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CRIME DE HERMENÊUTICA – Corregedora do MPF quer investigar procuradores que propuseram ação rejeitada

O exercício do direito de ação não é arbitrário, desvinculado da realidade concreta ou de fato que justifique seu emprego, devendo estar subordinado à existência do interesse legítimo e finalístico.

Com esse entendimento, a Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal determinou a instauração de inquérito administrativo disciplinar, a fim de elucidar a ocorrência de infrações funcionais pelos procuradores da República Emanuel de Melo Ferreira e Luís de Camões Lima Boaventura.

Em agosto de 2019, os dois procuradores citados ajuizaram ação civil pública contra a União por danos coletivos causados pela atuação do ex-juiz Sergio Moro na condução do consórcio autoproclamado operação “lava jato”. Alegaram que o ex-magistrado atuou de forma parcial e inquisitorial, com interesse de influenciar as eleições presidenciais de 2018.

Eles pediram que a União promovesse a educação cívica para a democracia no âmbito das Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e da Escola Nacional do Ministério Público (ESMPU), a fim de prevenir que agentes do sistema de justiça atuem em prol de novos retrocessos constitucionais.

No dia 3 de agosto deste ano, o juiz federal Lauro Henrique Lobo Bandeira, da 10ª Vara no Rio Grande do Norte, indeferiu a ação. Entre outras coisas, disse que não cabia uma ação para compelir as instituições a implementar cursos e alterações de currículos para que os agentes (do MPF e PJ) passassem a evitar atitudes contra a Constituição.

Diante disso, a Corregedora-Geral do MPF, Elizeta Ramos, mandou abrir um inquérito por verificar “sérios traços” de infidelidade às atribuições institucionais por parte dos procuradores.

Segundo ela, há indícios de que a atuação de Melo Ferreira e Camões Boaventura se deu fora da fronteira dos princípios constitucionais da legalidade, da objetividade, da eficiência, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público e com violação aos deveres institucionais.

Elizeta Ramos afirmou que os autores da ACP buscaram, a um só tempo, conferir uma nova dimensão aos poderes funcionais, bem como ao perfil institucional. “Vislumbra-se a propositura de uma demanda natimorta, fruto de um possível abuso de direito dos demandantes.”

A corregedora ressaltou que não há espaço para a admissão de lide temerária, apartada da finalidade de melhor exercer as atividades finalísticas, sem o devido cuidado com a coerência sistêmica.

Por fim, Ramos destacou que, apesar da independência funcional dos membros do Ministério Público, não há intangibilidade absoluta, especialmente quando os membros da instituição fazem mau uso de suas prerrogativas, desvirtuando sua atuação para obter satisfação ideológica, perseguir desafetos ou ganhar notoriedade.

Os procuradores acusados sustentaram que a independência funcional autoriza a interpretação utilizada na citada ação civil pública, porque lastreada em precedentes do Supremo Tribunal Federal, bem como em farta pesquisa acadêmica e documental.

Em artigo na ConJur, o advogado e professor de Direito Constitucional Lenio Streck defendeu que, por mais críticas que o juiz e a corregedora do MPF tenham à ACP proposta pela dupla de procuradores, nem de longe a rejeição da ação pode ensejar “infração ou crime de hermenêutica”. “Podem não gostar da ACP; daí a acharem que cabe esse tipo de resposta arbitrária em âmbito institucional é outra coisa bem diferente.”

Para o especialista, a corregedora pode ter caído em uma armadilha. Se Elizeta coloca como um dos fundamentos do Inquérito a rejeição da ACP; e, assim, se o inquérito por ela proposto for arquivado-rejeitado, então, pela mesma lógica, sua conduta pode ser enquadrada no artigo 25 da Lei de Abuso.

“Se em cada rejeição cabe investigar o autor membro do MP, não teremos espaço para tantos processos administrativos (ou inquéritos). Eis os efeitos colaterais”, completou.

Ana Luisa Saliba – Conjut

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