Advogado criminalista e o uso de celulares nos presídios
*Marcelo Bareato
Atravessamos uma época difícil, especialmente por conta da pandemia que assola o planeta COVID-19, mas isso não pode ser um fator a impedir o trabalho ético do Advogado que se dedica à área criminal.
Não é de hoje que temos a certeza que os celulares permeiam o sistema prisional e é, com frequência, o meio usado pelo reeducando, para chegar aos seus familiares, ao seu Patrono ou mesmo para constituir um novo Defensor, além de ser o meio escolhida por vários encarcerados para tramar ações criminosas a serem executadas fora dos presídios.
E esse é o ponto de discussão do presente artigo.
Da certeza de que não é permitido o uso de celulares, ou similares, nos estabelecimentos prisionais, questiona-se: 1) Seria crime a participação na conversa por parte do advogado? 2) Estaríamos diante de uma falta ética? 3) Existe diferença entre receber a chamada e fazê-la?
Diz o artigo 319-A do Código Penal:
Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:
Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
No mesmo sentido, o artigo 50 da Lei de Execuções Penais:
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
(…)
VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007)
Portanto, cometem crime, tanto o diretor quanto o funcionário que permitir a entrada do aparelho no sistema prisional, sistema esse que é dotado de scanners de altíssima precisão, muitas vezes melhores do que aqueles que vemos nos aeroportos. Logo, impossível atribuir a responsabilidade aos familiares que, nesse contexto, jamais atuariam sozinhos.
De outro lado, o preso que for encontrado com o celular cometerá falta grave, o que equivale a dizer que, embora não responda por crime, terá o seu período aquisitivo para progressão a um regime mais brando, anulado e começará a contar um novo período partindo da “estaca zero”, como determinam os artigos 112 da LEP – Lei n. 7.210/1984 e 2.º da Lei dos Crimes Hediondos – Lei n. 8.072/90.
Dito desta forma, talvez, o leitor se perguntasse o por que, então, existem tantos celulares no sistema prisional e qual a razão de não se responsabilizar os culpados pela façanha?
A resposta é por demais simples: é público e notório trata-se de um nicho espetacular de corrupção, onde os aparelhos são vendidos a uma média de 12 mil reais e os chips chegam a custar até 4 mil, sendo que a cada 15 dias, em média, são retirados e comercializados novamente. Motivo pelo qual, também não se utilizam bloqueadores de sinal ou se constroem presídios longe das cidades, como determina nossa Lei de Execução, mas isso será objeto de um novo artigo, em breve.
Com relação ao Advogado Criminalista, embora a percepção do que já foi escrito nos permita ter a certeza de que não teremos nenhum crime a ser apurado, nosso Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei n. 8.906/1994 e o Código de Ética e Disciplina, alterado pela Resolução n. 02/2015 do Conselho Federal da OAB, são claros ao prever:
TÍTULO I
DA ÉTICA DO ADVOGADO
CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia;
(…)
III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
(…)
VIII – abster-se de:
- c) – emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;
(…)
X – adotar conduta consentânea com o papel de elemento indispensável à administração da Justiça;
(…)
XII – zelar pelos valores institucionais da OAB e da advocacia.
ESTATUTO DA OAB – Lei n. 8.906/1994
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES DISCIPLINARES
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
(…)
VI – advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;
(…)
XVII – prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
(…)
XXV – manter conduta incompatível com a advocacia;
(…)
XXVII – tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
Portanto, sem qualquer dúvida, embora não seja crime, é antiético, não se fazendo aqui qualquer distinção entre quem faz ou quem recebe a chamada, tanto que para o contato do Advogado com o seu cliente existem os parlatórios.
Neste mesmo sentido, é importante frisar ao leitor que aquelas reportagens que mostram reeducandos utilizando-se de celulares para cometer crimes fora do sistema e sendo monitorados durantes meses, é da mesma forma ilegal, imoral e deveria sujeitar tanto o Diretor quanto os Agentes Penitenciários à responsabilização por crime expressamente previsto no Código Penal (art. 319-A), bem como anular qualquer forma de flagrante, já que é obrigação funcional, assim que tomar conhecimento, retirar o aparelho de circulação e instaurar procedimento disciplinar contra o infrator para apuração de falta grave (art. 50, inciso VII da LEP).
Como se vê, não se trata, como muitos afirmam, da necessidade de edição de novas leis ainda mais severas, mas sim da conscientização de que só chegaremos a um país melhor, na medida em que o estudo das leis vigentes for algo comum e instintivo. Da mesma forma que cobrar de quem nos representa e fiscalizar os serviços, bem como quem os está prestando, seja normal a ponto de trazer a certeza que Democracia só existe onde a cidadania e o patriotismo chegaram primeiro.
*Marcelo Bareato é advogado criminalista, professor universitário, palestrante, doutorando em Direito Público – Estácio da Sá/RJ, presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, Conselheiro Nacional ABRACRIM, presidente em exercício da ABRACRIM/GO, integrante da Comissão Nacional de Segurança Pública da OAB.