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Brasil é condenado em corte da OEA por chacinas na favela Nova Brasília, no Rio

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão judicial da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por não garantir a justiça no caso Nova Brasília. Essa é a primeira sentença em que o Brasil é condenado pela corte da OEA por violência policial.
Com a decisão, o governo brasileiro terá prazo até o dia 11 de maio de 2018 para reabrir as investigações sobre duas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, durante operações policiais.
Além disso, terá que pagar indenização a cerca de 80 pessoas. Nas duas chacinas juntas, 26 jovens foram assassinados. Também há denúncia de tortura e estupros.
O processo sobre o caso Cosme Rosa Genoveva e Outros versus Brasil, conhecido como caso Nova Brasília, chegou à Corte IDH em maio de 2015, depois de 15 anos tramitando na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também órgão da OEA. A ação teve como peticionários o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Instituto de Estudos da Religião (Iser), representantes das vítimas.
Os inquéritos relacionados às duas chacinas foram enviados ao Ministério Público do Rio de Janeiro e arquivados. Atendendo à recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o MP-RJ desarquivou em 2012 o inquérito da chacina de 1995 e, no ano seguinte, o do caso anterior.
Em maio de 2013, o MP-RJ denunciou seis policiais — quatro civis e dois militares — pelas 13 mortes de 1994. Em 2015, o MP arquivou o inquérito sobre a chacina de 1995, por entender que as mortes foram decorrentes de tiroteio.
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos informou que “o Estado brasileiro reconhece a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, por meio de coordenação entre o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério dos Direitos Humanos e a Advocacia-Geral da União, informará à CIDH do cumprimento da sentença, dentro do prazo previsto”. Procurado, o governo do Rio de Janeiro respondeu que não tem posicionamento sobre a decisão do tribunal americano.
Sem imparcialidade
A sentença da OEA destaca que não houve imparcialidade nas investigações. Diz também que, “antes de investigar e corroborar a conduta policial, em muitas das investigações, realiza-se uma investigação a respeito do perfil da vítima falecida e encerra-se a investigação por considerar que era um possível criminoso”.
A Corte Interamericana ordenou o Estado brasileiro a conduzir de forma eficaz a investigação sobre os fatos ocorridos na chacina de 1994, visando identificar e punir os responsáveis, o mesmo sucedendo em relação à incursão policial naquela favela, em 1995. Nos dois procedimentos, ressaltou que os familiares das vítimas devem ter assegurado “o pleno acesso e a capacidade de agir” em todas as etapas da investigação.
Cabe também ao Estado brasileiro avaliar se os fatos ligados às duas chacinas devem ser deslocados para a competência da Justiça Federal, por intermédio do procurador-geral da República.
As autoridades nacionais devem ainda incluir perspectiva de gênero nas investigações e nos processos penais relativos às acusações de violência sexual, com a condução de linhas de investigação específicas por funcionários capacitados em casos similares. Todas as pessoas envolvidas, incluindo encarregados da investigação e do processo penal, testemunhas, peritos e familiares das vítimas, têm de ter a segurança garantida.
Outras medidas
Entre as políticas públicas ordenadas para garantir o aumento da eficiência das investigações e responsabilização de agentes do Estado pelas violações de direitos humanos, a decisão da corte é para que, em casos em que policiais apareçam como possíveis acusados, a investigação seja delegada a um órgão independente e fora da força policial envolvida no incidente.
As expressões “oposição” e “resistência” devem ser retiradas dos registros de homicídios resultantes de intervenção policial, segundo o tribunal. Os autos de resistência devem ser eliminados como forma de registro e procedimento. Além disso, a corte ordenou que o governo brasileiro adote medidas que permitam que vítimas de delitos ou seus familiares participem de maneira efetiva e formal da investigação criminal efetuada pela polícia ou pelo Ministério Público.
Outra determinação é no sentido de o governo estabelecer metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial, em especial no estado do Rio de Janeiro, além de publicar um relatório anual com dados referentes às mortes resultantes de operações policiais em todas as unidades federativas.
O Brasil terá, ainda, de promover um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelas mortes e pelo abuso sexual para as famílias e as vítimas, uma vez que já reconheceu os fatos perante a corte. Deverá também pagar indenização compensatória no prazo de 12 meses para cerca de 80 pessoas. O valor total da reparação é estimado em US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 7,7 milhões).

Impactos da sentença
O pesquisador do Iser Pedro Strozenberg disse que a sentença tem três objetivos. O primeiro é a reparação das vítimas das chacinas; o segundo, a responsabilização das autoridades que deveriam ter assumido a condição de responder por violações ocorridas; e o terceiro objetivo, que não se repitam atos desse tipo.
“Ela impõe ao Estado cumprir as decisões. Não é uma recomendação, é uma decisão. Ela impõe ao Estado ações nesses três campos: ela repara as vítimas, ela reconhece que foram mortos pelo Estado e responsabiliza o Estado pela omissão de justiça, por não fazer justiça”, acentuou Strozenberg.
Para a diretora do programa do Cejil no Brasil, Beatriz Affonso, ficou claro para o tribunal da OEA que existe no Brasil uma violência cometida por agentes de segurança pública contra negros pobres que vivem na periferia das grandes cidades. “A corte entendeu que o problema de violência no Brasil é estrutural de direitos humanos e que as violações têm um foco direcionado aos jovens negros das comunidades pobres.”
Para o pesquisador do Iser, a sentença tem o aspecto de aprimoramento dos meios de investigação, de apuração. Além de responsabilizar o Estado, tem o sentido de reconhecer os direitos das vítimas das duas chacinas. Como se trata de uma decisão internacional, o governo federal é acionado e deve articular com os demais entes federativos o cumprimento da sentença.
Strozenberg ressaltou que o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA vai exigir mudanças legislativas e administrativas, promoção de cursos e atos simbólicos, como a instalação de placas na comunidade, entre outros.
Beatriz Affonso esclareceu que o prazo de um ano é para que o governo brasileiro comece a cumprir as ordens recebidas. Até porque algumas determinações, como a de criar uma lei para que as vítimas possam acompanhar as investigações, exigem mais tempo.
“Daqui a um ano, a corte vai querer saber se o Estado brasileiro pagou as indenizações às famílias e se estão em andamento as investigações que ela ordenou que ele fizesse: reabrisse a investigação da segunda chacina, o abuso sexual da primeira chacina e desse andamento com lisura e devida diligência ao processo da primeira chacina”, disse a diretora do Cejil.
Ela também apontou que a expectativa é que o Brasil possa cumprir rapidamente as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Beatriz espera que a atual secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, Flávia Piovesan, possa atuar com celeridade e de forma diligente para ter início o cumprimento da sentença.
Para o advogado João Tancredo, que atuou como perito nos casos, a sentença comprova que o país foi negligente diante de várias violações aos direitos dos cidadãos. De acordo com ele, a partir de agora, as famílias poderão entrar com ação indenizatória contra o estado do Rio, o que considera mais do que justo. “Isso precisa acabar. O Estado não pode tratar as pessoas como se fossem animais, já que elas têm direitos e dignidade, independentemente de origem e classe social.”
O advogado também destacou que as vítimas não foram respeitadas nas investigações. “A inércia do Estado deixou às vítimas vulneráveis e fadadas à própria sorte”, afirmou, ressaltando que a determinação da corte atesta que essas mortes não podem mais ocorrer e que o Brasil precisa cumprir as condenações.

 /><figcaption>Segundo relatos, além das mortes, houve torturas e estupros.<br />
<sup>Reprodução/Centro Pela Justiça e o Direito Internacional</sup></figcaption></figure>
<p><strong>História das chacinas</strong><br />
No dia 18 de outubro de 1994, as polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro fizeram uma incursão na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, com auxílio de helicóptero. Na ação, 13 jovens, a maioria negros, foram executados.<br />
De acordo com as denúncias formuladas, três mulheres, duas delas adolescentes, teriam sido torturadas e violentadas sexualmente. Em 14 de novembro de 1994, uma comissão especial de sindicância instaurada para fornecer dados adicionais ao inquérito policial apurou indícios de execuções sumárias dos jovens e recolheu provas da violência sexual e tortura das adolescentes.<br />
Na mesma comunidade, outra operação foi executada em 8 de maio de 1995, como resultado de uma suposta denúncia anônima, segundo informação do Cejil e do Iser. Mais 13 jovens foram mortos na ação, que contou com auxílio de dois helicópteros.<br />
“Apesar de a polícia ter alegado a existência de intenso confronto, vizinhos testemunharam para a imprensa que os jovens saíram da casa em posição de rendição e foram alvejados pelo helicóptero com tiros nas cabeças e tórax”, diz comunicado divulgado à imprensa pelas duas organizações não governamentais.<br />
Cerca de 120 policiais participaram das duas operações. As ONGs denunciam que não foram respeitados pelas autoridades os protocolos de devida diligência e que provas foram destruídas, sem que perícias importantes fossem efetuadas para identificar autores e a situação em que ocorreram as mortes. “Um exemplo é o fato de os corpos terem sido removidos do local e os exames de balística e residuográficos nos agentes policiais nunca terem sido colhidos”, acrescenta o relatório.<br />
Os homicídios foram registrados como confrontos e autos de resistência, o que isentou os policiais da responsabilidade pelas mortes. “Foi construída uma narrativa que os isentava de responsabilidade pelas mortes e sequer houve investigações para comprovar se ocorrera ou não uso excessivo de força letal ou execuções sumárias. As vítimas foram registradas como suspeitos de crime de resistência e os inquéritos se concentravam em tentar demonstrar seus envolvimentos com o tráfico de drogas”, informaram as ONGs.<br />
No comunicado, as duas ONGs sublinharam, porém, que na primeira chacina, em 1994, o relatório da Comissão Especial de Sindicância instaurada pelo então governador fluminense, Nilo Batista, indicou terem sido encontradas provas de que houve execuções sumárias entre as mortes. <em>Com informações da Agência Brasil</em>.<br />
Fonte: www.conjur.com.br
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