Advogados deveriam se unir contra espetacularização das prisões
Por Djefferson Amadeus
Recebi com surpresa as comemorações da prisão de Sérgio Cabral e do sofrimento de Anthony Garotinho por parte de muitos juízes, membros do Ministério Público e advogados criminalistas (pasmem, advogados criminalistas!). Quanto a este ponto, aliás, algumas vezes me detenho, perplexo, indagando a mim mesmo de onde advém tanto ódio pelo outro.
Ponho-me a pensar que, talvez, essa gente não os odeie; porém, tão ruim quanto o ódio essa gente sente indiferença pelo outro, algo como: “Prendeu, prendeu, que bom que não fui eu”. E os resultados daí advindos são desalentadores (para não dizer: desastrosos) porque, como bem observou Jacinto Coutinho, “tomado como objeto, o outro pode ser desfrutado, literalmente consumido; e tudo sem causar grande – para não dizer nenhum – estupor.”[1] Pois bem.
Leio que, “Contrariando o parecer médico, ontem à noite o juiz de Campos determinou a transferência de Garotinho para o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Oeste do Rio. O Juiz escreveu na decisão que suspeitava que o político tivesse recebido tratamento privilegiado na unidade pública.”[2]
Quando me deparo com atitudes desta ordem, perpetradas por um agente “garantidor de direitos fundamentais” (entre aspas), é impossível não lembrar Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” [3]
A sinceridade – sei bem – tem um preço que em geral não se quer pagar para estar bem com todo mundo. Decididamente, não é meu caso. Isto porque, “o mais obsceno da vida não é o roubo, a entrega de um país, o mais grave é o ocultamento do terror que sustenta a aparência democrática”[4] e o silêncio daqueles que, sabendo disso, mantêm-se inertes!
Dito isso, prossigo minha exposição, para em seguida mencionar Warat, lembrando que, quando se banaliza a morte, a prisão e o terror “está se tranquilizando o sentimento de culpa” e, consequentemente, jogando para escanteio o elemento ético mais importante de uma sociedade: a vergonha.
Refiro-me a ela como o elemento mais importante de uma sociedade (democrática) porque aprendi com meu mestre Jacinto Coutinho que a vergonha funda a ética, isto é, “ela nos convida a resgatar nossa dignidade com novas ações e a voltar para o mundo de cara lavada.[5]
Dito de outro modo, “ela permite ao vivente voltar a tentar, como se o ato “desviante” fosse só um transtorno”.[6] Eis, então, o motivo pelo qual as pessoas praticam determinados atos e se censuram; porque se sentem envergonhados; “e daí, às vezes, ruborizam-se”.[7]
O problema, não obstante, é que, quando o sujeito é desprovido deste referencial ético, tudo para ele passa a ser relativo, inclusive o direito à vida e liberdade, de tal maneira que a dor e o sofrimento alheio são silenciados pelas formas da “razão” jurídica. Sobre isso, aliás, Warat assim se manifestou: “no mundo jurídico as algumas sanções são formas de banalização do horror que escondem e, ao mesmo tempo, tranqüilizam a alma dos aplicadores da lei quando dispõem sanções, limites (em termos de terror).”[8]
Assim, alheios a fundamentos mínimos de alteridade tem-se “conseguido deixar o ser humano sem a opção de não ser brutalizado”[9]ou envergonhado. Pois o que faltou ao juiz de Campos, com todo respeito, foi justamente isso: vergonha.
E digo isso ancorado na decisão da Ministra Luciana Lóssio, a qual, de forma brilhante, destacou que “‘não é minimamente razoável’ que uma decisão judicial, que poderia trazer graves consequências à saúde do ex-governador, seja tomada por ‘notícias de supostas regalias, em relação às quais não se indicou nada de concreto’”.[10] Tem razão a Douta Ministra.
Aliás, a decisão do juiz Glaucenir Silva de Oliveira, por alguns aspetos, chega a ser inexplicável; por outros, chega a ser aviltante. É aviltante, antes de tudo, porque se sustenta em uma postura moralista incompatível com uma democracia (Streck). Estranhas e sinuosas vias foram trilhadas nessa inconsciente busca de ius onde não havia lex.
Quanto a este ponto, aliás, nunca é demais lembrar de Calligaris, na medida em que uma decisão “moralista” é, segundo este autor, “sempre oriunda de um homem moralmente falido” ,[11] isto é: “se soubesse respeitar o padrão moral que ele se impõe, ele não precisaria punir suas imperfeições nos outros.”[12] Daí porque a pior barbárie é, ainda segundo Calligaris, “um mundo em que todos pagam pelos pecados de hipócritas que não se agüentam.”[13]
Encerro meu singelo texto com uma constatação que fiz a mim mesmo: é impossível fazer direito sem psicanálise! Por isso, nós do Direito precisamos aprender com os psicanalistas já que, como ensinaram Freud, Lacan, Agostinho Ramalho, Christian Dunker, Enriquez, Eugene, Jacinto Coutinho e outros “os psicanalistas tratam da chance para que as pessoas possam se equilibrar.”[14]
Nós, não! Nós, do Direito, matamos e prendemos pessoas porque uma simples caneta, infelizmente, assim nos permite. Daí é fácil entender por que, após ter sido perguntado pelo policial se estava armado, um certo juiz respondeu que sim, entregando-lhe, calmamente… sua caneta.
Fonte: http://www.conjur.com.br/