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CONCENTRAÇÃO DE FEITOS – Lava jato em SP é uma “unidade de distribuição” de processos, diz procuradora

Os esquemas e ilegalidades escondidos por baixo do rótulo da “lava jato” estão gradativamente sendo revelados. Embora tenha sido concebida para fornecer auxílio a procuradores naturais, a “força-tarefa” em São Paulo atua como uma unidade que concentra e distribui processos. É o que revela um ofício assinado pela procuradora Viviane de Oliveira Martinez enviado ao PGR, Augusto Aras, em 18 de maio deste ano.

O documento reafirma que os feitos que geram manchetes e munição para subjugar figurões da República escapam da livre distribuição e são centralizados nas mãos de um grupo lavajatista — conforme revelado pela ConJur nesta quinta-feira (9/7).

No documento enviado ao PGR, Martinez narra que, desde que assumiu a chefia do 5º Ofício Criminal da Procuradoria da República de São Paulo, em 13 de março de 2020, constatou que “há um contingente muito grande de processos que foram remetidos à FTLJ-SP (força-tarefa da “lava jato” em São Paulo) sem passar pela livre distribuição, dos quais muitos não são conexos na forma estabelecida na PR-SP e deveriam ser livremente distribuídos”.

A força-tarefa, que funciona de modo autônomo no 5º Ofício Criminal, foi criada para prestar auxílio aos procuradores naturais sorteados para atuar nos casos envolvendo a “lava jato”. Desde 2018, no entanto, os processos com a grife “lava jato” são enviados diretamente à força-tarefa que, segundo critérios próprios de conexão entre os casos, retém ou distribui os feitos aos procuradores do 5º Ofício.

O simples fato dos processos estarem sendo enviados diretamente aos procuradores lavajatistas fere os preceitos constitucionais da isonomia, impessoalidade e do promotor natural, representando violação ao artigo 129, parágrafo 4º, combinado com o artigo 93, XV, da Constituição. E o fato de a força-tarefa estar distribuindo processos viola os próprios motivos pelos quais ela foi concebida.

“Na PR-SP, na prática, a FTLJ-SP continua sendo uma unidade de distribuição, pois os feitos são encaminhados diretamente a ela, e não ao 5º Ofício Criminal (são dois cartórios separados e estruturas físicas localizadas em diferentes andares). Como ela é composta por colegas, não é possível que eu avoque processos de lá e que decida sobre minha atribuição”, prossegue a procuradora. Ela também informou que optou “por simplesmente não assinar com os colegas de lá [da força-tarefa] os feitos que não foram livremente distribuídos ao 5º Ofício Criminal”.

Buraco negro

O documento narra, ainda, que a quantidade de processos centralizados é tão grande que, se a força-tarefa continuar vinculada ao 5º Ofício, haverá um acúmulo de trabalho humanamente impossível de ser desempenhado.

Segundo a procuradora, o acervo da “lava jato” paulista é de 255 processos. O 5º Ofício, ao qual ela, em tese, está subordinada, tem 146. Os demais ofícios também têm acervos menores (o 4º Ofício, com o menor acervo, tem 140; o 6º, com o maior, tem 214).

O narrado drible às regras ordinárias de distribuição faz a “lava jato” paulista se tornar um centro gravitacional seletivo de casos, que se multiplicam em velocidade maior que as demais investigações. “Com uma autonomia investigativa própria, a FTLJ-SP, se continuar vinculada ao 5º Ofício Criminal da PR-SP, fará com que o acervo cresça em progressão geométrica”, afirma.

Mantido o ritmo, a força-tarefa em São Paulo pode se tornar uma matriz do MPF — e as demais unidades do Parquet, incluindo a PGR, passariam a ser sucursais.

“Na hipótese de Vossa Excelência ter a intenção de manter a FTLJ-SP como um órgão de atuação central dos casos da ‘operação lava jato’ ou um órgão destinado a investigações autônomas e inteligência, me coloco à disposição para redistribuir os feitos que não foram livremente distribuídos ao 5º Ofício Criminal da PR-SP”, propõe a procuradora como solução ao acúmulo.

A peça foi enviada a Aras em resposta a uma solicitação feita pelo PGR às forças-tarefas da “lava jato” no Paraná, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Aras pediu o compartilhamento de dados estruturados e não-estruturados das unidades.

Em sua resposta, Martinez afirma que é “inconfundível a atuação do 5º Ofício Criminal” em relação à “lava jato”. Tanto é assim que, após ter pessoalmente recebido a requisição de Aras, Martinez encaminhou o pedido com “um mero ‘cumpra-se'”, mas foi, ato contínuo, “interceptada pelos colegas da força-tarefa”, que a “lembraram que a requisição era dirigida a eles”.

Representação

O modus operandi dos procuradores lavajatistas foi descrito em uma representação do procurador Thiago Lemos de Andrade, enviada ao Conselho Nacional do Ministério Público em 11 de março deste ano.

Segundo o documento, os expedientes que chegam na PR-SP com o rótulo “lava jato” são direcionados à FTLJ-SP sem a prévia distribuição na unidade, conforme as regras de organização interna aprovadas pelo Conselho Superior do MPF, mesmo quando os casos não guardam conexões entre si.

O estratagema consistiu em inventar um “extravagante Ofício Virtual”, que serve de pretexto para escapar dos preceitos constitucionais da isonomia, da impessoalidade e do promotor natural.

Critérios próprios

A decisão a respeito da representação de Lemos de Andrade veio nesta quinta-feira (9/7), pelas mãos do conselheiro Marcelo Weitzel Rabello de Souza, do Conselho Nacional do Ministério Público. Para ele, o uso de critérios próprios para a distribuição de processos relacionados à “lava jato” deve ser imediatamente cessado na Procuradoria da República de São Paulo até que eventuais irregularidades sejam devidamente apuradas pelo Conselho.

“Entendo que restou caracterizado neste momento preambular a figura do fumus boni juris, haja vista a existência de normas próprias a reclamarem a distribuição dos feitos naquela unidade paulista, diversa da que se propôs recentemente quando relacionadas a matérias com o timbre de lava jato”, afirma decisão.

Desta forma, o conselheiro determinou que os feitos desmembrados da “lava jato” sejam encaminhados à Procuradoria da República em São Paulo sejam distribuídos aleatoriamente, conforme a regulamentação do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Cifras e códigos

Ao narrar o estratagema da “lava jato” paulista, o procurador Thiago Lemos de Andrade explica como um caso criminal específico, que tramitava na 13ª Vara Federal de Curitiba e referente a um esquema de lavagem de dinheiro feito em um posto de gasolina brasiliense (que não era exatamente um lava-jato), transmutou-se na autodeclarada maior operação contra corrupção.

“À medida que o caso foi ganhando maior dimensão e fatos não conexos ao seu objeto original foram sendo descobertos, operaram-se desmembramentos que, uma vez remetidos às unidades e instâncias competentes, deram origem a novas investigações, para as quais mutirões também foram criados. Assim é que surgiram o Grupo de Trabalho da Lava Jato do Gabinete da Procuradoria-Geral da República e as Forças-Tarefa da Operação Lava Jato no Distrito Federal e nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para esses mutirões, o uso da grife “Lava Jato” não passava, como ainda não passa, de puro marketing institucional”, afirmou.

Já disse Carlos Drummond de Andrade: cada palavra “tem mil faces secretas sob a face neutra”. E perguntou: “Trouxeste a chave?”. As portas que encerravam a “lava jato” começam a ser abertas.

Tiago Angelo e André Boselli – Conjur

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