COMO ESTÃO NOSSAS CRIANÇAS NA PANDEMIA?
Como estão nossas crianças na pandemia?
* Ariádni Cristina Mecenas de Freitas.
**Vânia Barbosa Adorno Bitencourt
RESUMO:
Este artigo trata dos desafios enfrentados pelo poder público em relação ao acolhimento institucional de crianças e adolescentes no contexto da Pandemia Covid-19 e da necessidade de um olhar sensível da sociedade para a problemática, afim de minorar o período de institucionalização e evitar novas situações de maus tratos e abandono por parte dos responsáveis legais.
PALAVRAS CHAVE: criança e adolescente – acolhimento institucional – Pandemia – desafios
Não, não estamos falando dos nossos filhos. Referimo-nos às nossas crianças e adolescentes que estão em casas de acolhimento, que foram vítimas de abandono, maus tratos, que estavam em situação de rua ou expostas a toda sorte de violência.
Se antes da pandemia Covid-19 era um desafio para as redes de proteção promover as ações protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente o cumprimento dos prazos para desacolhimento institucional em razão da própria complexidade inerente ao processo que permeia o abandono, desamparo ou situação de violência dos pais ou responsáveis legais em face da criança ou adolescente, imagina agora, neste momento em que todos já estão fartos de tanta injustiça, de tanta deturpação do ordenamento jurídico garantista, validada pela situação de excepcionalidade em que vivemos (estado de calamidade pública).
Ora, a Convenção Internacional sobre os direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral da ONU e ratificada pelo Brasil, erigida ao status de norma constitucional (arts. 7. 1, 9, 20)[1], a nossa Constituição Federal (art. 227[2] e seguintes) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 19[3] e seguintes) preveem como prioridade absoluta o direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária e o dever de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Tais diplomas também preconizam que, caso haja necessidade de acolhimento institucional, que este seja temporário e somente pelo prazo necessário à reintegração da criança ou adolescente à convivência familiar ou colocação em família substituta por meio, por exemplo, da adoção.
Entretanto, basta uma simples pesquisa na internet para ver o quanto a situação de pandemia agravou a questão do acolhimento dessas crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade[4]. É fato notório que há um número crescente de desamparo desses infantes pelas famílias em razão de vários fatores, como aumento da dificuldade financeira do núcleo familiar, morte dos responsáveis legais (afinal, chegamos à cifra de meio milhão de vidas perdidas), diminuição das ações filantrópicas e da capacidade das ONG’s que atuam como parceiras nas redes de proteção, além de inúmeros outros fatores.
Ademais, não se deve descurar que o poder judiciário vem enfrentando maior desafio para conferir a essas crianças e adolescentes alternativas mais consentâneas ao seu melhor interesse – se submetê-las ao retorno às suas famílias naturais, se inseri-las em programas de apadrinhamento ou encaminhá-las ao processo de adoção.
O fato é que, sob qualquer perspectiva, a pandemia Covid-19 representa uma catastrófica vulneração à efetivação dessas alternativas. O retorno das crianças e adolescentes submetidos a maus tratos ou a situação de desamparo aos pais ou familiares próximos depende de um processo longo de restauração desse núcleo familiar, que passa por ações sociais, programas de orientação psicológica, reinserção no mercado de trabalho, dentre outros. Não é difícil perceber que toda essa rede de apoio vem sendo duramente mitigada pela crise econômico-social decorrente da pandemia.
Os programas de apadrinhamento existentes em nosso Estado e os processos de adoção também não ficaram imunes aos nefastos efeitos da pandemia, não pela atuação dos juízes, promotores, psicólogos, assistentes sociais e demais servidores que atuam na linha de frente do combate a todo tipo de violência contra a criança e adolescente, sem cessar, mas pela dificuldade concreta em efetivar as ações, em razão do distanciamento social imposto para conter o vírus.
De todo modo, esta é uma simples reflexão de um assunto que não está sendo observado como deveria pela sociedade, quando todos nós podemos (e devemos) atuar para minorar o sofrimento dessas crianças, seja com voluntariado nas casas de acolhimento, doações, habilitação em programas de apadrinhamento, visitas ou até mesmo denúncias de situações de abandono ou maus tratos às nossas crianças e adolescentes (Disque 100).
* Ariádni Cristina Mecenas de Freitas. Analista judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Bacharel em Direito, especialista em Direito Constitucional e pós graduanda em Direito Civil latu sensu pela Universidade Federal de Goiás.
**Vânia Barbosa Adorno Bitencourt. Advogada criminalista.
[1]Artigo 7. 1. A criança será registrada imediatamente após o seu nascimento e terá, desde o seu nascimento, direito a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, direito de conhecer seus pais e ser cuidada por eles. Artigo 9 1. Os Estados-partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus – tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança. Artigo 20. Toda criança, temporária ou permanentemente privada de seu ambiente familiar, ou cujos interesses exijam que não permaneça nesse meio, terá direito à proteção e assistência especiais do Estado. 2. Os Estados-partes assegurarão, de acordo com suas leis nacionais, cuidados alternativos para essas crianças. 3. Esses cuidados poderão incluir, inter alia, a colocação em lares de adoção, a Kafalah do direito islâmico, a adoção ou, se necessário, a colocação em instituições adequadas de proteção para as crianças. Ao se considerar soluções, prestar-se-á a devida atenção à conveniência de continuidade de educação da criança, bem como à origem étnica, religiosa, cultural e lingüística da criança.
[2]Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[3]Art. 19.É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016) § 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 3 (três) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou pela colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) (Grifos acrescidos) § 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 18 (dezoito meses), salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017) (Grifos acrescidos). § 3º A manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção, nos termos do § 1 o do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
[4]https://www.unicef.org/brazil/media/8611/file/covid-19_criancas-adolescentes-e-cuidados-alternativos-ao-acolhimento-institucional.pdf, acesso em 30.06.2021. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-infancia-e-juventude/342570/a-realidade-dos-servicos-de-acolhimento-institucional-na-pandemia, acesso em 30.06.2021.