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Breve manifestação da comissão da advocacia criminal da 24.ª subseção da OAB/SP sobre a superlotação prisional na região metropolitana de Sorocaba/SP

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtidos por meio do Processo n.° 2014.02.00.000639-2 (disponível em http://www.cnj.jus.br), o Brasil possui a quarta população carcerária mundial, contando 563.526 presos em estabelecimento penais, entre provisórios e condenados em definitivo, atrás apenas de EUA (2.228.424), China (1.701.344) e Rússia (676.400).
Contudo, se computadas as pessoas que cumprem a chamada prisão domiciliar, o Brasil ultrapassa a Rússia no ranking dos países com a maior população carcerária no Mundo, saltando para a terceira posição, com 711.463 presos.
O panorama prisional brasileiro – segundo a supramencionada apuração do CNJ, atualizada até junho de 2014 – indicaria um déficit de 206.307 vagas. Se consideradas as pessoas em prisão domiciliar (147.937), o déficit de vagas salta para o total de 354.244. E ainda, se computado o número de mandados de prisão em aberto (373.991), caso cumpridos, o total de pessoas presas seria de 1.085.454, com déficit de 728.235 vagas.
No Estado de São Paulo, segundo o CNJ, a população carcerária (masculina/feminina) é de 204.946 presos, apesar das 114.498 vagas. Os presos provisórios representam 35% desse total, com déficit de 90.448 vagas. Em prisão domiciliar, São Paulo tem 92.150 presos. Assim, o total de presos (sistema + domiciliares) é de 297.096 e o déficit – considerados os presos domiciliares – seria de 182.598 vagas.
A reportagem da jornalista Priscila Fernandes, para o Jornal Cruzeiro do Sul, publicada hoje (4/1/2017), demonstra que a situação das prisões instaladas na Região Metropolitana de Sorocaba não é exceção ao alarmante e caótico quadro nacional de superlotação prisional.
Segundo o levantamento feito pela referida jornalista, a partir de dados fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo e atualizados até o dia 2 e janeiro de 2017, a novel Região Metropolitana possui uma população carcerária que atingiu o número de 18.036 presos, apesar das 9.936 vagas em unidades prisionais, revelando um excedente de 8.100 presos. Por meio dos dados relativos a cada uma das unidades pesquisadas, concluiu o que constou do próprio título de sua reportagem: “Prisões da região têm 81% mais presos que vagas”.
O preso, ainda que provisório, parece perder a condição de cidadão, de ser humano. É atirado ao cárcere infecto e esquecido. Somente será lembrado quando verificado algum episódio dramático, como o da recente e violenta rebelião em estabelecimento prisional de Manaus. Nessas ocasiões, as discussões, lamentavelmente, resumem-se ao mais do mesmo, isto é, ao combate dos efeitos e não das causas. Em especial, mostram-se restritas ao debate sobre a necessidade da criação de novas vagas e de construção de unidades prisionais. Fórmulas milagrosas, dentre elas, as propostas de privatizações dos estabelecimentos prisionais, dominam os ânimos dos mais afoitos.
Porém, o caos no sistema carcerário nacional não se resume ao déficit de vagas, bem como não seria resolvido por meio da privatização, esta como cópia do falido sistema carcerário norte-americano, vinculado ao lucro por meio da exploração da mão de obra prisional e barata.
Há necessidade de se discutir, sem preconceitos, pontos estratégicos. Por exemplo, a efetivação de políticas públicas voltadas à saúde, à educação e ao trabalho dentro do sistema penitenciário. Para tanto, imprescindível os esforços integrados dos Poderes constitucionalmente estabelecidos, envolvendo as esferas federal, estadual e municipal.
Tais políticas públicas, algumas elaboradas há mais de uma década, como no caso daquelas voltadas à efetivação do direito constitucional à saúde das pessoas privadas de liberdade, precisam ser, finalmente, implantadas!
O Brasil é signatário de praticamente todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, mas, na prática, não os aplica! Só o faz nos discursos, como se fosse o “bom pregador“ que é, ao mesmo tempo, “mau servidor”!
As pessoas, quando ingressam do outro lado dos muros dos presídios sofrem uma nefasta metamorfose! O cidadão torna-se semicidadão.
A realização das Audiências de Custódias – as quais acontecerão em Sorocaba, oficialmente, no dia 6/2/2017 – representa providência relevante para se coibir prisões desnecessárias. Entretanto, apesar do significativo número de concessões de liberdades provisórias e de relaxamentos de flagrantes verificados nessas imediatas audiências, nas Comarcas onde implantadas, o problema da superlotação carcerária permanece no Brasil, onde prisões ditas cautelares são utilizadas, geralmente, como forma de execução antecipada de futura e eventual pena. Isso aponta que é necessária, também, a alteração da cultura da punição antecipada que ainda impera no âmbito do Poder Judiciário.
A garantia à dignidade da pessoa humana, considerada essa enorme parcela segregada dos cidadãos, mediante o enfrentamento do preconceito e das distorções conceituais que a relativizam, principalmente a partir de ilusórias definições vinculadas à Segurança Pública, é um debate de extrema relevância para o Direito e para a Sociedade (“ubi societas, ibi jus”), em caráter multi e interdisciplinar.
A festa punitivista, mencionada na obra de Michel Foucault, jamais acabou no Brasil! (v. FOUCAULT, Michel. “Vigiar e punir: nascimento da prisão”. 4.ª ed. Petrópolis:Vozes, 1986).
A Comissão da Advocacia Criminal da 24.ª Subseção da OAB/SP expressa sua preocupação diante da situação carcerária da Região Metropolitana de Sorocaba, alertando para o necessário e urgente debate entre as autoridades, entidades, instituições e população, a fim de que políticas públicas que combatam as causas do problema apontado sejam efetivadas, ratificando a disposição para discutir o tema, somando esforços, conforme suas atribuições, ao Poder Público, colaborando para reverter essa triste realidade.
Sorocaba/SP, 4 de janeiro de 2017.
Dr. Érick Vanderlei Micheletti Felicio
Presidente da Comissão da Advocacia Criminal da 24.ª Subseção da OAB/SP.
Sócio da ABRACRIM-SP

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