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Advogados Criminalistas lançam carta aberta de solidariedade a jornalistas brasileiros

A ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – acaba de emitir uma Nota de Solidariedade ao jornalista Murilo Ramos, da “Revista Época”, e às entidades que se manifestaram em relação à quebra de sigilo telefônico e de dados do jornalista, ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão; ANER – Associação Nacional de Editores de Revistas; e ANJ- Associação Nacional de Jornais.
O jornalista teve os sigilos quebrados por decisão da Juíza Federal Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, a pedido de Delegado da Polícia Federal, apoiado pelo MPF, para que se revelasse a fonte que informou a lista de correntistas em escândalo de possível lavagem de dinheiro junto ao HSBC na Suíça. Para a ABRACRIM, a medida fere o princípio internacional – e constitucional – do sigilo da fonte. Na carta, assinada por uma Comissão especialmente formada para sua redação, composta pelo jurista Lenio Streck e pelos conselheiros federais da OAB Jarbas Vasconcelos e Osvaldo Serrão, além do presidente da Associação, Elias Mattar Assad, a entidade presta solidariedade aos profissionais da comunicação do país e alerta para outros casos de violação de princípios constitucionais, como o ocorrido no último dia 5 de outubro, quando, por seis votos contra cinco, os ministros do Supremo Tribunal Federal tornaram admissível a prisão de condenados em segunda instância, antes do trânsito em julgado – o que, segundo a entidade, fere o princípio da presunção de inocência.
Acompanhe a íntegra da Carta:
Aos profissionais da comunicação do Brasil
Carta Aberta de
solidariedade
“Pau que bate em Chico, bate em Francisco”
Ciente do episódio em que a Juíza Federal Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, a pedido de Delegado da Polícia Federal, apoiado pelo MPF, quebrou o sigilo telefônico e de dados do jornalista Murilo Ramos, da “Revista Época”, para que fosse revelada a fonte que informou a lista de correntistas em escândalo de possível lavagem de dinheiro junto ao HSBC na Suíça, violando, assim, a constitucional garantia do sigilo da fonte previsto no inciso XIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, a ABRACRIM-Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – vem a público manifestar SOLIDARIEDADE à ABERT-Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão; ANER-Associação Nacional de Editores de Revistas; e ANJ- Associação Nacional de Jornais, em nota de repúdio alusiva ao episódio e, ao mesmo tempo, chamar a atenção acerca do “ovo da serpente” que está em gestação no Brasil.
Uma imprensa livre é pressuposto e pilar da Democracia, mas essa mesma imprensa não pode ser convivente com violações constitucionais. A violação de ontem, apoiada pela grande mídia, coloca em risco a própria liberdade de informar de hoje.
Em editoriais e reportagens veiculadas por importantes formadores de opinião, os jornais mostraram concordância com a decisão do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do fim da presunção da inocência, no dia 5 de outubro último, coincidentemente o dia do 28º aniversário de nossa Constituição.
Eis o perigo de apoiar violações ‘ad hoc’ do texto constitucional: um dia o pau bate em Chico e ninguém diz nada, no outro, o pau bate em Francisco e já não há ninguém para protestar. É o que vem ocorrendo com a constante violação das liberdades públicas e das garantias constitucionais, como, por exemplo, a quebra do sigilo telefônico e de dados de um jornalista para violar direito do sigilo da fonte – o que já não é a primeira vez que acontece no Brasil.
Esse é o “ovo da serpente”: hoje relativizam a presunção da inocência, violam o sigilo da fonte, amanhã irão relativizar e criminalizar o livre exercício do jornalismo, das religiões, dos movimentos culturais (como a vaquejada), a prisão ilegal de parlamentares e invocar um estado de exceção judiciário (como ocorreu com o julgamento do TRF 4 ao arquivar ações contra um juiz federal, que, por coincidência, havia quebrado sigilo das comunicações à revelia da legislação que rege a matéria), além de demonizar a advocacia, para a qual a Constituição assegura “indispensabilidade e inviolabilidade”.
O paradoxal é que grande parte dessas violações a Constituição recebem beneplácito da imprensa em seus mais diversos âmbitos. Liberdades, em países civilizados, são protegidas por cláusulas pétreas. Essas cláusulas devem ser protegidas e não mortificadas pelo Judiciário. E a imprensa deve ser o fiscal e o elo para com a população. Para isso, é fundamental que tenha a garantia de um “João Sem Cara”, protegida pelo sigilo da fonte.
O habeas corpus surgiu no século XIII, tendo como protagonista um rei chamado João Sem Terra. Talvez, o episódio da recente quebra do sigilo do jornalista para, como consequência, negar-lhe o sigilo da fonte, seja o marco para institucionalizar o contemporâneo “João Sem Cara”. Ele é indispensável para a imprensa livre. Ou, sem resistência e entregues aos ladrões da liberdade, sem volta, entoaremos o cântico lúgubre das liberdades perdidas.
Os fins nunca justificam os meios. A História é rica em exemplos, justiciamentos e justiceiros facilmente recebem o apoio dos meios de comunicação, que por vezes, só se dão conta quando eles mesmos – e seus membros – são as vítimas. Violações da Constituição não têm mensurabilidade e endereço. Saber identificar é o desafio da democracia.
Marchemos juntos na proteção das liberdades públicas e dos meios para exercê-las, como sigilo das comunicações e de dados, da fonte e, por que não, da presunção da inocência! Está tudo na nossa Constituição.
E, creiam, têm o mesmo valor. Não há hierarquia entre o sigilo da fonte e a presunção da inocência.
Se não nos unirmos em insurgência, é somente o começo do fim de todas as garantias e direitos fundamentais!
Curitiba, 10 de outubro de 2016.
ABRACRIM-Nacional
Elias Mattar Assad
Presidente
Comissão de Redação:
Lenio Streck
Relator
Jarbas Vasconcelos
Conselheiro Federal OAB
Osvaldo Serrão
Conselheiro Federal OAB

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