Carta Aberta da ABRACRIM para Raquel Dodge, Procuradora Geral da República.
CARTA ABERTA
À
Excelentíssima Senhora
Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge
Digníssima Procuradora-Geral da República
Senhora Procuradora-Geral.
Esta poderia ser uma carta apenas lhe desejando uma feliz gestão. Mas fomos tomados de desagradável surpresa com matéria veiculada na imprensa, trazendo, como sua “proposta”, a de “gravar conversas entre presos e advogados”, conforme relato de Raul Jungmann, temporário ocupante do Ministério da Justiça.
É verdade que tal afirmação não partiu diretamente de Vossa Excelência, mas o fato é grave e merece uma consideração especial de todos os advogados criminalistas brasileiros. Como se sabe, constitui direito fundamental dos acusados, expressamente assegurado na Constituição da República, em seu art. 5º, LXIII, a assistência de advogado. Convém destacar que, na atual estrutura constitucional, o advogado não é, simplesmente, um coadjuvante, mas, sim, juntamente com os magistrados e os membros do Ministério Público, também um provedor de justiça. Esse é o sentido que se depreende de forma clara do art. 133 da Constituição: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Por seu turno, a Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia, enuncia que, entre outros, são direitos do advogado: “Exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional” (art. 7º, I) e “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis” (Art. 7º, III).
Vossa Excelência possui uma elevada formação jurídica, tanto nacional, quanto internacional, com Mestrado em Direito na prestigiosa Universidade de Harvard. Por isso mesmo, conhece perfeitamente as normas que integram o direito brasileiro. Coibir, contra legem, a comunicação reservada entre advogado e cliente preso, equivale a impedir que os médicos possam ter contacto direto com seus pacientes, acometidos de graves infecções, para o efeito de evitar contágios e epidemias. Tanto os médicos, quanto os advogados, bem como os próprios magistrados e membros do Ministério Público, todos eles dominam, suficientemente, as técnicas empíricas e os quadrantes normativos para evitar os imaginários contágios. Sem a observância dos direitos dos advogados e com sua substituição por ordens e resoluções autoritárias, estar-se-á colocando em grave risco nossa ordem jurídica democrática.
Preocupados com o eventual uso indevido de seu nome em afirmação de iniciativa gritantemente ilegal e interferente sobre o livre exercício da profissão de advogado, é que nos dirigimos a Vossa Excelência para que restaure a verdade dos fatos. Temos certeza de que o Ministério Público Brasileiro, de tão caras e honradas tradições, estará também de nosso lado, na defesa do Estado Democrático de Direito.
Plenária do “II Congresso Estadual da Advocacia Criminal de Roraima”, da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
Boa Vista, 22 de setembro de 2017.
Elias Mattar Assad Ednaldo Gomes Vidal
Presidente Nacional Presidente ABRACRIM-RR