Ainda não há consenso sobre prescrição de penas a pessoas jurídicas
Por Ana Maria Moreira Marchesan
Um tema ainda pouco explorado pela doutrina, mas já bastante discutido nos tribunais, diz respeito à prescrição das penas aplicadas ou aplicáveis às pessoas jurídicas acusadas da prática de crimes ambientais.
Há decisões que consideram que o prazo prescricional é sempre dois anos, baseando-se exclusivamente no art. 114, I, do Código Penal[1]; outro grupo aplica o art. 114, I, do CP somente para as hipóteses em que a pena aplicada à pessoa jurídica seja multa ou prestação pecuniária, essa última por equiparação[2] e uma terceira corrente advoga que a prescrição reger-se-á pela pena privativa de liberdade cominada ou prevista em abstrato (nesse caso pelo máximo) ou, no caso de ser a multa a única pena aplicada ou aplicável, o prazo seria o previsto no já citado art. 114, inc. I, do CP[3].
Não encontra sustentação legal, jurisprudencial e, sobretudo, foge ao mínimo bom senso que os casos de crimes ambientais mais complexos – justamente os que envolvem a criminalidade empresarial – venham a ser contemplados com menor lapso prescricional.
Esse entendimento afronta os postulados normativos da proporcionalidade e da razoabilidade. Não é proporcional que os crimes de maior impacto no meio ambiente — geralmente praticados por corporações (lembremos sempre o caso da Samarco, em Minas Gerais e Espírito Santo) — sejam beneficiados por um lapso prescricional irrisório. As investigações envolvendo esse tipo de macrocriminalidade são as mais prolongadas, assim como as respectivas instruções criminais.
Ademais, em que pese não haver norma expressa na Lei 9.605/98 a respeito da prescrição da pena aplicável à pessoa jurídica, o artigo 79 dessa mesma lei dispõe que se aplicam “subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”.
Outro argumento importante diz respeito ao fato de serem as penas restritivas dos arts. 21 a 23 da Lei 9.605/98 substitutivas em sentido lato, únicas aplicáveis às pessoas jurídicas e, ao mesmo tempo, com cominação e dosimetria obtidas por substituição às privativas de liberdade previstas nos tipos penais da Lei de Crimes Ambientais.
Portanto, não se faz necessária qualquer arquitetura jurídica sofisticada. Basta que se aplique o próprio microssistema da Lei 9.605/98 em consonância com os dispositivos previstos no Código Penal a respeito da prescrição.
Dessa forma, os limites temporais para aferir a prescrição também em relação à pessoa jurídica são estipulados de acordo com sanção imposta em lei, devendo observar o disposto no art. 109 do CP.
Os irmãos Passos de Freitas, em emblemática obra sobre os crimes ambientais, enfrentam o assunto, concluindo que o art. 109 do CP dispõe que se aplicam às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
Assim, aplicada a pena para a pessoa jurídica, a base do cálculo do prazo prescricional será o da pena cominada. Por exemplo, no caso de prescrição pela pena imposta, seja da ação ou da execução, se condenada uma pessoa jurídica à interdição temporária do estabelecimento por seis meses, o prazo prescricional será de dois anos, nos termos do art. 109, inc. VI, do Código Penal. O cálculo da prescrição em abstrato se regerá pelo máximo da pena corporal[4]
Essa é a interpretação que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Penal. 3. Prescrição. Alegação de aplicação às pessoas jurídicas do lapso previsto no inciso I do art. 114 do CP (prescrição da pena de multa). 4. Incidência das súmulas 282 e 356. 5. Ofensa indireta ao texto constitucional. 5. Súmula 279. 6. Não configurada a ocorrência de prescrição em relação ao crime imputado. 7. Nos crimes ambientais, às pessoas jurídicas aplicam-se as sanções penais isolada, cumulativa ou alternativamente, somente as penas de multa, restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade (art. 21 da Lei 9.605/98). No caso, os parâmetros de aferição de prazos prescricionais são disciplinados pelo Código Penal. Nos termos do art. 109, caput e parágrafo único, do Código Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, aplica-se, às penas restritivas de direito, o mesmo prazo previsto para as privativas de liberdade, regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime. O crime do art. 54, § 1º, da Lei 9.605/98 – o qual estabelece pena de detenção de seis meses a um ano, e multa – prescreve em 4 anos (CP, art. 109, V). Não ocorrência do prazo de 4 anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Prescrição não caracterizada. Não se afasta o lapso prescricional de 2 anos, se a pena cominada à pessoa jurídica for, isoladamente, de multa (inciso I, art. 114, do CP). 8. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 9. Agravo regimental a que se nega provimento[5] – grifos nossos.
No mesmo rumo vem navegando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. PESSOA JURÍDICA. DELITOS PREVISTOS NA LEI N. 9.605⁄98. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DOS ARTS. 43, IV E 109, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos crimes ambientais, aplicada a pena restritiva de direito às pessoas jurídicas, os parâmetros de aferição de prazos prescricionais a serem considerados devem ser os disciplinados pelo Código Penal.
2. Com fulcro no art. 109, do Código Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, aplica-se, às penas restritivas de direito, o mesmo prazo previsto para as privativas de liberdade.
3. Agravo regimental desprovido.Porto Alegre, 19 de abril de 2017[6].
Bastante elucidativa é a lição do desembargador federal Fábio Bitencourt da Rosa, em uma das primeiras decisões nas quais a matéria foi discutida:
Para que se evite a imprescritibilidade dos crimes praticados pela pessoa jurídica contra o meio ambiente é preciso estabelecer um parâmetro. Ora, do mesmo modo que se considerou para efeito de dosagem da pena restritiva, haverá de fazer-se com referência à prescrição, isto é, tomam-se os limites abstratos do tipo, embora a pena privativa de liberdade somente seja aplicável à pessoa física. (…)[7].
Do mesmo tribunal, na escrita do desembargador Hilton Queiroz, consta a decisão:
1. O parâmetro a ser utilizado para verificação das penas impostas à pessoa jurídica deve ser o determinado na sanção aplicada dentro do prazo em abstrato. Não ocorrência da analogia prejudicial, porquanto trata-se de medida para que se evite a imprescritibilidade do delito.
2. Conforme o art. 21 da Lei 9.605/98, “a pena de multa não é a única cominada e aplicável à espécie”. Assim, “mesmo que a pessoa jurídica não esteja sujeita à pena privativa de liberdade (por se tratar de uma ficção), não se pode cindir a exegese do preceito penal secundário do art. 34 da Lei 9.605/98, devendo, pois, a prescrição da pena de multa e das penas restritivas de direitos ocorrer no mesmo prazo da pena privativa de liberdade ali cominada, conforme preceituam o parágrafo único do art. 109 e inciso II do art. 114, ambos do Código Penal” (do opinativo ministerial).
3. Recurso provido, para reconhecer a inexistência de prescrição e determinar o regular processamento da causa[8].
Enfim, por tudo o que antes dito, esperamos que as reflexões acima possam auxiliar na sedimentação de um entendimento mais adequado, justo e proporcional quanto à prescrição das penas aplicadas ou aplicáveis às pessoas jurídicas.
Acesso em 25.ago.2017.
Fonte: www.conjur.com.br