Advogado denuncia irregularidades e Justiça determina suspensão de concurso do município de Novo São Joaquim-MT
Após denúncia de irregularidades e ajuizamento de ação popular, de autoria do advogado criminalista Yann Dieggo, associado da ABRACRIM-MT (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no estado do Mato Grosso), o juiz Alexandre Meinberg Ceroy concedeu liminar que suspende concurso público realizado pelo município de Novo São Joaquim-MT, a 500 quilômetros da capital Cuiabá.
O advogado criminalista e associado da ABRACRIM-MT ajuizou ação popular (processo n.1000129-17.2019.8.11.0106), em que questiona a legalidade do certame público para preenchimento de vagas de servidor público no município de Novo São Joaquim-MT. Na ação, o advogado argumenta que o prefeito Antônio Augusto Jordão, juntamente com o contador do município, Wanderlan Gondim Silveira, e outros beneficiados estariam, pela segunda vez, envolvidos em um esquema de venda e apadrinhamento de vagas no concurso público da prefeitura, realizado em 31/03/2019.
O autor da ação popular alega ainda que vários secretários do prefeito passaram em primeiro lugar, bem como pessoas ligadas ao contador (que já responde vários processos por improbidade administrativa, entre eles, por assédio sexual e fraude em concurso público), entre outras irregularidades.
Na petição da ação popular, foram juntadas provas de plágios de questões com outros concursos no país, questões aplicadas no período matutino e repetidas no período vespertino, provas de suspeitas de vendas de vagas, entre outras ilegalidades que comprometem a lisura do concurso público.
Em parecer favorável à concessão da liminar, o promotor de Justiça Márcio Schimiti Chueire pontuou que recomendou à prefeitura (notificação recomendatória n. 04/2019 – PJNSJ) para que anulasse o concurso. A recomendação, no entanto, teria sido ignorada. Os envolvidos promoveram, em seguida ao parecer ministerial, a homologação do concurso e convocação imediata dos investigados. Segundo o promotor, já há instauração de inquérito civil para apuração dos fatos para eventual ajuizamento de ação civil pública.
Em liminar concedida pelo magistrado Alexandre Meinberg Ceroy, fica registrado que, “os indícios apresentados pelo autor, bem como pelo Parquet , demonstram de forma satisfativa a suspeita de irregularidades no concurso em testilha, quais são: a cópia de várias questões de outros certames (fato que se constatou com a simples busca na Internet); coincidência de gabaritos de provas aplicadas em períodos distintos; repetição de questões em avaliações aplicadas em horários diversos; candidato que, apesar da vedação do edital, realizou prova para mais de um cargo e se classificou em ambos; aprovação de várias pessoas ocupantes de cargos políticos ou em comissão na Prefeitura, bem como de vereadores e seus familiares; e candidato classificado como ausente, mesmo tendo assinado a ata de abertura dos envelopes e folha de presença.”, determinando que os envolvidos suspendam “o concurso público nº 001/2019, bem como para que o Município de Novo São Joaquim – MT se abstenha de quaisquer outros atos referentes ao certame, tais como homologação, nomeação, posse e entrada em exercício dos aprovados, até o julgamento final da presente ação, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que deverá perdurar até persistir o descumprimento da decisão”.
Acompanhe a íntegra da decisão:
DECISÃO
Processo: 1000129-17.2019.8.11.0106.
AUTOR(A): YANN DIEGGO SOUZA TIMOTHEO DE ALMEIDA
RÉU: MUNICIPIO DE NOVO SAO JOAQUIM, ANTONIO AUGUSTO JORDAO, WANDERLAN GONDIM SILVEIRA, PESAMOSCA CURSOS E TREINAMENTOS LTDA – ME, RAFAEL FABRI DOS SANTOS, ALCENIR RODRIGUES MENDONCA, CARLOS EDUARDO RODRIGUES ADORNO, CLEBER GONCALVES DE SOUSA, DEIDILAURA FRANCISCA VICENTE SANTANA, EUDINALIA FERNANDA DA SILVA, JESSICA FERNANDA PEREIRA SOTERIO, LEANDRO MEIRELES, STEFANIA MARIA PIRES, JOANES DO NASCIMENTO CARDOSO
Vistos, etc.
Trata-se de AÇÃO POPULAR COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR AD CAUTELAM PRO SOCIETATE INITIO LITIS E INAUDITA ALTERA PARS, em face do MUNICÍPIO DE NOVO SÃO JOAQUIM, o Sr. Prefeito ANTONIO AUGUSTO JORDÃO; WANDERLAN GONDIM SILVEIRA; METODO SOLUÇÕES EDUCACIONAIS LTDA; RAFAEL FABRI DOS SANTOS, ALCENIR RODRIGUES MENDONÇA, CARLOS EDUARDO RODRIGUES ADORNO, CLÉBER GONÇALVES DE SOUSA, DEIDILEURA FRANCISCA VICENTE SANTANA, EUDINALIA FERNANDA DA SILVA, JESSICA FERNANDA DA SILVA, LEANDRO MEIRELES, STEFANIA MARIA PRIES e JOANES DO NASCIMENTO CARDOSO.
Pede, em sede de tutela de urgência, a imediata suspensão do Concurso Público de Novo São Joaquim/MT nº 001/2019 e consequentemente de todos os atos voltados à realização das provas, divulgação de resultados, nomeação e posse dos candidatos (Id. 19431029).
Requer, ainda, sejam oficiados alguns entes desse município para apresentação dos seguintes documentos: a) mídias gravadas do circuito de câmeras do POSTO LOCATELLI, referente ao dia 14/03/19; b) mídias gravadas do circuito interno de câmeras das escolas DINIZ ALVES DE TOLEDO, JOAQUIM RODRIGUES SOUTO e TIO PATINHAS, referente ao dia da prova (31/03/19); c) documentação referente ao processo licitatório que consagrou vencedora a empresa MÉTODO SOLUÇÕES EDUCACIONAIS LTDA por meio da carta convite; e d) folhas de respostas dos nomes citados como favorecidos, bem como do candidato VANÉRIO JOSÉ MAGALHÃES, ata de abertura de envelope e folha de frequência da sala dele e por fim, que disponibilize todos os cadernos de provas, nos termos do art. 7, I, b, da lei n. 4.717/65.
Foi determinada a emenda da inicial (Id.19439585), o que prontamente foi atendido pela parte autora, conforme Id 19500112.
Instado a se manifestar, o Ministério Público se mostrou favorável à concessão da liminar pleiteada, bem como apresentou algumas provas que corroboram com os fatos apresentados na exordial, tais como: várias questões copiadas de outros certames; coincidência de gabaritos de provas aplicadas em períodos distintos e repetição de questões em avaliações aplicadas em horários diversos (Id. 19768479).
Por fim, o autor peticiona pugnando pela apreciação da liminar (Id. 19791423), como também acosta aos autos Decreto Municipal homologando o concurso público em apreço (Id. 19791426).
Vieram conclusos.
É o relato necessário.
Passo à análise do pedido de liminar.
Pela sistemática atual do Código de Processo Civil tem-se que a tutela provisória poderá ser concedida nas modalidades urgência e evidência.
Dispõe o art. 300 do CPC que “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
Conforme o Código de Processo Civil a liminar pode ser concedida com ou sem a oitiva da parte contrária, devendo proceder da segunda maneira quando a citação do réu possa tornar ineficaz a medida ou quando a urgência indicar necessidade de concessão imediata da tutela, o que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do contraditório, que fica deferido para momento posterior do procedimento, sendo esta a que melhor se encaixa nos presentes autos.
No caso, analisando detidamente o painel probatório coligido ao processo, vislumbro a probabilidade do direito num juízo de cognição sumária, que o concurso público discutido nos autos maculou os princípios da igualdade, da acessibilidade a cargo público, da moralidade, da impessoalidade e da razoabilidade.
Os indícios apresentados pelo autor, bem como pelo Parquet, demonstram de forma satisfativa a suspeita de irregularidades no concurso em testilha, quais são: a cópia de várias questões de outros certames (fato que se constatou com a simples busca na Internet); coincidência de gabaritos de provas aplicadas em períodos distintos; repetição de questões em avaliações aplicadas em horários diversos; candidato que, apesar da vedação do edital, realizou prova para mais de um cargo e se classificou em ambos; aprovação de várias pessoas ocupantes de cargos políticos ou em comissão na Prefeitura, bem como de vereadores e seus familiares; e candidato classificado como ausente, mesmo tendo assinado a ata de abertura dos envelopes e folha de presença.
No que diz respeito ao perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo encontra-se aparente, vez que a suposta burla de princípios da Administração Pública afeta o patrimônio público tanto na esfera moral quanto patrimonial, o que evidencia a mácula a interesses difusos e coletivos.
Além disso, tendo o certame sido homologado pelo Município, embora tenha recebido recomendação do Ministério Público para sua anulação (Notificação Recomendatória n. 04/2019 PJNSJ – Id. 19771247), evidencia a possibilidade de nomeação de candidatos aprovados ilegalmente, o que afrontaria os já citados postulados constitucionais e causaria prejuízo ao erário com eventuais remunerações.
Resta também presente o requisito da reversibilidade dos efeitos da decisão, uma vez que caso se demonstre durante a dilação probatória à legalidade do certame efetuado, persistirá a possibilidade de nomeação dos candidatos aprovados no concurso público dentro das vagas ofertadas pelo edital, de acordo com o critério da conveniência e da oportunidade da Administração Pública.
Por oportuno, urge trazer à baila a posição da jurisprudência pátria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES NA REALIZAÇÃO DO CERTAME. COMPROVAÇÃO. AFASTAMENTO CAUTELAR DOS AGENTES PÚBLICOS. MEDIDA EXCEPCIONAL. NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.429/92. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. – O concurso público visa dar concretude aos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência e da isonomia, na contratação de servidores públicos, nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição da República. – Havendo indícios de irregularidade no concurso público realizado pelo Município de Perdões, referente ao Edital nº 001/2015, restam preenchidos os requisitos autorizadores da concessão da tutela de urgência, previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, o que, via de regra, ensejaria a manutenção da decisão que determinou a suspensão dos efeitos do certame em relação aos agravantes. – Não obstante, a despeito da gravidade da conduta que foi apurada pelo Ministério Público, se não há demonstração cabal e concreta de que os agentes públicos estão dificultando a instrução processual, não se revela admissível a imposição da medida drástica de afastamento cautelar prevista no parágrafo único do art. 20 da Lei nº 8.429/92, a qual, sendo norma restritiva de direito, não admite interpretação ampliativa ou extensiva. (TJ-MG – AI: 10499160014704005 MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 03/10/0017, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2017).
Derradeiramente, no que diz respeito às irregularidades atinentes à análise das denúncias existentes nas redes sociais segundo as quais estaria ocorrendo à compra de vagas/gabaritos, vislumbra-se que as denúncias não possuem lastro probatório nos autos, sendo prudente aguardar a instrução processual para apuração desse fato.
Em vista disso, se mostra relevante o deferimento da busca de provas pleiteada pelo autor, fato que irá robustecer o acervo de evidências dos autos e, via consequente, possibilitará a justa apreciação do feito.
Por fim, saliento a inexistência de prejuízo à Administração Pública com o deferimento da antecipação de tutela pretendida, visto que são necessárias medidas cabíveis para fins de suspensão do certame, por já se encontrar em fase de eventual convocação/contratação dos aprovados.
Diante do exposto, e por tudo mais que dos autos consta, DECIDO:
a) RECEBER A PEÇA INICIAL, eis que preenche os requisitos previstos no art. 319 do CPC/2015 e da Lei n.º 4.717/65 e não incide em nenhuma das hipóteses do art. 330 do CPC/2015;
b) DEFERIR a liminar para determinar que a suspensão do concurso público nº 001/2019, bem como para que o Município de Novo São Joaquim – MT se abstenha de quaisquer outros atos referentes ao certame, tais como homologação, nomeação, posse e entrada em exercício dos aprovados, até o julgamento final da presente ação, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que deverá perdurar até persistir o descumprimento da decisão.
c) DEFIRO o pedido para a apresentação dos documentos, portanto determino: a) OFICIE-SE o POSTO LOCATELLI para que envie a este Juízo as mídias gravadas do circuito de câmeras referente ao dia 14/03/19; OFICIE-SE às escolas DINIZ ALVES DE TOLEDO, JOAQUIM RODRIGUES SOUTO e TIO PATINHAS, para que envie as mídias gravadas do circuito interno de câmeras referente ao dia da prova (31/03/19); OFICIE-SE a prefeitura para que envie a este Juízo toda documentação referente ao processo licitatório que consagrou vencedora a empresa MÉTODO SOLUÇÕES EDUCACIONAIS LTDA por meio da carta convite; b) INTIME-SE a empresa MÉTODO SOLUÇÕES EDUCACIONAIS LTDA para fornecer as folhas de respostas dos nomes citados como favorecidos, bem como do candidato VANÉRIO JOSÉ MAGALHÃES, ata de abertura de envelope e folha de frequência de sua sala e, por fim, que disponibilize todos os cadernos de provas, nos termos do art. 7º, I, b, da lei n. 4.717/65.
d) Considerando os direitos envolvidos na presente demanda (art. 334, II, CPC), CITEM-SE os requeridos para, querendo, no prazo legal, contestar a presente ação devendo ser observado o que dispõe o art. 7º, inciso IV da Lei 4.717/65.
e) Intime-se o Ministério Público, nos termos do art. do art. 7º, I, “a” da Lei nº. 4.717/65.
Deixa-se de designar audiência de conciliação/mediação, tendo em vista que o litígio em comento versa sobre direito sobre o qual não se admite autocomposição, inteligência do art. 334, §4º, inciso II do Código de Processo Civil.
As partes só pagarão custas e preparo ao final, nos moldes do art. 10 da Lei 4.717/65.
Intimem-se.
Cumpra-se, expedindo o necessário.
De Barra do Garças/MT para Novo São Joaquim/MT, 3 de maio de 2019.
Alexandre Meinberg Ceroy
Juiz de Direito