A menoridade penal em face da criança e do adolescente
Introdução
Segundo a UNESCO, as epidemias e doenças infecciosas, que eram as principais causas de morte entre os jovens há cinco ou seis décadas, foram sendo progressivamente substituídas pelas denominadas “causas externas”de mortalidade. Em 1980, de acordo com dados do SIM, homicídios e acidentes de trânsito já eram responsáveis por aproximadamente a metade (52,9%) do total de mortes dos jovens do país. Vinte e dois anos depois, dos 47.885 óbitos juvenis registrados no SIM/DATASUS, 34.486 tiveram sua origem em causas externas; revelando o aumento drástico desse percentual. No ano 2002, acima de 2/3 de nossos jovens (72%) morreram por causas externas, sendo o maior responsável o homicídio. (Sankievicz, 2007)
Pelos dados apresentados, é possível concluir que os avanços da violência nas últimas décadas são explicados pelo incremento dos homicídios contra a juventude. Se as taxas de homicídios entre os jovens pularam de 30,0 em 1980 para 54,5 (em 100.000 jovens) em 2002, as taxas para o restante da população permaneceram estáveis, passando de 21,3 para 21,7 (em 100.000 habitantes). Os homicídios vitimam principalmente a população de sexo masculino (em torno de 93% das vítimas são homens) e da raça negra, que tem uma vitimização 65% superior a da população total e 74% superior entre os jovens.
A situação social brasileira apresenta uma dimensão alarmante, ameaçadora e aterrorizante, um país com inúmeros contrastes culturais dentro de seus oito milhões e quinhentos mil quilômetros quadrados, onde a questão da criança e do adolescente infrator assume uma forma epidêmica.
Independente do avanço na violência mundial especialmente dentre os jovens, o Sistema Jurídico brasileiro determina a maioridade penal a partir dos 18 anos, o que pode ser visto em três diplomas Legais: no artigo 27 do Código Penal; no artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente; e no artigo 228 da Constituição Federal, onde entende-se que a pessoa menor de 18 anos não possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. A Idade, nesse caso, é o determinante causal principal, desconsiderando-se portanto a capacidade psíquica do agente. De acordo com o Princípio da Prioridade Absoluta, a tríade entidade familiar, comunidade e Estado tem o dever de colocar todas as questões pertinentes à infância e juventude em prioridade absoluta frente às demais.
De acordo com o ECA (Lei 8.069/1990), os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, mas respondem pela prática de ato infracional cuja sanção será desde a adoção de medida protetiva de encaminhamento aos pais ou responsável, orientação, apoio e acompanhamento, matrícula e frequência em estabelecimento de ensino, inclusão em programa de auxílio à família, encaminhamento para tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, abrigo, tratamento toxicológico e, até, colocação em família substituta, se assim for concluído (ECA, 1990). O sujeito ativo do ato infracional é sempre o adolescente, enquanto que para as crianças, quando do cometimento de ato infracional, ficam destinadas apenas as medidas de proteção descritas no artigo 101 do ECA. As infrações praticadas por adolescentes entre 12 e 18 anos incompletos, além das medidas protetivas, podem levar à aplicação das medidas socioeducativas, de acordo com a capacidade do ofensor, circunstâncias do fato e gravidade da infração, conforme dispõe os incisos do artigo 112. Assim, a criança e o adolescente, portanto passaram a ser identificados como sujeitos de direitos, sendo reconhecidos por todo o ordenamento jurídico brasileiro como protagonistas, através de garantias diferenciadas e especiais, como, por exemplo, a proteção integral e a citada anteriormente absoluta prioridade, entre outras medidas asseguradoras de seus direitos fundamentais.
No direito penal, há uma forte tendência no sentido de introduzir novos tipos e agravamento as penas de infrações já existentes, o que se amolda perfeitamente ao nascimento de um novo marco doutrinário que pretende a restrição das atuais garantias de direito material e processual penal (Sankievicz, 2007). Constata-se com isso a existência de um intervencionismo penal cada vez mais intense, passível de mudanças na tentativa de um maior controle social e de uma justiça amparada na realidade.
2. O Direito e a Maioridade Penal
Alguns elementos fortalecem a condição de imputabilidade da maioridade no Brasil, dentre eles temos o biológico, o psicológico e o biopsicológico. No primeiro elemento está inserido o menor de 18 anos e o portador de deficiência mental no qual pressupõe o não desenvolvimento mental completo ou mesmo poderá tratar como procrastinado, para que possa entender perfeitamente o caráter criminoso; o segundo elemento, o psicológico, traduz-se no momento da ação ou omissão delituosa onde o individuo pratica o ato sem consciência, sem a representação exata da realidade. Tal elemento possui características duvidosas quanto a análise mesmo sendo para profissionais, já que a constatação da exata ausência de consciência do individuo e vontade no momento do cometimento do crime é dificil de ser comprovada. Porém, em regra, o laudo pericial próprio poderá eximir a imputabilidade de fato.
O Terceiro e ultimo elemento, o biopsicológico, trata da combinação dos dois sistemas anteriores exigindo causas previstas no código penal art. 26 caput. extinto pelo Código de 1940. O Código Penal de 1969, Decreto-lei n. 1004/69, que não chegou a viger, seguiu os ensinamentos de Hungria, e admitia a sanção penal para menor de 18 e maior de 16 anos, desde que fosse constatado suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato. Acrescentando ainda, a condição Biopsíquica – período onde a criança ou adolescente começa a questionar o certo e o errado, sem distinção. Nesse passo, faz-se distinguir o período juvenil enquanto fenômeno biológico e à medida como fenômeno psicológico na adolescência onde não há de se concluir como final da puberdade.
3. A sociedade e a maioridade penal
Baseado na Constituição Federal são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Isto assegura aos jovens o tratamento diferenciado, onde os mesmo não poderão ser responsabilizados na esfera criminal. Caso não sejam respeitados a CF e o ECA, constitui-se uma contrariedade direta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Os direitos reconhecidos na Constituição impõe participação obrigatória da família, da sociedade e do Estado quanto à promoção da dignidade da pessoa humana para a criança e o adolescente na categoria de cidadãos. A lei Maior prestigia a promoção da dignidade, a igualdade e a solidariedade.
O principio da proteção integral da criança e do adolescente está previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança adotada pela Resolução nº 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, onde no artigo 3º in verbis: “Todas as decisões relativas às crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primazia em conta o interesse superior da criança.” Entende-se então que o menor não responde por crimes e sim atos infracionais, devido a sua incapacidade real. Questiona-se com isso na ocorrência de emancipação se seria legítima alguma ressalva. Na situação do direito brasileiro atual, ainda que o jovem com idade inferior a dezoito anos seja casado ou emancipado, mesmo que se trate de um superdotado ou excepcional inteligência, a presunção legal persiste pelo seu caráter absoluto que inadmite prova em contrario. Então vale ressaltar que por ser o emancipado considerado menor, não há como garantir exceção à regra.
4. Responsabilidades e condutas possíveis com o agressor menor
Condutas de agressão, violência e repressão que tem sido utilizadas no intuito de responsabilizar o agressor menor por seus atos não parecem ter o resultado esperado quanto a reeducação e recuperação social do indivíduo. Muitas situações intrigam e revoltam a sociedade, mas a justiça vale-se do direito e a onda conservadora de defesa da lei e da ordem utilizando instrumentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual destaca a responsabilidade ao jovem de doze aos dezoito anos autor de atos infracionais, com a adoção de medidas socioeducativas, com a máxima de prestação de serviços comunitários em hospitais e asilos, com a possibilidade do não cumprimento devido a falta de fiscalização superior. Outras possibilidades são a liberdade assistida, inserção em regime semiaberto; e por fim a internação em estabelecimento educacional, medida esta considerada complexa, onde o cumprimento dessa demanda segue a capacidade do Estado. Ainda há aqueles inclusos em programas comunitários oficiais de auxílio à família, os que fazem acompanhamento médico (psiquiátrico e outros) e psicológico.
5. Redução da maioridade: pontos positivos e negativos
Em se tratando da redução da maioridade penal, várias opiniões são divergentes. Enquanto uns estudiosos consideram o sistema da redução da maioridade penal ineficaz quanto ao combate às ilicitudes cometidas por esses jovens, outros tratam o assunto como polêmico no que tange aos direitos da pessoa humana, vendo tal escolha como radical, possibilitando ações que levem à vulnerabilidade social.
Atos infracionários cometidos por esses jovens infratores podem atingir um índice elevado quando feita uma analogia com crimes cometidos por adultos. De fato tal informação pode ser considerada uma inferência pois não procede com dados comprobatórios, pois as divulgações desses atos infracionais nos meios de comunicação ganham amplo destaque nos noticiários, e com isso tem-se a impressão é que esta é uma prática comum. Doutrinadores do âmbito jurídico afirmam que os adolescentes são muito mais que vítimas de crimes do que autores, contribuindo este fato para a queda da expectativa de vida no Brasil, pois se existe um “risco Brasil” este reside na violência da periferia das grandes e medias cidades. Corroborando esses dados, o percentual alarmante de que 65% dos infratores vivem em famílias desorganizadas e desestruturadas.
A punição pura e simples, com a adoção de penas aos menores não tem apresentado impacto positivo sobre diminuição da incidência da violência no Brasil. A violência gerada pelos adolescentes pode ser considerada pouco representativa se comparada à violência ocasionada sob influência dos adultos que em muitos casos são de fato os atores principais da infração. O estatus “criança” deve ser considerado um estado de direitos, não um mero objeto de ações governamentais. Portanto, a redução da maioridade tem como significado o simbolismo de um retrocesso quanto ao ponto de vista da humanização e civilidade, ferindo a garantia e promoção do direito dos jovens brasileiros, desde a primeira infância até o fim da adolescência.
5. Conclusão
Diante dos aspectos abordados neste artigo, entende-se que a redução da maioridade penal no Brasil, somente poderá ser realizada mediante a criação de uma nova constituição, onde alterações como emendas seriam considerados ilegítimas. É preciso que a sociedade compreenda que a maioridade penal propicia questionamentos que vão muito além da redução da idade do menor: a criança e o adolescente que atualmente ingressam no mundo do crime perdem a liberdade, a infância e seus sonhos, mergulhando num mundo sem um futuro próspero. Faz se desta forma necessário a interferência do poder do Estado Democrático de Direito, e diante dele e respeitando sua autonomia, devemos buscar mudanças válidas e legais que tragam tão somente benefícios à sociedade.
6. Referências
Ambitojuridico.com.br – acessado em 01/10/17, 10: 00.
Basaldúa L B. A diminuição da maioridade penal: o adolescente delinquente e a PEC 33/2012. Artigo do Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014.
Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2001
Código Penal De 1969, Decreto-lei n. 1004/69.
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança: Resolução nº 44 da Assembleia Geral das Nações Unidas, 20 de novembro de 1989.
Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Rossato, Lepore, Santos. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentado artigo por artigo.
Sankievicz A. Breve análise sobre a redução da maioridade penal como alternativa para a diminuição da violência juvenil. Biblioteca Geral da Câmara dos deputados. Brasilia- DF, 2007.