A teoria criminológica do “Labelling Approach” aplicada na Fundação Casa
Para que se compreenda a teoria do etiquetamento social e que esta seja efetivamente aplicada como forma de análise da composição da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), é imprescindível esclarecer que o conceito de criminoso ao analisar a letra da lei é aquele que está inserido em uma sociedade que possui regras descritas de maneira positivada e as viola em alguma circunstância, provocando o seu retiramento da sociedade e sua inserção no sistema penitenciário.
Porém, existem indivíduos que são excluídos da sociedade por possuírem certas características consideradas desviantes e não aceitas por aqueles que estão efetivamente inseridos na sociedade, que é a teoria do etiquetamento social. A partir disto, ocorre o rotulamento de uma pessoa, ou de um grupo social, e há uma exclusão do meio em que vive e o status de criminoso passa a ser reconhecido não só por terceiros, bem como pelo próprio rotulado, que passa a se identificar com essas características.
A teoria do “etiquetamento social” estuda, através da Criminologia, o fenômeno do comportamento desviante definido como tal. Surgida nos Estados Unidos da América em 1960, a teoria defende que crime não é apenas aquilo que a lei descreve como tal, mas, principalmente, as características que a sociedade considera reprovável e, por consequência, o judiciário perpetua tal etiquetamento através do encarceramento desses grupos.
A hipótese levantada por Shecaira (2014) ilustra de maneira incisiva que a conduta desviante, antes de ser de fato uma conduta, um ato, é um fenômeno criado e propagado pela própria sociedade, sendo que os grupos que exercem tal comportamento estão apenas agindo de acordo com uma estigmatização imposta pela sociedade.
Quando a conduta desviante é efetivamente praticada, o indivíduo passa a se encaixar no comportamento desviante classificado pela sociedade como tal, adquirindo o rótulo de criminoso. Neste momento, esse indivíduo, que já não se encaixava na sociedade, fica definitivamente à margem e excluído, passando a se identificar com quem está inserido na mesma realidade que ele: aqueles que tem comportamento desviante, os outsiders.
Becker (2009) define como “outsider” aquele que se desvia das regras do grupo. Considerando que existem vários grupos e subgrupos presentes em uma sociedade, os desviantes que mencionamos aqui são aqueles que possuem um comportamento que se afasta do que é esperado pela sociedade como um todo.
Um comportamento desviante pode ser socialmente aceito, mas depende das características que o desviante apresenta. Fatores como personalidade, estilo de vida e status social são determinantes no momento em que haverá a rotulação – ou não – de alguém. Do mesmo modo em que o desvio é criado pela sociedade, os fatos excludentes do desvio também são criadas por ela. É o momento em que o outsider passa a conviver em sociedade sem maiores percalços.
Neste sentido, a Fundação Casa é a instituição que aplica as medidas socioeducativas consistentes em privação de liberdade dos adolescentes.
O regime de internação na Fundação Casa segue a lógica punitivista do sistema carcerário, privando o adolescente de sua liberdade em um local com instalações precárias e reforçando a justiça seletiva quando analisada do ponto de vista racial e econômico.
O Levantamento Anual feito pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), feito em 2014, coletou diversos dados nacionais referentes aos adolescentes inseridos na Fundação Casa e aos atos infracionais praticados.
Este levantamento é se crucial importância para que se mapeie o perfil do adolescente infrator e do ato infracional praticado, com o objetivo de demonstrar a seletividade e o etiquetamento presentes na justiça juvenil. Para isso, o SINASE solicitou dados das Fundações Casa de todo os estados e promoveu um estudo acerca disso.
De acordo com o levantamento, a porcentagem de jovens negros/pardos inseridos na Fundação Casa cumprindo medida socioeducativa de Restrição e Privação de Liberdade é de 55,77%.
Já a porcentagem de jovens brancos sofrendo a medida de restrição de liberdade é de 21,16%. A porcentagem de índios é de 0,25% e 22,16% não possuem essa informação.
No que se refere à porcentagem dos atos infracionais praticados, 44,41% foram classificados como análogos ao roubo, já 24,24% foram apresentados como análogo ao tráfico de drogas. Os crimes de maior periculosidade, como homicídio, possuem taxas baixíssimas, de 9,47%.
Por outro lado, os dados apresentados para a porcentagem da medida socioeducativa de internação é de 66%, contra 3% das medidas alternativas.
A análise dos dados coletados demonstra que há uma rotulação dentro da Fundação Casa, observando da perspectiva da porcentagem dos jovens negros acolhidos. Ao olhar do prisma do ato infracional praticado, verifica-se que a maioria é de crime contra o patrimônio, o que demonstra a ausência de motivação para justificar que a medida extrema da internação seja aplicada.
A análise destes dados demonstra que existe um padrão, principalmente racial, no que tange à segregação prisional.
Existe um etiquetamento racial e sócio-econômico que deixará de ocorrer na medida em que não haja mais o rotulamento prévio a qualquer conduta desviante, e por consequência a punição para eventual conduta será proporcional ao ato praticado, e não à característica do indivíduo.