A Ineficiência da Segurança Pública no Brasil e sua relação com a imoralidade Nacional na perspectiva NeoKantiana
Resumo
Este trabalho tem o escopo na análise da ineficiência da segurança pública no Brasil e sua relação com a imoralidade que acomete a sociedade brasileira contemporânea, que alcança desde o cidadão mais comum até os altos níveis da administração pública. Com efeito, se analisa os reflexos da crise moral brasileira no fracasso das políticas de segurança pública no país, apresentando-se, ao final, a proposta de moralização na perspectiva kantiana, como solução para a supradita demanda.
Palavras-chave: Segurança Pública. Crise moral. Moralização nacional. Teoria Kantiana.
1 Introdução
A Segurança Pública é um acontecimento complexo de extrema importância social, tem relação direta com a criminalidade e violência, e com a logística do policiamento que contribuirá para controlar e prevenir suas manifestações. Todos os segmentos da sociedade têm parte ativa nela, e serão naturalmente classificados em três grandes grupos: policiais, criminosos e demais cidadãos. No contexto brasileiro, temos o exército, os policiais federais, civis e militares, cada um com o seu alcance de atuação em particular, e ainda existem algumas outras modalidades de agentes promotores de segurança pública, porém em número menor e poder de ação limitado. O fenômeno da dinâmica do sistema de segurança será ditado principalmente pelo comportamento e interação entre os indivíduos desses três grupos. Por sua vez, o tipo de comportamento de cada um estará norteado por sua construção moral.
As lições de Immanuel Kant a respeito de moral se fazem vivas e substanciais no contexto em que vivemos. Segundo Kant, para avaliar o carácter moral de um indivíduo é necessário conhecer os seus motivos. As consequências da ação não são um guia confiável, no entanto, é importante ressaltar que isto não significa que as consequências da ação sejam irrelevantes. Kant diz que o que torna uma ação certa ou errada não é fato de as consequências serem prejudiciais ou benéficas.
De acordo com Kant, a razão não lhe diz quais devem ser os seus objetivos, assim sendo, o dever de ajudar alguém deve estar condicionado à simples posição que exercemos em uma sociedade, ou seja, se alguém tem algo que não vai lhe fazer falta e outra qualquer pessoa necessita, nasce então uma obrigação humana. É o dever pelo dever.
Kant pretende distinguir o que é moralmente correto, daquilo que não o é, para que desse modo, nós, seres racionais sensíveis, possamos julgar nossas ações, ou ainda, nossas máximas de ação, de acordo com seu valor moral. O projeto filosófico de Kant baseia-se inteiramente na razão e na liberdade. O princípio da moralidade, portanto, de acordo com o autor, deve ser obtido racionalmente, independentemente de qualquer observação empírica. O filósofo acredita ser impossível fundar a ética tendo por base a natureza emocional dos seres humanos. Sendo a razão o único elemento comum a todos os seres humanos, Kant pretende que sua teoria ética seja prioritariamente racional justamente pelo fato de que deseja que esta tenha validade para todos os seres racionais sensíveis, independentemente de suas preferências particulares, costumes ou cultura.
A prática moral dos seres humanos de um modo geral tem transitado na contramão da teoria Kantiana, uma vez que as emoções, preferências egoístas e os sentimentos são evocados em detrimento da razão. Neste sentido, cumpre pontuar o problema das crises que eclodem cada vez mais frequentes no mundo. No Brasil não é diferente, os brasileiros sofrem em diversas áreas, sejam elas: saúde, moradia, segurança pública, educação, transportes e, sobretudo, com a ineficiência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Estes últimos, inclusive, se ainda vivesse o pai da festejada teoria da tripartição dos poderes, Montesquieu[1], estaria desonrado com tamanha dissonância.
Da incongruência entre os poderes, resulta uma série de problemas, que alcançam, principalmente, as classes que dependem das ações paternalistas do Estado, ou seja, as classes C, D e E, classificadas como de baixa renda.
Pretende-se aqui indagar os aspectos materiais e morais que relativamente fazem parte deste tema, mostrando as consequências da crise na segurança pública, no âmbito da sociedade brasileira contemporânea.
2 dO CAOS NA SEGURANÇA PÚBLICA E A INGERÊNCIA DO ESTADO
Não há mais como esconder o grande poder que as organizações criminosas exercem sobre todas as classes sociais no mundo, mas principalmente no Brasil e nos países emergentes.
Define-se a Criminologia como ciência empírica vinculada à Sociologia, tem esse caráter multidisciplinar que estuda o crime, a pessoa do desviante, diferente do delinquente, pessoa que cometeu um delito, geralmente marginalizado e excluído da sociedade comum. Do latim crimino – crime; e do grego logos – estudo, tratado; ou seja, estudo do crime, o qual se orienta pelas escolas clássica e positiva, sendo estas as mais antigas. Os clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano e o contratualismo que diz que o estado surge a partir de um grande pacto entre o povo, no qual, este cede parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva. Então, para a escola clássica, a responsabilidade criminal do delinquente leva em conta sua responsabilidade moral e se sustenta no livre arbítrio, este inerente ao ser humano. Enquanto na escola Positiva, se parte do princípio de que o crime era um fenômeno social e a pena como instrumento de defesa social.
Outrora, comumente se falava em crimes contra patrimônio apenas nos grandes trens pagadores e grandes agências bancárias. Entretanto, o que se vislumbra atualmente é a ingerência do Estado e a sua falência no dever constitucional de proporcionar segurança aos seus administrados.
Neste sentido, sobre a sobredita crise, calham as considerações de Fernando Salla:
A crise ganhou cores mais acentuadas por conta do processo eleitoral em 2006. Apesar do debate público que vem provocando, a área de segurança pública no Brasil é considerada politicamente desgastante pelas autoridades, que evitam mantê-la como centro de suas preocupações.
Não obstante, as leis, que apesar de terem o seu conteúdo material cada vez mais rigoroso, não têm surtido o efeito esperado no sentido de diminuir a criminalidade, pelo contrário, aumenta diaadia em todos os segmentos sociais, deixando claro e incontroverso que o problema não está na criação de leis cada vez mais severas, e sim de uma política que não veja o crime apenas na perspectiva do criminoso, mas também no contexto social e da vítima, que na maioria das vezes sequer é ouvida, muito menos assistida.
Se antigamente os crimes que chamavam a atenção da população eram os do trem pagador e de grandes bancos, hoje não são lembrados em função da banalização dos casos de homicídios previstos no artigo 121 do Código Penal, de crimes preterdolosos (latrocínio) tipificado no artigo 157, § 3º, in fine, do Código Penal e de roubo de carros e extorsão mediante sequestro (sequestro relâmpago) detalhado no artigo 148 do Código Penal brasileiro.
A título de exemplo, esses crimes, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia[2] acontecem em três áreas distintas do Município de Salvador: os homicídios no subúrbio, em função do grande número de bares onde o principal objeto de consumo é o álcool, que em excesso, leva ao descontrole psíquico e perda do senso moral resultando em brigas e mortes; já os “latrocínios” segundo a SSP, acontecem na periferia onde as pessoas possuem bens materiais de maior valor, adquiridos com certo sacrifício, e por conta disso reagem aos assaltos e são assassinadas; e por fim, os roubos de carros e “sequestros relâmpagos” ocorrem na área nobre de Salvador em função do alto poder aquisitivo dessa classe.[3]
Sobre a temática, anota relevantes considerações a festejada Senadora Ana Amélia:
Além de cultural, o descaso com a segurança pública esbarra em questões federativas. A concentração de recursos financeiros na União é fator que gera dificuldades para as polícias nos estados. Como a maioria dos governos não dispõe de recursos para investimentos e melhoria dos serviços, a segurança fica em segundo plano.
Assim, há uma real necessidade de se criar, em caráter emergencial, políticas públicas e sociais que aproximem mais as classes supramencionadas, mostrando para o povo mais necessitado que a sociedade funciona de fato quando existe sinergia entre as diferentes camadas. É característica inerente ao ser humano viver de forma interdependente com seus pares. Apenas assim, haverá êxito na luta em prol da diminuição do problema da criminalidade, sobretudo a de natureza grave. Faz-se necessário o conhecimento dos valores que imperam fatidicamente em uma sociedade. É preciso abandonar a procrastinação, o discurso retórico, a falácia, os textos exaustivos e desconexos, se de fato o objetivo seja a mudança do status quo. O conhecimento é o caminho para a autonomia que liberta, e o mesmo faz de seu detentor um indivíduo mais humilde. A liberdade por sua vez promove a criatividade e a solidariedade.
3 DA CRISE MORAL NACIONAL
Muitas são as crises que o Brasil e o povo brasileiro têm passado ao longo do tempo. O tema da segurança pública não escapa à regra. No entanto, não se pode olvidar a maior de todas elas que é a crise moral nacional.
As instituições brasileiras responsáveis por garantir segurança pública se encontram desmoralizadas e estancadas em seus deveres para com o povo, fato que contribui para que o país se encontre no patamar em que está. Dentre essas instituições podemos citar os poderes: executivo, legislativo e, sobretudo, o judiciário que deveria sabatinar tais poderes, no entanto não se encontra em condições morais para isso.
Vejamos o que é e qual a competência destes, segundo a teoria da separação dos poderes de Montesquieu:
a) Poder Executivo é o poder do estado que, nos moldes da constituição de um país, possui a atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo fielmente as ordenações legais. O executivo pode assumir várias e diferentes faces, conforme o local em que esteja instalado;
b) Poder Legislativo é o poder do Estado ao qual, segundo o princípio da separação dos poderes, é atribuída a função legislativa. Por poder do Estado compreende-se um órgão ou um grupo de órgãos pertencentes ao próprio Estado, porém independentes dos outros poderes. No sistema de três poderes propostos por Montesquieu, o poder legislativo é representado pelos legisladores, homens que devem elaborar as leis que regulam o Estado;
c) E por fim e não menos importante o Poder Judiciário ou Poder Judicial é um dos três poderes do Estado moderno na divisão preconizada por Montesquieu em sua teoria. É exercido pelos juízes e possui a capacidade e a prerrogativa de julgar, de acordo com as regras constitucionais e leis criadas pelo poder legislativo em determinado país.
Segundo a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 2º, são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
A teoria dos três poderes é bela em sua essência, no entanto, na prática o que se vê é uma espécie de disputa entre eles para saber qual o mais poderoso e popular. A busca pelos holofotes da mídia, ao que parece, tem sido mais importante do que os preceitos constitucionais, e, portanto, tem sido cada vez mais difícil reconhecer a razão da existência de cada um deles.
Um país não pode se desenvolver com base em uma cultura que promove a transgressão. Uma nação formada por indivíduos que não respeitam a ética, pondo o interesse pessoal acima do interesse coletivo e das leis não prospera. É necessário entender que o único caminho para a consolidação de um sistema de segurança pública que funcione de fato é o do respeito às leis, não corrompendo nem sendo corrompido. A crise moral brasileira não está presente apenas no ambiente da política ou das elevadas camadas da sociedade responsáveis pela administração do país. O nível de consciência moral se revela desde o cidadão comum quando este paga seus impostos, combate a pirataria, a falsificação e o contrabando nas pequenas coisas do cotidiano.
Apesar de o país já ter passado por períodos quando aparentemente os brasileiros perceberam o prejuízo causado pela decadência moral e corrupção generalizada, a história mostra que se houve alguma mudança positiva, quase não se faz notar.
No Brasil o sistema imposto pelos três poderes é apenas punitivo e pouco ou nada educativo. Nesse sentido, enquanto o único motivo para o cumprimento das leis for o medo, sem que os valores sejam compreendidos pelo povo, não haverá uma mudança significativa e a transgressão seguirá sendo o pano de fundo do cenário nacional.
A boa conduta deve ser exercida por todos e exigida uns dos outros. Como nação, faz-se necessária uma profunda análise comportamental e mudança de cultura no que diz respeito a transgressões. É preciso deixar de lado o péssimo costume de querer tirar vantagem em todas as situações a despeito do dano que tal atitude possa causar ao semelhante. Segurança pública começa com solidariedade e respeito, que são questões atreladas à moral e à ética.
4 CONCLUSÃO
À vista do exposto, observa-se que a crise na segurança pública assola a sociedade brasileira, alcançando, inclusive, a órbita dos direitos fundamentais. Quando se tem um país que perpassa por diversos anos ou décadas, alastrado em fortes crises em todas as áreas, em especial nos três poderes, fica muito mais difícil a sua recuperação a curto prazo e, talvez, também a longo prazo. Com efeito, faz-se necessária uma atuação conjunta entre estado e povo, intentando a solução para os problemas explicitados.
Destarte, diante do inegável cenário caótico, faz-se necessária uma moralização nacional na perspectiva Kantiana. Em sua filosofia prática, Kant busca um princípio inteiramente racional para fundamentar o que ele define como uma ação genuinamente moral. A chamada, ação por dever, não deve ser realizada apenas em conformidade externa com a lei moral; faz-se necessário ter como motivação impulsionadora o respeito que tal lei suscita, além de não se sujeitar a interesses egoístas. De acordo com Kant na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, uma determinada ação deve ser praticada de tal maneira que torne possível o desejo de que a mesma se transforme em uma prática universal. Kant diz que a liberdade e a autonomia da vontade são os princípios necessários à moralidade. Defende, também, que a moralidade deve ser compreendida como sendo a prova da existência destes princípios.
Desta forma, as atividades estatais, devem, sumariamente, fundamentar-se no dever prescrito nos diplomas legais, uma vez que o dever será uma necessidade de agir consoante à lei que dá razão para si mesma.
Em outra perspectiva, saliente-se que não basta somente que a atuação estadista esteja pautada nos limites legais, mas que o próprio processo legislativo se submeta aos parâmetros morais nos quais toda lei deve se basear. Induvidosa se torna, portanto, a necessidade de uma posição rígida por parte de toda a população, primeiro no sentido de mudança de atitude, uma vez que o exemplo é poderoso em seus efeitos. Logo, fazer uma imperiosa cobrança aos responsáveis, desde as assembleias dos pequenos municípios até os governos estaduais e federal.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).
BRASIL. Código penal e Constituição Federal (1988). 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 638 p.
KANT, O. Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2005.
KANT, O. Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Ed. Bilingue.
LEMOS, Ana Amélia. A crise na segurança pública do Brasil. Disponível em: