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A retroatividade na representação da vítima no crime de estelionato após a Lei 13.964/2019

Por Juliana Miranda[1]

Com o advento da Lei 13.964/2019, o conhecido “Pacote Anticrime”, houve um conjunto de importantes alterações na legislação penal e processual penal. Uma delas foi a alteração da redação prevista no § 5º do art. 171 do CP, no qual dispõe como condição de procedibilidade da ação penal, a representação da vítima. A lei resguardou algumas ressalvas, como nos casos em que a vítima for a Administração Pública, direita ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; ou maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Isto é, o crime de estelionato deixou de ser uma ação penal pública incondicionada, passando a ser uma ação penal pública condicionada à representação.

Sabe-se, que a ação penal pública condicionada, é aquela cujo exercício se subordina a uma condição, qual seja, à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, tendo para oferecimento da representação, o prazo de 06 (seis) meses, a contar da data em que o ofendido vier a saber quem é o autor da infração penal, conforme dispõe o artigo 38 do Código de Processo Penal. O não oferecimento da representação dentro do prazo acarreta a extinção da punibilidade pela decadência, conforme o artigo 107, IV, do Código Penal.

No entanto, a referida alteração legislativa acarretou questionamentos a respeito dos inquéritos e ações penais em trâmite que averiguam o crime de estelionato e que não tiveram a representação da vítima, como condição para procedibilidade.

Pois bem. O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica consiste em uma garantia Constitucional concedida aquele que vem sofrendo persecução penal, por meio do qual pode-se aplicar a lei posterior mais benéfica a fato praticado antes do início de sua vigência.

É evidente que a nova norma processual prevista no § 5º do art. 171 do CP é mais benéfica ao réu, tendo em vista que, observa-se o princípio da disponibilidade até o oferecimento da ação penal, nos casos de ação penal pública condicionada, assim, cessado o prazo de 06 (seis) meses para representação do ofendido, sem que o faça, considera-se extinta a punibilidade.

Desta forma, a fim de equacionar as variáveis acerca do tema, no informativo nº 677[2], o Superior Tribunal de Justiça, entendeu em Habeas Corpus nº 583.837-SC, que a retroatividade da representação no crime de estelionato alcança todos os processos ainda não transitados em julgado. Alegou-se que, a ação penal pública incondicionada é mais gravosa ao acusado, enquanto a ação privada é menos gravosa, estando a ação pública condicionada à representação em posição intermediária, considerando, portanto, norma mais benéfica em relação ao regime anterior.

Assim, ponderou que a retroatividade da norma “alcança todos os processos em curso, sem trânsito em julgado, sendo que, tal retroação não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal.”

Contudo, posteriormente, em informativo nº 995[3], o Supremo Tribunal Federal, trouxe tese distinta do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 13/10/2020 (Habeas Corpus nº 187.341/SP), no qual se entendeu pela não retroatividade da norma prevista do § 5º do art. 171 do CP, nos casos em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal, dispondo que, “entendimento diverso deste, demandaria expressa previsão legal, pois se estaria transformando a “representação da vítima”, clássica condição de procedibilidade, em verdadeira “condição de prosseguibilidade da ação penal”, alterando sua tradicional natureza jurídica.”

Assim, diferentemente do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no qual dispõe que a retroatividade alcança todos os processos que ainda não transitaram em julgado, para o Supremo Tribunal Federal, só alcançará os casos em que não tiverem sido oferecida denúncia pelo Ministério Público.

Surge, então, a solução acerca do debate, com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, evitando, portanto, insegurança jurídica e decisões conflitantes em processos penais a respeito do tema.

[1] Pós-Graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Membro da ABRACRIM. Sócia da área criminal do escritório Gabriel Quintanilha Advogados.

[2] Informativo 677 STJ – HC 583.837-SC. Min. Relator: Sebastião Reis Júnior. Órgão Julgador: Sexta Turma. Data do Julgamento: 04/08/2020.

[3] Informativo 995 STF – HC 187341-SP. Min. Relator: Alexandre de Moraes. Data do Julgamento: 13/10/2020.

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