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CASO WITZEL – Afastamento cautelar de governador por decisão monocrática é controverso

O afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo do Rio de Janeiro por decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, é antidemocrático e inconstitucional. É o que afirmam constitucionalistas ouvidos pela ConJur.

Witzel foi afastado do cargo na manhã desta sexta-feira (28/8). Benedito Gonçalves afirmou que a medida — tomada antes de ouvir o político — é necessária para impedir que ele use a máquina estatal para seguir praticando crimes e dilapidando os cofres públicos. No entanto, o ministro negou pedido de prisão preventiva do governador feito pelo Ministério Público Federal.

O professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano opina que o afastamento de Witzel por decisão monocrática é abusivo. “A meu ver, há uma evidente agressão à soberania popular própria da democracia constitucional garantida na nossa Constituição”.

Daniel Sarmento, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tem visão semelhante. “Não me parece compatível com o princípio democrático o afastamento de autoridade eleita por simples decisão monocrática”.

O jurista Lenio Streck destaca que governador não pode ser afastado cautelarmente, muito menos por decisão monocrática, antes do recebimento da denúncia.

A Constituição do Rio de Janeiro, no artigo 147, parágrafo 1º, I e II, estabelece que o governador ficará suspenso de suas funções se o STJ receber denúncia ou queixa-crime (em caso de crimes comuns) ou se a Assembleia Legislativa do Rio instaurar processo de impeachment (em caso de crimes de responsabilidade). Esta última medida pode ocorrer em breve, já que uma comissão da Alerj votará pedido de abertura do procedimento.

Contudo, Sarmento entende ser possível o afastamento cautelar do cargo, antes do recebimento da denúncia. “Não me parece que a Constituição do estado possa afastar medidas cautelares penais, até por questão de competência (compete à União legislar sobre processo penal)”.

Pedido de prisão

Benedito Gonçalves negou pedido de prisão preventiva de Wilson Witzel, avaliando que seu afastamento do cargo era suficiente para impedir novos crimes.

A possibilidade de deter provisoriamente autoridades ainda é tema controverso, que sofreu diversas alterações desde a promulgação da Constituição Federal. Ela estabelece que o presidente da República só pode ser preso após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ele também apenas vira réu em ação penal por crime comum no Supremo Tribunal Federal caso dois terços da Câmara dos Deputados aceitem a denúncia. Nesse cenário, o presidente é afastado do cargo até a decisão do STF. Se isso não ocorrer em até 180 dias, ele reassume o posto.

Diversas constituições estaduais repetem essas regras para seus governadores. Entre elas, a do Rio de Janeiro. O artigo 147, II, parágrafo 3º, da Constituição fluminense afirma que, “enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações penais comuns, o governador do estado não estará sujeito à prisão”. O caput do mesmo dispositivo diz que, se o Legislativo aceitar a denúncia, a ação penal por crimes comuns será julgada pelo STJ.

Mas a jurisprudência vem mudando a Constituição do Rio. Em 1995, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 147, inciso II, parágrafo 3º, do texto. Na ação direta de inconstitucionalidade 1.022, os ministros definiram que as constituições estaduais não podem dar aos governadores a mesma imunidade que os presidentes da República têm. Só a Constituição Federal poderia fazê-lo, ficou decidido.

Ao comentar a prisão preventiva do então governador do Rio Luiz Fernando Pezão, no fim de 2018, Lenio Streck, constitucionalista e colunista da ConJur, afirmou que a medida era legal. “Qualquer norma de constituição estadual que imuniza governador de prisão é inconstitucional. Só a Constituição Federal poderia dispor disso”, explica.

Mas o criminalista Fernando Augusto Fernandes discordou da interpretação do Supremo na ADI 1.022. “A constituição do estado é aplicável todas as vezes que ela tiver simetria com a Constituição Federal. Então, tendo em vista que a Constituição Federal impede que o presidente da República sofra qualquer processo enquanto no cargo, e, portanto, também não pode ser preso, e a Constituição do Rio trazia essas garantias simétricas ao governador, entendo que essa regra é constitucional”.

Caso Arruda

Uma decisão emblemática nesse sentido foi a prisão preventiva do então governador do Distrito Federal José Roberto Arruda (DEM), em 2010. Acusado pela PGR de tentar subornar o jornalista Edson Sombra, testemunha do esquema de corrupção que atingiu o governo do DF, empresários e deputados distritais, Arruda teve sua detenção decretada pelo STJ.

Na época decano do STJ, o ministro Nilson Naves questionou a possibilidade de o tribunal determinar prisão de governador sem ouvir o Legislativo local. Naves argumentou que, não sendo o STJ competente para iniciar a ação penal contra o governador, não pode, portanto, determinar prisão preventiva, pois o inquérito presidido na corte já havia sido concluído.

Contudo, prevaleceu o entendimento da ministra Eliana Calmon. Ela baseou seu ponto em um precedente do STF, o Habeas Corpus 89.417. Relatado pela ministra Cármen Lúcia; o julgamento relativizou a necessidade de se ouvir o Legislativo local para decretar prisão de governador. A detenção de Arruda foi mantida pelo Supremo.

Autorização da assembleia

O Plenário do Supremo, em 2017, alterou seu entendimento anterior e decidiu que não é preciso haver aval do Legislativo estadual para processar governador. Ao julgar as ADIs 4.798, 4.764 e 4.797, a Corte fixou a seguinte tese: “É vedado às unidades federativas instituírem normas que condicionem a instauração de ação penal contra governador, por crime comum, à prévia autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicação de medidas cautelares penais, inclusive afastamento do cargo”.

Quanto ao Rio de Janeiro, o STF, na ADI 4.772, declarou inconstitucional o trecho do artigo 147 da Constituição fluminense que exigia autorização de dois terços da Assembleia Legislativa para que o governador fosse julgado pelo STJ.

Segundo Ana Paula de Barcellos, professora de Direito Constitucional da Uerj, o tema da prisão provisória de autoridades está “em ampla reorganização”.

“A Constituição Federal proíbe a prisão de deputados federais e senadores, salvo em flagrante de crime inafiançável (artigo 53, parágrafo 2º). O STF, porém, entendeu que isso não impede a aplicação pelo Judiciário de medidas cautelares, o que aparentemente inclui prisão preventiva (ADI 5.526). Apenas exigiu que essas medidas cautelares, caso atrapalharem o exercício do mandato, também sejam comunicadas à Casa Legislativa para que ela delibere sobre elas, como o dispositivo constitucional prevê”, explicou a professora na época da prisão de Pezão.

Sérgio Rodas – Conjur

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