Análise crítica à proposta de Emenda Constitucional n° 15/2011
A proposta de Emenda Constitucional nº 15/2011, apresentada pelo
Senador Ricardo Ferraço e encabeçada pelo então Ministro Antonio Cezar
Peluso (STF), trata de alterações no corpo constitucional, mormente no tocante
aos artigos. 102 e 105 da Carta Magna, de forma a extinguir os Recursos
Especial e Extraordinário e, em substituição a estes, criar as ações rescisórias
especial e extraordinária.
O arcabouço da PEC 15/11, em geral, está alicerçado, em verdade, em
um único motivo: “tentar agilizar a definição de processos”.
Respeitados os argumentos nela esposados, não se mostram eles aptos
ao desiderato, mercê de romperem com toda a estrutura processual vigente,
não olvidando da “falsa” impressão à celeridade, fato motivador de debates e
insurgências da sociedade e da comunidade jurídica como um todo.
Buscar-se-á, destarte, através do presente, desenvolver raciocínio – sem
a intenção de esgotar o assunto – a abranger aspectos processuais, nas
searas cível e criminal, intencionando-se a reflexão abrangente.
A Proposta de Emenda Constitucional 15/11, fomentada pelo Ex-Ministro
Cezar Peluso, também ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, tem como
suposto escopo reduzir a morosidade característica da Justiça Brasileira nos
tempos atuais. Nesta senda, o parágrafo último da justificativa, aduzida na
referida proposta, dispõe:
Por entendermos que a ideia do Ministro Peluso, transformada em
norma jurídica, muito contribuirá para coibir condutas protelatórias
das partes, assegurando uma prestação jurisdicional mais rápida e
efetiva, apresentamos a presente proposta de Emenda à
Constituição, que transforma o recurso extraordinário em ação
rescisória extraordinária e o recurso especial em ação rescisória
especial. Ante o exposto e dada a relevância da matéria, solicitamos
o apoio de nossos Pares para sua aprovação.
Todavia, em que pese a veracidade da argumentação externada pelo
propositor da PEC 15/11, Senador Ricardo Ferraço, a solução encontrada pelo
nobre congressista é, no mínimo, contraproducente, para não dizer inviável no
ordenamento jurídico brasileiro atual, eis que, segundo consta, a proposta
incluiria na Constituição Federal os artigos 105-A e 105-B, abaixo transcritos:
Art. 105-A. A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso
especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.
Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo
aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no
julgamento.
Art. 105-B. Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e
suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou
sem julgamento de mérito, extinga processo de competência
originária:
I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;
II – de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.
As modificações pretendidas no texto constitucional resultariam,
invariavelmente, em desrespeito ao princípio basilar da segurança jurídica.
A propósito, o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, prevê:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada.
Neste sentido, é cristalino o embasamento ideológico do legislador
constituinte originário ao primar pela proteção ao direito adquirido, ao ato
jurídico perfeito e à coisa julgada, institutos garantidores da segurança jurídica.
Com efeito, não se permite à lei violar o direito previamente consumado,
o ato jurídico que em si mesmo já se exauriu e, tampouco, a coisa julgada a
tornar imutável uma decisão judicial. A proteção de tais institutos, pois, confere
segurança jurídica ao titular de um direito impossibilitando a aplicação dos
ditames legais posteriores, eis que estão acobertados pela temporariedade dos
fatos.
Esta é, inclusive, a preocupação de alguns dos outros Ministros do
Supremo Tribunal Federal. O Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello
(STF), a propósito, em Ofício enviado ao então Presidente daquela Suprema
Corte, expressa claramente esta preocupação, ao assentar:
Consigno ver empecilho em mitigar-se a coisa julgada. Algo é não
possuírem o recurso extraordinário e o especial eficácia suspensiva.
Totalmente diverso é dizer-se que a admissibilidade – vocábulo a
gerar incongruência considerado o que proposto – não empece a
coisa julgada. O sistema pátrio define-a como qualidade do
pronunciamento judicial irrecorrível. A par desse aspecto, não pode
haver tramitação de emenda constitucional que vise abolir direito
individual, e os parâmetros tradicionais da coisa julgada
consubstanciam direito individual. Em síntese, a coisa julgada, tal
como se extrai da Constituição Federal, é cláusula pétrea. Mais do
que isso, no campo criminal, mitigar a coisa julgada significa mitigar o
princípio da não culpabilidade.1
Razão assiste ao nobre magistrado em suas ponderações à intenção
lançada na proposta de emenda constitucional 15/11. A Carta Magna, em seu
artigo 60, § 4º, IV, com efeito, preconiza a impossibilidade de deliberação de
emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Assim sendo, a Proposta de Emenda Constitucional 15/11, além de levar a
uma flagrante mitigação da coisa julgada, direito fundamental previsto no art.
5º, XXXVI, da Lex Fundamentalis, seria também precursora de uma
avassaladora insegurança jurídica.
A situação torna-se ainda mais problemática quando visualizada no
âmbito prático.
Tomemos como base inicial a seara do direito civil, mais
especificamente uma ação de cobrança.
Exempli gratia: o credor ajuíza ação ordinária de cobrança em face do
devedor para ter seu direito reconhecido e, por fim, o crédito satisfeito. Após os
trâmites processuais, a ação é julgada procedente. Irresignado, o devedor
maneja recurso de apelação, o qual é recepcionado pelo Tribunal que,
posteriormente, nega-lhe provimento. Nos termos da Proposta de Emenda
Constitucional 15/11, a ação, neste ponto, teria chegado ao seu termo final,
transitando em julgado, somente podendo vir a ser novamente discutida em
sede de Ação Rescisória Especial ou Ação Rescisória Extraordinária,
autônomas e sem qualquer efeito suspensivo à ação originária.
Passar-se-ia, então, prosseguindo-se ao exemplo, à fase de
cumprimento de sentença, executando a dívida reconhecida quando da fase de
conhecimento do processo sincrético. Neste ponto, entretanto, torna-se gritante
a insegurança jurídica que a Proposta de Emenda Constitucional traria ao
mundo jurídico, senão vejamos: O autor executaria seu crédito com demasiado
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1 Ofício nº 006/2011, GBMA. Brasília, 3 abr. 2011.
receio, pois a “coisa julgada” que recobriria o seu direito se tornaria vulnerável
ante a possibilidade de sua mitigação em face do manejo de ação rescisória
que, neste caso, nada mais seria que uma “instância recursal mascarada”. E
mais: em sendo a execução definitiva, promovida em face do devedor, o bem
(leia-se em seu sentido amplo) seria transferido ao patrimônio do credor, o que
dificultaria seu retorno ao sucumbente na hipótese de ser modificada aquela