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Autorização judicial na realização de prisões sem pena e buscas domiciliares – Por Jeffrey Chiquini

Por Jeffrey Chiquini – 06/10/2016
Prisões cautelares são todas aquelas que ocorrem anteriormente ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, somente podendo ser decretadas, em virtude do princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), nos casos estritamente necessários. Assim menciona o art. 283 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi conferida pela lei nº 12.403/2011, in verbis:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Dessa forma, de acordo com a redação dada pela nova lei processual acima mencionada, podemos apontar existir três modalidades de prisão cautelar, a saber: a) prisão decorrente de situação de flagrante delito, embora para o doutrinador Aury Lopes Jr. esta modalidade de prisão seja considerada pré-cautelar; b) prisão temporária; e c) prisão preventiva.
Ressalta-se que as prisões decorrentes da decisão de pronúncia e de sentença penal condenatória recorrível não são mais obrigatórias após o advento desta lei e somente  subsistirão se respeitado seu caráter cautelar.
Vamos falar um pouco da prisão em flagrante, que para alguns é pré-cautelar, mas que para a doutrina majoritária é também cautelar, posto que é medida de cerceamento da liberdade de alguém antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Para melhor entendermos essa distinção, dividiremos a prisão em: prisão pena e prisão sem pena. A prisão sem pena é a segregação da liberdade de alguém cautelarmente, isto é, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, independentemente do seu tempo de duração. Já a prisão pena é a decorrente do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, isto é, trata-se do cumprimento/execução da pena privativa de liberdade. Por isso a doutrina majoritária considera a prisão em flagrante como modalidade de prisão cautelar, vez que é espécie de prisão sem pena, prisão que ocorre antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sem, contudo, dizer estar a outra posição incorreta.
Prosseguindo, para a nova lei processual penal o direito à liberdade é a regra, sendo exceção a sua privação. Por isso, nos países democráticos, onde se valoriza a dignidade da pessoa humana, as possibilidades de privação da liberdade estão exaustivamente disciplinadas, assim como ocorre no Brasil, segundo o art. 283 do Código de Processo Penal, que menciona:
Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Assim, podemos perceber que todas as hipóteses de prisão no Brasil estão expressamente previstas na legislação e como regra dependem de autorização judicial para que sejam decretadas, com exceção da prisão em flagrante. Esta última poderá/deverá ser realizada independentemente de autorização judicial quando presentes os requisitos que a legitimam.
Importante frisar, que a prisão em flagrante, mesmo com o advento da nova lei processual penal, alhures mencionada, continua sendo de realização obrigatória para os agentes policiais, como se vê do disposto no art. 301 do Código de Processo Penal ao mencionar que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.
Portanto, existe um dever imposto pelo Estado aos agentes de segurança pública para realizarem a prisão de quem está em flagrante delito. Assim agindo, os policiais terão o feito no estrito cumprimento do dever legal, isto é, amparados por norma mandamental, e, por isso, não poderão ser responsabilizados por qualquer infração penal, desde que, como dito, tenham agido no estrito dever legal.
Então o policial que realizar a prisão em flagrante de alguém não terá agido ilicitamente, pelo contrário, estará amparado por norma excludente da ilicitude (norma penal não incriminadora mandamental). Porém, agirá ilicitamente caso deixe de realizar essa prisão a que está obrigado. Neste caso, responderá criminalmente, e não somente pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP), mas sim e também pelo resultado que deixou de evitar, caso tenha tido essa possibilidade, conforme o prevê o art. 13, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal[1], vez que o policial, detentor do dever de evitar o resultado (garantidor), caso não o faça, responderá pelo resultado que deixar de evitar. Trata-se neste caso do conhecido crime comissivo por omissão (omissão imprópria).
Portanto, é uma obrigação do agente policial realizar a prisão de quem está praticando um crime, tenha ou não havido algum resultado naturalístico.
A prisão em flagrante, a que estamos tratando, está prevista nos artigos 301 a 310 do Capítulo II do Título IX do Código de Processo Penal, que merecem ser lidos.
A palavra flagrante é originária do latim “flagrantis” e diz respeito ao verbo “flagare”. Significa arder, queimar, estar em chamas. Ou seja, quando alguém for surpreendido em flagrante delito, significa ter sido encontrado cometendo uma infração penal, isto é, o delito estava ardendo quando o indivíduo foi flagrado cometendo-o. Este é o caso mais comum, porém o Código de Processo Penal, em seu art. 302, considera outras hipóteses em que se poderá entender pela situação de flagrante delito, que recebem as denominações de: a) flagrante próprio (art. 302, I e II); b) flagrante impróprio (art. 302, III); c) flagrante presumido (art. 302, IV).
Podemos visualizar que as hipóteses de flagrante estão previstas taxativamente no Código de Processo Penal e sabemos, também, que quando o agente policial se deparar com uma dessas hipóteses deverá realizar a prisão, em razão da existência do dever legal.
Mencionemos também, de forma mais que especial, o flagrante realizado nos chamados crimes permanentes, naqueles cuja a consumação se protrai (prolonga) no tempo, a exemplo do que ocorre com a prática dos crimes previstos na lei de drogas (lei nº 11.343/06) e no estatuto do desarmamento (lei nº 10.826/03).
Nestes crimes, enquanto durar a permanência o flagrante subsistirá e a prisão poderá/deverá ser realizada, sendo considerado espécie de flagrante próprio e previsto está no art. 303 do Código de Processo Penal:
Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”.
Esta espécie de prisão (prisão em flagrante) é a única modalidade que independe da autorização judicial para que seja realizada. E assim menciona o art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (…)”.
Ou seja, em todas as demais espécies de prisão exige-se autorização judicial para que sejam decretadas, devendo-se respeitar a cláusula de reserva de jurisdição. Isto é, a prisão preventiva e a temporária, espécies de prisão provisória, dependem de autorização judicial para que sejam efetivadas.
Agora surge uma questão interessante: deparando-se o agente policial com a prática de um crime no interior de uma residência, necessita ele de autorização judicial para que realize a prisão em flagrante do morador?
Sabemos que a prisão em flagrante independe de autorização judicial, mas sabemos que, como regra, a busca domiciliar depende de autorização judicial. Como, então, solucionar essa questão?
A busca domiciliar está prevista no parágrafo 1º, do art. 240 do Código de Processo Penal. Para sua decretação e realização exige-se fundadas razões, isto é, que ao menos exista prévio conhecimento de que no interior da residência há o que se procura, como por exemplo, um criminoso, a vítima de um crime, um objeto criminoso, provas de um crime etc.
Isto significa dizer que a busca domiciliar não poderá ser arbitrária, ou seja, não poderá ocorrer desnecessariamente e, por isso, depende, como regra, de autorização judicial.
Como dito, como regra, a busca domiciliar depende de autorização judicial para que seja realizada. E assim bem menciona o art. 5, inciso XI, da Constituição Federal:
A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Ademais, segundo preleciona Paulo Rangel, para que se possa realizar a busca domiciliar, exige-se, como regra, a necessária expedição de “competente ordem judicial, pois a Constituição Federal, em seu art. 5º, XI, estabeleceu como direito e garantia individual a inviolabilidade do domicílio, só permitindo o ingresso na residência alheia em cinco hipóteses, taxativamente previstas, a saber:
a) com o consentimento do morador (independentemente de autorização judicial e a qualquer hora do dia ou da noite);
b) em caso de flagrante delito (independentemente de autorização judicial e a qualquer hora do dia ou da noite);
c) para prestar socorro (com ou sem o consentimento do morador e a qualquer hora do dia ou da noite);
d) durante o dia (fora das hipóteses acima), somente mediante determinação judicial”.[2]
Perceba, então, pela leitura do texto constitucional que a exigência de autorização judicial para ingressar em residência alheia para realizar busca em seu interior é a regra, ou seja, expressamente a lei maior do Estado democrático de direito exige autorização judicial para que a casa seja violada, tratando esta inviolabilidade do domicílio como direito fundamental do indivíduo. Porém, esta mesma lei autoriza que, excepcionalmente, preenchidos determinados requisitos, por óbvio, a casa possa ser violada independentemente de autorização judicial, como ocorre nos casos em que há flagrante delito, o qual passaremos a tratar.
Registra-se, assim, que o art. 241 do Código de Processo Penal restou tacitamente revogado, pois que, por determinação constitucional, mesmo estando a autoridade policial presente no momento da realização da diligência de busca domiciliar, como regra, exige-se, então, precedente ordem judicial para se realizar a busca domiciliar e, segundo nosso atual sistema processual, a autoridade judiciária não poderá participar da diligência.
Mas, como dito, essa é a regra, pois a própria constituição da república elenca os casos excepcionais em que a busca domiciliar poderá ser realizada independentemente de autorização judicial, como por exemplo, existindo situação de flagrante delito. Porém, para que tal diligência seja realizada sem autorização judicial, a lei processual penal exige haja fundadas razões para que os agentes policiais ingressem na residência.
Fundadas razões significa a existência de algum fato ou situação relevante que faz despertar no policial a necessidade de realizar a busca domiciliar, isto é, após possuir prévio conhecimento de que no interior daquela residência há um estado de flagrante, o policial se vê obrigado a nela ingressar para efetivar a prisão em flagrante, pois que obrigado está pela lei a assim agir, devendo realizar, neste caso, a prisão em flagrante daquele que se encontra nesta situação.
Evidente está, então, que fora dos casos de prisão em flagrante exige-se autorização judicial para que a prisão seja decretada e para que a busca domiciliar seja realizada, isto é, somente haverá a prisão de alguém, fora dos casos de flagrante delito, quando houver autorização judicial, como, por exemplo, nas prisões provisórias (prisão preventiva e temporária). E somente haverá o cumprimento destas prisões provisórias no interior de uma residência (busca e apreensão domiciliar) existindo autorização judicial para tal, e o consequente mandado judicial de busca e apreensão domiciliar somente poderá ser cumprido durante o dia, conforme preceitua a Constituição da República. Ou seja, ainda que haja mandado de prisão, mas não haja mandado de busca domiciliar, este mandado não poderá ser cumprido no interior do domicílio, sendo este o ponto crucial.
Registra-se, inclusive, que este é o desejo da norma processual penal que exige, no seu art. 243, inciso I, que “o mandado de busca deverá indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”.
Entretanto, e agora chegamos onde eu queria, havendo situação de flagrante delito, a prisão de alguém poderá/deverá ser realizada independentemente de autorização judicial e, da mesma forma, a busca e apreensão poderá ser realizada no interior do domicílio daquele que está nesta situação flagrancial, independente de autorização judicial, pois esta é uma autorização legal, como alhures já vimos. Porém, para que este ingresso – sem autorização judicial no interior do domicílio alheio – seja realizado, exige-se sempre a observação do requisito “fundadas razões”.
O Supremo Tribunal Federal em recente julgado (RE 603616) mencionou que a fundada razão como requisito legitimador para o ingresso à residência alheia seria a “justa causa” para tal, ao afirmar que: “será exigida a justa causa, controlável a posteriori para a busca. No que se refere à segurança jurídica para os agentes da Segurança Pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência venha a fracassar”.
Assim, havendo prévio conhecimento por parte dos agentes policiais de que no interior de uma residência há um crime em flagrante (“ardendo”), a busca domiciliar está autorizada pela Constituição da República, independentemente de autorização judicial, e a prisão do morador deverá ser realizada e o será de forma lícita, mesmo que não haja mandado de prisão, posto que para esta modalidade de prisão se exige tal autorização judicial. Mas claro que assim estou afirmando sob a alegação de que o policial possuía fundadas razões para ingressar à residência sem a ordem judicial, isto é, possuía prévio conhecimento de que no interior daquela residência havia um estado de flagrante, o que acabou por legitimar sua atuação.
Este prévio conhecimento pode ser adquirido, segundo o STF, por meio de anteriores investigações e deve ser demonstrado por meios lícitos, como, por exemplo, filmagens, relatórios ou testemunhas, não podendo, porém, ser as testemunhas anônimas, pois que a Constituição Federal, como sabemos, veda o anonimato no seu art. 5º, inciso IV, e este não poderá, então, ser utilizado em prejuízo de alguém, ainda que por meio dele um crime seja encontrado.
Concordando com a decisão da Suprema Corte afirmo que esta está inteiramente de acordo com o preceituado na nossa lei maior, a Constituição Federal, que é clara ao mencionar em seu texto que, em havendo flagrante delito, a casa é violável a qualquer hora do dia e independentemente de autorização judicial. Não há, então, como discordar deste posicionamento, posto que em consonância com o regramento constitucional.
Ademais, assim agindo o agente policial terá o feito no estrito cumprimento do dever legal, pois não podemos esquecer que há mandamento legal imposto aos agentes policiais que efetuem a prisão em flagrante daquele que nesta situação for encontrado, não havendo a eles outra opção, senão a prisão. Assim, como dizer ter o policial, neste caso, agido ilicitamente, se o fez amparado por mandamento legal, ainda que para tal tenha ingressado em domicílio alheio? Desde que o tenha feito dentro dos limites legais, conforme acertadamente afirmou o STF na decisão alhures mencionada, terá o policial agido licitamente e não responderá por invasão de domicílio ou abuso de autoridade, conforme o caso.
Então podemos dizer, pelo que vimos, que ainda que haja mandado de prisão, mas não haja autorização judicial para se ingressar à residência do sujeito passivo deste mandado, este não poderá ser cumprido do interior da residência daquele, por ausência de previsão legal para tal. Entretanto, havendo fundadas razões de que no interior desta residência há um crime em flagrante, esta casa poderá ser violada a qualquer hora do dia e o morador poderá ser preso, mas o será em razão do flagrante, em razão do crime que está praticando e não em razão do mandado de prisão a ele expedido. Ou seja, a prisão se dará pela existência de um crime em flagrante e não pelo cumprimento do mandado de prisão judicialmente expedido ao morador, pois que a casa não poderia ser violada sem que houvesse anterior e expressa autorização judicial para tal, mas poderá ser violada, a qualquer dia e a qualquer hora, para realização da prisão em flagrante do morador que nessa situação se encontre, por existir autorização legal e constitucional para assim agir o agente policial.
Neste sentido, lembremos que nos crimes permanentes o flagrante se prolonga no tempo, isto é, enquanto não cessar a permanência a prisão em flagrante poderá ser realizada (art. 303 do CPP) e nestes casos, por tudo que vimos, a busca domiciliar também poderá/deverá ser realizada e a qualquer dia e a qualquer hora, independentemente de autorização judicial para tal, pois, se assim agir o policial, terá o feito no estrito cumprimento do dever legal e amparado está pela exceção prevista e autorizada pela constituição.
Em resumo, o mandado de prisão por si só não é capaz de autorizar a busca domiciliar, uma vez que o seu cumprimento no interior de domicílio alheio exige autorização judicial precedente que, inclusive, somente poderá ser cumprida durante o dia. Porém, ainda que haja mandado de prisão e não haja mandado de busca domiciliar, existindo um crime permanente (situação de flagrante permanente) no interior de uma residência, agentes policiais nela poderão/deverão, caso haja fundadas razões para tal (justa causa), ingressar e, a qualquer hora do dia, realizarão a prisão em flagrante do morador, por existir expressa autorização constitucional para tal (art. 5º, XI, da CF) e expressa ordem legal para assim o fazer (art. 301 do CPP).
Concluindo, sendo a casa violável a qualquer hora do dia, independentemente de autorização judicial, em havendo situação de flagrante delito, e sendo a prisão em flagrante, daquele que está em flagrante, uma ordem legal imposta aos agentes policiais, havendo fundadas razões de que no interior de uma residência há um estado de flagrante, por exemplo um crime permanente, a busca domiciliar, independentemente de autorização judicial, e a prisão em flagrante do morador é uma obrigação legal. Neste caso, assim agindo, o agente policial terá o feito no estrito cumprimento do dever legal e não há que se falar em crime de abuso de autoridade pela invasão de domicílio, pois que a casa, nestas circunstâncias, é violável.


Notas e Referências:
[1] Art.13. Incumbirá ainda à autoridade policial: I – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos.
[2] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, p. 147.
Jeffrey Chiquini é Advogado criminalista, professor de direito penal nas Faculdades Opet, professor de processo penal na Escola da Magistratura Federal (ESMAFE) e professor de direito penal e processo penal em cursos preparatórios para concursos públicos.
Fonte: http://emporiododireito.com.br/

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