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CONDUTAS SEM RELAÇÃO – Para Schietti, antecedente não afasta aplicação do princípio da insignificância

A simples existência de antecedentes penais, sem a devida e criteriosa verificação de quais crimes foram anteriormente cometidos pelo réu, não pode afastar, de modo automático, a aplicação do princípio da insignificância.

O entendimento é do ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça. O magistrado absolveu um homem condenado por furtar um pacote de fraldas avaliado em R$ 158,80. A decisão é de 3 de agosto.

Em primeira instância, o homem foi sentenciado a dois anos de reclusão, em regime semiaberto. A decisão foi parcialmente reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a condenação, mas estabeleceu o regime inicial aberto para o cumprimento da pena.

Os órgãos, nos dois casos, afastaram a aplicação do princípio bagatelar sob o argumento de que o réu possui antecedentes. O TJ-SP também entendeu ser desproporcional entender que a subtração do fardo de fraldas seria indiferente ao patrimônio público.

Mas os antecedentes do réu não guardam relação com o crime de furto ou demais delitos patrimoniais, já que sua condenação definitiva anterior ocorreu pela prática de moeda falsa.

“Qual o relevo, para o conhecimento da natureza insignificante de um furto, de se constatar que o agente, anteriormente, fora condenado por desacato a autoridade, por lesões corporais culposas, por crime contra a honra ou por outro ilícito que não apresenta nenhuma conexão comportamental com o crime sob exame? Afastar a insignificância nessas hipóteses seria desproposital”, exemplifica Schietti.

O ministro também destacou que, a despeito da jurisprudência do STJ, parte da doutrina se recusa a admitir que a reiteração delitiva, em especial em crimes de natureza patrimonial, pode ser sopesada no momento em que, avaliando o caso concreto, o magistrado decide se a conduta do acusado deve gerar punição penal.

“Cada caso há de ensejar análise criteriosa e singularizada, de modo a, eventualmente, ser reconhecida a não punibilidade de um furto de coisa com valor insignificante, ainda que presentes antecedentes penais do agente, se não denotarem estes tratar-se de alguém que se dedica, com habitualidade, a cometer pequeno furtos”, prossegue a decisão.

Desproporcionalidade

O defensor público Bruno Bortolucci Baghim atuou no caso. Para ele, há de fato resistência por parte dos órgãos de primeira e segunda instância no momento de aplicar o princípio da insignificância. Nos tribunais superiores, por outro lado, há uma tendência maior de absolver os réus.

“É algo a se lamentar, até porque o custo dos processos acaba superando em muitas vezes o valor do bem subtraído. Além da desproporcionalidade de se privar alguém de liberdade pela prática de subtração de bem de valor irrisório. É chocante pensar que a liberdade de uma pessoa possa valer tão pouco”, disse à ConJur.

A decisão do STJ, diz, é interessante do ponto de vista jurídico, já que Schietti entendeu que faltaria punibilidade concreta, não havendo dignidade penal no fato imputado ao réu.

O conceito clássico de crime envolve o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade. A punibilidade, entretanto, não está normalmente atrelada à definição de crime.

Em geral, ao tratar da insignificância, os magistrados entendem que o fato não tem sequer tipicidade. Para Schietti, no entanto, o fato é típico, ilícito e culpável, mas não é punível.

“O ministro analisa o caso adotando um entendimento diverso do predominante quanto à insignificância, entendendo que ela incide no âmbito da punibilidade (e não da tipicidade), adotando, para isso, um conceito integral de delito, em que a punibilidade é um quarto elemento da sua estrutura, além da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade”, explica o defensor.

Tiago Angelo – Conjur

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