” e “eficácia propriamente dita”. Veja-se, a propósito, que para a celebração do acordo de colaboração premiada – fase em que, em tese, podem “vazar” informações sobre terceiros os motivando a impugnar o trato – exige-se, apenas, a aptidão eficacial, a qual traduz, na dicção de Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues, “a capacidade de a colaboração trazer resultados concretos futuramente”.

É de se ver, assim, ainda com supedâneo nos escólios Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues, que “obtidos os resultados previstos na lei, aí sim ela passará a ter eficácia (que é a consequência da colaboração premiada)”. Saltam aos olhos, pois, que a mera celebração do acordo de colaboração premiada, por si só, sequer garante a efetiva obtenção dos prêmios legais, já que condicionados à regra de corroboração. Daí dizer-se que, ausente ratificação, por meio de provas, do quanto dito pelo colaborador, não haverá prêmios ao delator, tampouco condenação aos delatados (art. 4º, §16, 12.850/2013).

Nesse contexto, supedaneando-se outra vez mais nas lições de Vinicius Gomes de Vasconcellos, expõem-se, em apertada síntese, os argumentos empregados pelo Supremo Tribunal Federal para determinar a não impugnabilidade do acordo pelos coimputados, a saber:

1) A formalização e homologação do acordo não acarreta prejuízo para os corréus, ao passo que nesse momento o julgador não ingressa no mérito da questão e não confere idoneidade às declarações do delator; 2) os coimputados poderão exercer suas defesas no momento posterior, do contraditório judicial sobre as declarações ou provas indicadas pelo colaborador; 3) as declarações do delator não são provas sufi entes para fundamentar, por si só, a condenação; e 4) eventual desconstituição do acordo de colaboração premiada não acarreta consequências a terceiros, ou seja, não impede a valoração de eventuais provas produzidas em prejuízos dos corréus, de modo que não há interesse na imputação do pacto.

À guisa de informação, esclarece-se que o Superior Tribunal de Justiça, tal qual o Supremo Tribunal Federal, se alinha à tese de qual “Apenas aqueles que celebraram os acordos de delação premiada – ou seja, os colaboradores e o Ministério Público Federal – detêm legitimidade para questionar os seus termos”.

Ainda a ilustrar o entendimento retro, leia-se recente precedente da Corte Cidadã o qual restou assim ementado:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. DECLARAÇÕES DO COLABORADOR. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL PERSONALÍSSIMO. IMPUGNAÇÃO POR SUPOSTOS COAUTORES OU PARTÍCIPES DO COLABORADOR. ILEGITIMIDADE. POSSIBILIDADE DE CONFRONTO, EM JUÍZO, DAS DECLARAÇÕES DO COLABORADOR. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO, A QUALQUER TEMPO, DE MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ADOTADAS EM SEU DESFAVOR. RECURSO DESPROVIDO.

1. O acordo de colaboração premiada, negócio jurídico personalíssimo celebrado entre o Ministério Público e o réu colaborador, gera direitos e obrigações apenas para as partes, em nada interferindo na esfera jurídica de terceiros, ainda que referidos no relato da colaboração.

2. Assim sendo, supostos coautores ou partícipes do réu colaborador nas infrações desveladas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no “relato da colaboração e seus possíveis resultados” (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13), não possuem legitimidade para contestar a validade do acordo.

3. Não há direito dos “delatados” a participar da tomada de declarações do réu colaborador, sendo os princípios do contraditório e da ampla defesa garantidos pela possibilidade de confrontar, em juízo, as declarações do colaborador e as provas por ele indicadas, bem como impugnar, a qualquer tempo, as medidas restritivas de direitos fundamentais eventualmente adotadas em seu desfavor.

4. Precedentes do STF e do STJ.

5. Recurso desprovido.

À vista do quanto exposto, deve-se ter em mente que a impugnação ao acordo de colaboração premiada não se confunde com o direito ao confronto, a realizar-se, em juízo, observando sempre o contraditório e a ampla defesa.

Nesse panorama, resta patente que a impugnação do pacto premial, que é verdadeiro negócio jurídico personalíssimo, somente pode ser levada a efeito pelas partes “contratantes”, quais sejam, Ministério Público e Colaborador, ao passo em que o direito de confronto, o qual se mostra como legítimo meio de defesa, é outorgado àqueles que figuram na condição de delatados.

Por derradeiro, consigna-se que a impugnação não se apresenta como meio de eficaz de defesa, haja vista que, ainda que invalidado o pacto, os elementos probatórios por meio dele angariados poderão ser utilizados em desfavor de todos, à exceção do colaborador. Dessa forma, a via correta para se contrapor à delação é o direito ao confronto, o qual não implicará em anulação ou quebra do acordo, mas apenas em perda de eficácia na parte que diz respeito ao confrontador.

REFERÊNCIAS

GOMES, Flávio Luiz; SILVA, Marcelo Rodrigues. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Salvador /BA: JusPODIVM, 2015.

Grinover, Ada Pellegrini. O processo III série: estudos e pareceres de processo penal. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013. p. 234.

DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela. Colaboração premiada (Lei 12.850/2013): natureza jurídica e controle da validade por demanda autônoma – um diálogo com o direito processual civil. Civil Procedure Review, v. 7, n. 2, maio-ago. 2016.

CANOTILHO, J.J Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração premiada: reflexões críticas sobre os acordos fundantes da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 133, ano 25, jul. 2017.

VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO: Divulgada nova lista de Fachin com 108 investigados na Lava-Jato. Pernambuco, 11 abr. 2017. Disponível em:

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