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Armas de Fogo: Legislação vigente e sua aplicabilidade prática no Brasil.

Versa a Lei nº 10.826/03, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, sobre as diversas questões envolvendo armas de fogo no Brasil. Referida Lei tem por finalidade dispor acerca do registro, posse e comercialização das armas de fogo, bem como instituir e delegar as respectivas funções de fiscalização aos órgãos competentes.

Desde o momento em que o chamado Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, ao fim do ano de 2003, que intensos e calorosos são os debates sociais, políticos e jurídicos acerca de diversos pontos que a circundam, como sua eficácia prática, aplicabilidade, funcionalidade social, legalidade e outros. Além de tópicas que alegam não ter o desarmamento efetivamente contribuído para a redução da criminalidade, um dos pontos bastante debatidos, principalmente à época, foi a questão da entrada em vigor do Artigo 35 do Estatuto, que veda de modo genérico a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, mesmo tendo havido referendo popular em 2005 cuja votação demonstrou opinião populacional expressivamente contrária à esta.

Ocorre, entretanto, que tal vedação não é absoluta, havendo a possibilidade de uma série de indivíduos poderem adquirir armas de fogo para diferentes motivos ou finalidades. Para que isso ocorra, determinado indivíduo não só deve amparar seu pedido em justificativa válida elencada nos dispositivos pertinentes, bem como seguir e adequar-se às normas e regras vigentes na legislação, voltadas para cada caso em questão.

O tema “Arma de Fogo” possui grande destaque nos debates políticos e nas mídias sociais nas últimas décadas. Entretanto, tendo em vista seu tema bastante atual e controverso, infelizmente ainda nos deparamos com discussões sobre o assunto acompanhadas de bastante clamor, desinformação e preconceito social, muitas vezes nos impossibilitando de compreender melhor e mais tecnicamente sobre o assunto, foco do presente artigo.

Para tanto, importante não só conhecer e compreender a Legislação e sua amplitude de aplicabilidade, bem como as principais estruturas e conceitos que integram o tema.

Inicialmente, importante se faz saber quais são os institutos relacionados à mobilidade física dos bens (no caso em específico, da arma de fogo) e como eles estão dispostos no mundo jurídico. Para tanto, temos:

-Propriedade: Propriedade ou domínio é o mais amplo dos direitos reais. Nela estão inseridos os direitos de uso, gozo e disposição do bem, bem como o de reavê-lo no caso de posse injusta.

-Posse: Enquanto a propriedade constitui o poder de direito sob o bem, a posse constitui o poder de fato sob o mesmo. É possuidor aquele que detém o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade.

-Porte: É a translocação física do bem, em posse pessoal ou indireta e de fácil ou rápido acesso do mesmo. Para efeitos de arma de fogo, indifere se a mesma encontra-se municiada ou desmuniciada.

-Transporte: É a translocação física do bem, sem fácil ou rápido acesso ao mesmo. Para efeitos de arma de fogo, esta deve ser transportada em receptáculo trancado e desmuniciada.

-Porte de Trânsito: É instituto exclusivo do Estatuto do Desarmamento. Diz respeito ao transporte municiado, ao rápido acesso do atirador esportivo, dentro de seu veículo, quando este estiver a caminho de competição ou prática de tiro esportivo.

Entendendo tais conceitos e fazendo a correta analogia para o tema em questão, pode-se melhor compreender o funcionamento legislativo fático acerca da aplicabilidade do Estatuto do Desarmamento. Afinal, comprar arma de fogo no Brasil, é proibido? Pode o cidadão comum sair armado, como se vê em países armamentistas a exemplo dos Estados Unidos e Suíça?

Pois bem. Além do artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, que proíbe genericamente a comercialização de armas de fogo no território nacional, alguns foram os artigos implementados tipificando alguns crimes concernentes às armas de fogo, em que pese dois em específico que versam sobre o ilícito porte, posse ou uso destas. São eles:

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

e;

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Para melhor absorvermos a leitura dos artigos supracitados, é necessário atermo-nos a três questões:

-A primeira diz respeito a série de verbos elencados em ambos os artigos. Notamos que, para ambos, as ações previstas como crime englobam muito mais que o ato de apenas portar ou possuir arma de fogo. Demais ações como adquirir, fornecer, transportar, emprestar, e tantas outras mais, também podem compreender o mesmo crime em questão.

-A segunda diz respeito as espécies das armas. Notamos que o legislador diferencia armas de fogo de uso permitido das armas de fogo de uso restrito. Ambas as definições encontram-se previstas respectivamente nos artigos 10 e 11 do Decreto nº 5.123/04, ao que pese:

Art. 10. Arma de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei no 10.826, de 2003.

e;

Art. 11. Arma de fogo de uso restrito é aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo com legislação específica.

-A terceira diz respeito ao que entende-se por “sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, constante do texto de ambos os crimes. Infere-se, neste ponto, as exceções à regra pelo desarmamento, ponto a ser discutido nos próximos parágrafos.

A determinação legal ou regulamentar de que trata o tópico anterior está relacionada a própria Legislação aqui comentada, bem como seus textos complementares, pertinentes àqueles que possuem direito de adquirir armas de fogo para fins e utilidades específicas.

Com algumas exceções, a exemplo do rol elencado no artigo 6º do Estatuto do Desarmamento, três são as classes de indivíduos que podem, em concordância com as determinações legais e administrativas, adquirir arma de fogo própria. São elas:

-Cidadão: Há uma série de requisitos obrigatórios, conforme disposto no artigo 4º do Estatuto do Desarmamento, que permitem ao cidadão comum possuir uma arma de fogo. Dos quais são alguns a declaração de necessidade, comprovação de residência fixa e ocupação lícita, idoneidade, apresentação de certidões negativas criminais, entre outros. A competência para registro e fiscalização nesses casos é da Polícia Federal, através do SINARM. Deste modo, a pessoa física (ou jurídica, a depender do caso e com suas especificidades) que tiver interesse de adquirir uma arma de fogo para defesa pessoal, seja em sua residência ou trabalho (desde que este seja o proprietário do mesmo), deverá encaminhar-se a uma loja autorizada de armas de fogo, escolher a arma a ser comprada, encaminhar a solicitação de compra ao SINARM e seguir o procedimento obrigatório. A liberação da arma pela loja ocorrerá após a completa realização do registro e esta ficará adstrita ao local especifico para qual fora realizado o pedido (residência, domicílio, local de trabalho). Há outros modos de se adquirir arma de fogo, como através de herança ou compra de particular, por exemplo, que seguem as mesmas regras, cada qual com suas especificações.

-Atirador Desportivo: É a pessoa física regularmente inscrita em clube de tiro desportivo e possuidor de CR (certificado de registro). A competência para registro e fiscalização nesses casos é do Comando do Exército. Aquele que tiver interesse em tornar-se atirador desportivo, deve procurar um clube de tiro, realizar sua matrícula e inscrição, e procurar a Região Militar responsável por sua área e iniciar os procedimentos para obtenção de seu CR, para só posteriormente iniciar os trâmites separadamente para cada arma que pretender adquirir. Fazem parte de tais procedimentos, entre outros, o exame de aptidão técnica com arma de fogo, exame psicológico, prática habitual de tiro, apresentação de certidões negativas criminais e instalação adequada para guarda da arma.

-Colecionador: É a pessoa física ou jurídica que tem por finalidade adquirir, reunir e manter sob sua guarda acervo de produtos controlados pelo exército concernentes à arma de fogo e afins, preservando-os e divulgando-os como patrimônios culturais históricos.

-Caçador: É a pessoa física vinculada a entidade de caça ou tiro desportivo, cuja finalidade é a do abate de fauna conforme regulamentação do IBAMA. Nota-se que colecionadores e caçadores também possuem fiscalização de competência do Exército, vez em que grande parte dos procedimentos para registro de CR e obtenção de arma de fogo são semelhantes ou idênticos aos dos atiradores desportivos.

Finalmente, superadas as questões dúbias e as confrontantes dúvidas acerca dos institutos jurisdicionais concernentes às armas de fogo, pôde-se constatar a gama de possibilidades fáticas que o cidadão ainda possui para adquirir legalmente uma arma de fogo no Brasil, excetuando-se as divergências institucionais de cada estado da Federação e não adentrando-se ao mérito das questões sociais e políticas acerca do tema.

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