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Artigo 492 do Código de Processo Penal: Excesso ou Retrocesso?

Artigo 492 do Código de Processo Penal: Excesso ou Retrocesso?

Deve-se falar um pouco a respeito do artigo 492 do Código de Processo Penal, alterado também pela Lei 13.964-2019.

Referido artigo contempla o título do CPP que trata do rito específico alusivo aos crimes de competência do Tribunal do Júri, que vai do artigo 406 ao artigo 497, tratando da sentença a ser prolatada pelo juiz presidente do Tribunal do Júri após a decisão auferida pelos jurados.

O artigo 492 determina o que deve constar na sentença após a decisão condenatória pelos jurados (inciso I); a referida lei 13.964-2019 fez constar o seguinte na alíena “e”:

Artigo 492. (…)

I. (…)

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;

Uma primeira observação a ser realizada: a pena sendo igual ou maior de 15 anos abrirá um precedente que agride as previsões sob o tema, ou seja, dará ensejo à execução provisória da pena, ferindo de morte o Principio da Presunção de Inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Carta da República e artigo 283 do Código de Processo Penal que reza o seguinte: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”

Com essa nova previsão insculpida no artigo 492 do CPP abriu-se a possibilidade de execução provisória da pena no caso em que o mesmo artigo explicita, ou seja, em condenações iguais ou superiores a 15 anos de reclusão, se for o caso, ou seja, sem prejuízo dos recursos que possam ser interpostos.

No parágrafo 3º, incluído pela Lei 13.964/2019, há a previsão de que “O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.

Nesse caso, o juiz, de maneira excepcional, poderia não determinar a execução provisória da pena se ele entendesse haver alguma circunstância que pudesse fazer com que a condenação por ele aplicada pudesse ser prejudicada por questão relevante a ponto de fazer referida decisão condenatória ser revisada pelo tribunal. Eis uma questão totalmente contraditória:

– O juiz, de acordo com a decisão dos jurados, aplicou a dosimetria da pena e condenou o acusado. Pergunta-se: desde quando ele mesmo reconheceria uma circunstância falha que pode levar a uma revisão e modificação da sentença por ele mesmo prolatada. Mesmo que ele (magistrado) tenha esse entendimento, muito pouca a possibilidade dele mesmo reconhecer isso ao, eventualmente analisar o recurso do réu e concluir que possa haver alguma modificação da sentença condenatória.

Ademais, devemos considerar que o Recurso de Apelação, sendo o cabível em face à sentença condenatória (artigo 593, I, CPP) pode, à vista da estratégia de defesa, ter suas razões apresentadas somente em grau de apelação (parágrafo 4º, do artigo 600, CPP), ou seja, diretamente em 2ª Instância, o que impossibilita do magistrado primeiro de analisar as respectivas razões e, assim, poder aplicar a letra do parágrafo 3º do artigo 492 do Código de Processo Penal agora incluído pela Lei 13.964-2019.

Ou seja, a letra do parágrafo 3º é praticamente nula de aplicação prática, pois vai de encontro a diversos entendimentos, numa interpretação sistemática da lei processual penal.

Com relação ao parágrafo 4º, do arrigo 492, igualmente incluído pela Lei 13.964-2019, o mesmo passa a tratar dos efeitos recursais, ou seja: “ § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.”

Referida letra legal nos traz que o recurso de apelação, sendo o instrumento legal para discutir sentença de condenação, ao ser interposto em face à decisão condenatória aplicada igual ou superior a 15 anos, não terá efeito suspensivo. Neste sentido, tem-se que o duplo efeito (devolutivo e suspensivo) não terá mais aplicação imediata em casos de condenações dessa natureza.

Mais uma vez, em vista disto, pisa-se em cima do Princípio da Presunção da Inocência e das regras garantidoras do processo penal.

O parágrafo 5º, igualmente incluído, reflete mais uma inconsistência do legislador, haja vista que traz previsões muito abertas e que deixam ao total alvedrio subjetivo do julgador, criando uma insegurança jurídica sem precedentes.

(…) § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:

I – não tem propósito meramente protelatório; e II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

Isso por que, com relação ao propósito meramente protelatório, indaga-se o que seria o mesmo ou de que forma “objetiva” isso seria definido.

Todo acusado tem direito constitucional ao recurso. Esse conceito de “meramente protelatório” ficará a cargo do relator do recurso, trazendo mais uma vez um retrocesso processual.

No caso do inciso II, haveria um pré-julgamento por parte do tribunal que irá julgar o recurso se, antes da análise do mérito, reconhecesse que há questão que possa levar à absolvição do réu, ou mesmo anulação da sentença ou redução de pena para patamar inferior a 15 anos de reclusão, pois, para aplicar o efeito suspensivo ao recurso (apelação) haverá a necessidade de verificação e reconhecimento de qualquer desses elementos.

Ainda, o parágrafo 6º traz a seguinte previsão: § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.” (NR)

Mais uma inconsistência do legislador ao prever uma juntada de petição em separado dirigida diretamente ao relator e instruída com as cópias mencionadas no respectivo parágrafo 6º. Isso por que, o recurso, ao ser distribuído, via de regra, já possuiría as mencionadas peças, fazendo desnecessária nova juntada das mesmas, fazendo apenas com que houvesse tumulto processual, pois, bem como ainda, com o processo eletrônico as mesmas peças já estariam dispostas para livre acesso, sendo mais uma vez um letra legal sem efetividade.

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