A jurisprudência do STF e do STJ sobre progressão de regime em crimes hediondos
“Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.
Assim, questão que se faz fundamental para entendermos o problema da lei 8.072/90 em face da lei 9.455/97 é a de saber como fica o cumprimento da pena para os denominados crimes hediondos? Para podermos entender esta questão, é necessário entender um pouco os posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, desde a vigência da Lei 9.455/97 até a edição da Súmula nº 698 pelo Supremo Tribunal Federal.
A questão da extensão da progressividade, prevista na Lei 9.455/97 para os crimes de tortura, a todos os crimes hediondos e equiparados, no entanto, não havia recebido muito apoio em alguns Tribunais, principalmente no Supremo Tribunal Federal. No Colendo Supremo Tribunal Federal a tese da aplicação analógica (in bonam partem) da lei citada a todos os crimes hediondos não foi aceita (STF, HC 76.371-SP, j. 25.03.1998). No Egrégio TJSP predominou também esse último entendimento restritivo (v. Ap. Crim. 229.0873/7, rel. Silva Pinto, j. 20.10.1997). Analisando alguns julgados dos Tribunais Superiores, podemos concluir que o Superior Tribunal de Justiça através de alguns de seus Ministros, principalmente pelos votos do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, foi o que mais se aproximou de uma análise global e sistemática de nossa legislação dentro de todo o ordenamento, buscando dar maior efetividade aos preceitos da Constituição Federal.
Faremos a transcrição de algumas ementas com a finalidade de conhecer e analisar quais as linhas de raciocínio seguidas por nossos julgadores. Não temos como colocar todas as decisões, mas procuraremos colocar as principais, pois, como sabemos, cada decisão é de uma importância única, diante da análise de vidas que estão por trás dos papéis, e cada uma dessas decisões ditarão os rumos que serão seguidos pelos demais Tribunais, melhorando ou não o sistema vigente. Merece grande atenção o Recurso Especial nº 140.617, com o voto do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro:
Resp – 140.617-GO – Ementa da Decisao de 2/9/1997: Resp – Constitucional – Penal – Execução da Pena – Crimes Hediondos (Lei N. 8.072/90)- Tortura (LEI N. 9.455/97)- Execução – Regime Fechado – A Constituição da República (Art. 5., XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como Crimes Hediondos. A Lei N. 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo:”A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”(Art. 2., parag.. 1.). A Lei N. 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1. – 7.:”O condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do parag. 2., iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A lei N. 9.455/97, quanto a execução da pena, é mais favorável do que a Lei N. 8.072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes.
Essa decisão do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro do ano de 1997, ou seja, logo em seguida ao surgimento da lei nº 9.455/97, serviu como paradigma para a grande maioria das decisões que foram, e são, favoráveis à progressão do regime prisional para os crimes hediondos em razão da lei da tortura. O Superior Tribunal de Justiça admitiu a possibilidade da progressão do regime prisional aos crimes hediondos em face à Lei nº 9.455/97 em diversos outros julgados, conforme exposto:
HC 10432 / RJ – “Habeas Corpus. Possibilidade de progressão do regime prisional em face da Lei 9.455/97. Ordem concedida em razão de empate na decisão. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, em razão de empate na votação conceder a ordem, para admitir a possibilidade de progressão de regime prisional, face à Lei nº 9.455. Votou com o Sr. Ministro Fontes de Alencar o Sr. Ministro Vicente Leal, vencidos os Srs. Ministros Relator e Hamilton Carvalhido. Ausente, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson.(1)
E, seguindo com a linha de raciocínio favorável à progressão de regime em face da lei de tortura adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
Resp 184918 / RS – “Constitucional. Penal. Execução Penal. Regime Prisional. Progressão de Regime. Crimes Hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex Mitior. Incidência. – É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a”a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”(art. 5º, XL). – Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Recurso especial conhecido e provido.(2)
A posição adotada até então pelo Superior Tribunal de Justiça tratava de pontos essenciais como a aplicação da Lex Mitior, afirmando que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, e, principalmente da individualização da pena em razão da progressão do regime prisional para os crimes de tortura. O caráter individualizador das penas é a grande chave para uma correta aplicação dos princípios de direito penal. Assim, nessa linha de raciocínio, as ponderações dos Professores Zaffaroni e Pierangeli sobre a faculdade individualizadora que as penas devem ter:
O CP brasileiro segue o sistema conhecido como o das penas”relativamente indeterminadas”. Salvo as penas que por sua natureza não admitem a quantificação, as demais são estabelecidas legalmente de forma relativamente indeterminada, isto é, fixando um mínimo e um máximo, possibilitando, sempre, uma margem para a consideração judicial, de conformidade com as regras gerais de que é o juiz que deve concretiza-las no caso concreto.(3)
Ainda dentro da análise das decisões aplicadas pelos Tribunais Superiores, o Superior Tribunal de Justiça tratou da questão da aplicação das penas alternativas em face da lei dos crimes hediondos, analisando com muita coerência a matéria:
HC 9466 / SP – “HC – Constitucional – Penal – Crime Hediondo (Lei 8072/90)- Penas Alternativas (Lei nº 9.714/98)- A lei nº 9714/98, encerrando modernas recomendações criminológicas, autoriza aplicar penas alternativas nas condenações até quatro anos; com isso, coloca-se (ou recoloca-se) na sociedade, o condenado para, paulatinamente, reeducar-se para a convivência. Incide também nos casos de condenação por crime hediondo, ou a ele equiparados. Tanto assim, a lei, literalmente, exclui as infrações não contempladas: pena superior a quatro anos e o crime cometido com violência ou grave ameaça a pessoa. A pena aplicada, como o cumprimento, diminui dia a dia. A Lei de Execução Penal estatui no art. 113: “No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena”. Desse modo, o resgate diário, quando reduzir a condenação a quatro anos, enseja, reunidas também as condições subjetivas, aplicar pena alternativa. O réu é condenado a x, mas está condenado a x-y. Modificada a situação jurídica, altera-se a situação inicial.(4)
E, voltando a tratar da tormentosa questão das leis 8.072/90 versus /97, continuou o Superior Tribunal de Justiça defendendo, mesmo que através de alguns Ministros, que ficavam cada vez mais isolados, a possibilidade da progressão em face da:9.455lex mitior
HC 8640 / DF -“Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex mitior. Incidência. – É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a”a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”(art. 5º, XL). – Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Habeas-corpus concedido.(5)
E continuou, reforçando princípios que servem de pedra mestre para a correta adequação das leis ordinárias à Carta Magna, tornando a aplicação do direito cada vez mais vivo e democrático:
RESP 181774 / SP – “Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, art. 1º, § 7º. Lex mitior. Incidência. – É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL). – Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Recurso especial conhecido e desprovido.(6)
E mais, reforçando novamente a possibilidade, inclusive, da adoção da aplicação da pena alternativa em razão do princípio da lex mitior:
RESP 60046 / SP – “Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, Art. 1º, § 7º. Lex mitior. Incidência. Pena alternativa. Lei nº 9.714/98. – É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a”a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”(art. 5º, XL). – Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. – A Lei nº 9.714/98, que deu nova redação aos artigos 43 a 47 do Código Penal, introduziu entre nós o sistema de substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, e por ser mais benigna tem aplicação retroativa, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Estatuto, e do art. 5º, XL, da Constituição. – Embora inexistente o direito subjetivo do réu à substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos, é de rigor que a recusa à concessão do benefício seja sobejamente fundamentada, com exame das condições objetivas e subjetivas que indiquem a impropriedade do deferimento do pedido. – Habeas-corpus concedido, de ofício. Recurso especial prejudicado.(7)
Essas decisões, apesar de serem minoritárias, eram as que mais ganhavam força e respeito nas vozes da doutrina e dos estudiosos do direito. Surgia, então, a possibilidade de ver-se corrigida e melhor aplicada a lei penal. O Superior Tribunal de Justiça, tendo o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro à frente dos defensores dessa linha de pensamento, continuou defendendo:
RHC 8520 / MG – “RHC – Penal – Crime hediondo – Pena – Execução – Regime integralmente fechado – Constitucional – Penal – Execução da pena – Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90)- Tortura (Lei nº 9.455/97)- Execução – Regime fechado – A Constituição da República (art. 5º, XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A Lei n. 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado” (art. 2º, § 1º). A Lei n. 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1º – 7º: “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A Lei n. 9.455/97, quanto à execução da pena, é mais favorável do que a Lei n. 8.072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes. Matéria solucionável no âmbito da legislação infraconstitucional.(8)
E o mesmo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro:
HC 8167 / RS – “HC – Penal – Crime hediondo – Pena – Execução – Regime integralmente fechado – Constitucional – Penal – Execução da pena – Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)- Tortura (Lei nº 9.455/97)- Execução – Regime fechado – A Constituição da República (art. 5º, XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A Lei n. 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo:”a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”(art. 2º, § 1º). A Lei n. 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1º – 7º:”O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A Lei n. 9.455/97, quanto à execução da pena, é mais favorável do que a Lei n. 8.072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes. Matéria solucionável no âmbito da legislação infraconstitucional.(9)
E, seguindo a mesma linha de raciocínio, o Ministro Vicente Leal:
RHC 8404 / RJ – “Constitucional. Penal. Execução penal. Regime prisional. Progressão de regime. Crimes hediondos. Lei nº 8.072/90, Art. 1º, § 2º. Lei nº 9.455/97, art. 1º, § 7º. Lex mitior. Incidência. – É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que a “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL). – Se a Lei nº 9.455/97 admitiu a progressão do regime prisional para os crimes de tortura, conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei nº 8.072/90, é de rigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. Recurso Ordinário provido. Habeas-corpus concedido.”(10)
Esses posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça mostram-se mais adequados e atentos a uma análise ampla e” global “do ordenamento jurídico. E, continuou, em outras ocasiões, sustentando e reforçando a idéia de regime comum dos crimes hediondos e a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo, com base no artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal:
RESP 82439 / SP”Resp – Constitucional – Penal – Execução da pena – Crimes hediondos (Lei nº 8.072/90)- Execução – Regime fechado – A Constituição da República (art. 5º, XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A Lei nº 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado” (art. 2º, § 1º). A Lei n 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1º – 7º: “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A Lei nº 9.455/97, quanto à execução da pena, é mais favorável do que a Lei nº 8.072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes.”(11)
Esse posicionamento, até então seguido pelo Superior Tribunal de Justiça, bem retrata as lições extraídas da obra de Michel Foucault quando analisa o prazo de duração da pena:
“O prazo de seis meses é curto demais para corrigir os criminosos, e leva-los ao espírito de trabalho; (em compensação) o prazo perpétuo os desespera; ficam indiferentes à correção dos hábitos e ao espírito de trabalho; só se ocupam com projetos de evasão e de revolta; e já que não foram julgados quanto a serem privados da vida, por que procurar torna-la insuportável?”(12)
Assim, sempre pontual a lembrança do princípio da individualização da pena e seu caráter ressocializador, em total consonância com a progressão do regime prisional. Cabe, aqui, novamente, destacarmos a importância de decisões que asseguram a aplicação da lei mais benéfica:
Resp 168423 / RS – “Resp – Constitucional – Penal – Execução da pena – Crimes Hediondos, (Lei nº 8.072/90)- Tortura (Lei nº 9.455/97)- Execução – Regime fechado – A Constituição da República (art. 5º, XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. A Lei nº 8.072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo:”a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”(art. 2º, § 1º). A Lei nº 9.455/97 quanto ao crime de tortura registra no art. 1º – 7º:” O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A Lei nº 9.455/97, quanto à execução da pena, é mais favorável do que a Lei nº 8.072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a Lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes.”(13)
E, na mesma linha de raciocínio, o Juiz Prieto de Souza, em julgado unânime da 5º Turma do Tribunal Regional Federal da 3º Região, consagrou a possibilidade de progressão no regime prisional com base no disposto pelo art. 7º do Pacto internacional de direitos civis e políticos, que veda a submissão do cidadão a penas cruéis, desumanas ou degradantes.(14) Mas, apesar de todos os entendimentos favoráveis à progressão do regime prisional aos crimes hediondos(15) o mesmo Superior Tribunal de Justiça negou a possibilidade da progressão do regime prisional aos crimes hediondos em diversas outras ocasiões:
Resp 522673/RS:”Penal. Recurso Especial. Tráfico de Drogas. Regime de Cumprimento da Pena Privativa de Liberdade. Exacerbação da pena-base. Ações penais em andamento. Consideração como maus antecedentes. Impossibilidade. I – Os condenados como incursos no art. 12 da Lei nº 6.368/76 devem cumprir a pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado (ex vi do art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90). II – Tal limitação já foi considerada constitucional pelo Pretório Excelso (HC 69.603 e HC 69.657) e não foi revogada pela Lei nº 9.455de aplicação restrita. III – A simples indicação de inquéritos e processos em andamento não pode ser considerada, como maus antecedentes, para fins de exacerbação da pena-base. (Precedentes desta Corte e do c. Supremo Tribunal Federal). Recurso parcialmente provido.”(16)
Apesar de nos parecer completamente incoerente a supressão de diversos princípios e normas favoráveis ao réu, os Tribunais, no caso o Superior Tribunal de Justiça, parecia cada vez mais convencido da correta aplicação da lei nº 8.072/90 e do regime integralmente fechado, sem a possibilidade de progressão de regime prisional. E, mesmo contrariando os” gritos “da doutrina, seguiu o Superior Tribunal de Justiça pelo caminho: HC 22455 / RS:
“Habeas Corpus. Homicídio Qualificado. Progressão de Regime Prisional. Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Lei dos Crimes Hediondos. Revogação Parcial. Ordem Denegada. 1. O homicídio qualificado integra o elenco dos crimes hediondos, como na letra do artigo 2º da Lei nº 8.072/90. 2. O inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República apenas estabeleceu “um teor de punitividade mínimo” dos ilícitos a que alude, “aquém do qual o legislador não poderá descer”, não se prestando para fundar alegação de incompatibilidade entre as leis dos crimes hediondos e de tortura. A revogação havida é apenas parcial e referente, exclusivamente, ao crime de tortura, para admitir a progressividade de regime no cumprimento da pena prisional. 3. Ordem conhecida em parte e denegada”.(17)
A construção jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça passou a ganhar traços de mecanicidade e repetição cada vez maiores, contrariando o que entendemos ser a função primordial do processo interpretativo lógico e racional. Os juízes têm o poder de produzir o sentido da norma, pois o texto legislativo não é mais do que um mero enunciado a ser interpretado de acordo com a Constituição Federal. Pensar de maneira diversa seria tirar todo o sentido da Carta Magna. Passa a ser necessário que o Juiz decida em total consonância com os princípios e regras constitucionais, adequando a lei infraconstitucional ao texto constitucional, e não o contrário, ou seja, adequar a Constituição ao texto legal, sob pena de ferir a correta aplicação dos princípios norteadores da Justiça. Continuou, ainda, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, ratificando a força da lei dos crimes hediondos:
Resp 323343 / MT”Penal. Recurso Especial. Tráfico de Drogas. Regime de Cumprimento da Pena Privativa de Liberdade. I – Os condenados como incursos no art. 12 da Lei 6.368/76 devem cumprir a pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado (ex vi art. 2º, § 1º da Lei nº 8.072/90). II – Tal limitação já foi considerada constitucional pelo Pretório Excelso (HC 69.603 e HC 69.657) e não foi revogada pela Lei nº 9.455 de aplicação restrita.”(18)
Entendemos que o Direito Penal não pode permanecer estático, levando-se em conta apenas o que podemos considerar como um tecnicismo jurídico vinculado ao ordenamento positivo. Aplicar o Direito não é, única e simplesmente, aplicar as leis. Aplicar o Direito é adequar a aplicação das leis a uma realidade interpretativa de seu contexto dentro de todo um ordenamento. As posições jurisprudenciais negadoras da progressão de regime prisional aos crimes hediondos mais se encaixam a um hospital que trata todos os pacientes como se fossem iguais. Assim as ponderações de Michel Foucault citando o sempre lembrado Beccaria, que nos dá um exemplo claro do que seria esse hospital, afirmando que
de maneira que se eu traí meu País, sou preso; se matei meu pai, sou preso; todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo remédio.”(19)
Nega-se a progressão do regime prisional tratando-se todos os delinquentes como se fossem portadores da mesma doença a ser curada, em total descompasso com a individualização da pena. Seria o mesmo que tratar todos os doentes de bronquite com os remédios dado aos doentes dos setores de oncologia. É o que se costuma chamar de verdadeiro”manicômio”do sistema prisional. Um homicida deve receber tratamento de homicida; um traficante dever receber tratamento de traficante; um estelionatário deve receber tratamento de estelionatário, e assim, para cada caso, um tratamento, levando-se ainda em conta os diversos outros critérios para a correta aplicação da individualização da pena. E, contrariando o que entendemos ser a escorreita aplicação das técnicas de hermenêutica, (20) o Superior Tribunal de Justiça passou a seguir um pensamento cada vez mais estático, negando a progressão do regime prisional em diversas outras ocasiões:
Resp 440817/RS: “Penal. Crime Hediondo. Substituição de Pena e Progressão de Regime Prisional. Impossibilidade. 1. Segundo proclamado pelo STF, a Lei nº 9.714/98 ao alterar os arts. 44 e seguintes do Código Penal, no que tange à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não se aplica aos crimes hediondos que têm regulação específica. O condenado por tráfico (art. 12, da Lei nº 6.368/76), não tem direito ao benefício. 2. A Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 1º, impõe nos denominados crimes hediondos – o regime fechado, vedada a progressão, conforme fixado pelo STF no julgamento do HC nº 69.603. 3. A Lei 9.455, de 1997 não revoga, por extensão, o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. Esta impede a progressão nos denominados crimes hediondos relativos ao terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, etc. Já aquela, consagra o benefício apenas (unicamente) para o delito de tortura. Não se pode pretender, na hipótese, a revogação por via oblíqua, porque (1) a nova lei não é incompatível com a anterior e dela difere apenas por questão de política criminal, no tocante ao regime prisional de um dos vários crimes qualificados como hediondos. Ademais, (2) a matéria versada na Lei 8.072/90 não foi disciplinada de modo diverso a dar azo ao entendimento de sua revogação. 4. Neste sentido, inclusive, a jurisprudência do STF que, em sessão plenária (25.03.98), no julgamento do HC 76.371, concluiu que a Lei 9.455/97 (Lei de Tortura), quanto à execução da pena, não derroga a Lei 8.072/90.”(21)
Acreditamos, em posição contrária à grande maioria do Superior Tribunal de Justiça, que ao admitir o benefício para os crimes de tortura, passou-se a dar tratamento mais benigno à matéria regulada pela lei nº 8.072/90 pois, passa a ser de rigor a aplicação de sua incidência no processo de individualização da pena dos demais delitos mencionados no artigo 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988. É bom observar que normas constitucionais ou leis que cerceiam direitos e garantias devem ser interpretadas restritivamente inclusive, e principalmente, pelo legislador ordinário. As leis devem buscar o caminho da justiça e do equilíbrio. Nas palavras do Professor Francisco de Assis Toledo,
“A lei, qualquer lei, como todo conjunto de normas, é a expressão de um dever