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DENÚNCIAS HIPERBÓLICAS – Judiciário está mais cuidadoso com aplicação de crime de lavagem, diz Lewandowski

Depois de um primeiro momento de perplexidade causada por uma aplicação automática e acrítica do instituto de lavagem de dinheiro, quase sempre imposto como um complemente natural em condenações pelas práticas dos crimes de fraude e corrupção, os juízes e tribunais passaram a lançar um olhar mais cuidadoso sobre o tema. Essa foi uma reação a denúncias hiperbólicas lançadas por determinados integrantes do Ministério Público em um passado recente, que resultavam em condenações extravagantes, totalmente alheias aos cânones da dosimetria normalmente praticada pelos tribunais.


Essa é a análise do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ao defender o aprofundamento do estudo em relação ao instituto da lavagem de dinheiro em seminário virtual promovido pela TV ConJur.

O evento marca o lançamento do livro Lavagem de Dinheiro: pareceres jurídicos, jurisprudência selecionada e comentada, lançado este mês pela editora Revista dos Tribunais. O livro, organizado pelos advogados e estudiosos Pierpaolo Cruz Bottini e Ademar Borges, reúne o que há de mais relevante já produzido sobre o tema no país: oito pareceres e 14 votos paradigmáticos de desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, parte deles com comentários de seus autores.

Em sua fala, Lewandowski explicou que para caracterização do crime de lavagem de dinheiro é preciso haver a comprovação inequívoca de que o acusado teve a intenção de ocultar ou dissimular a origem desses valores ilícitos.

“Para caracterização da lavagem não basta a mera apropriação, transporte ou emprego desses valores para aquisição de bens diversos. Isso é um desdobramento natural e na linguagem técnica é definido como mero exaurimento da prática delituosa anterior”, comenta.

O ministro explica que a doutrina a jurisprudência contemporânea não busca dificultar a condenação por esse crime ou ser conivente com a corrupção. “Os tipos penais devem ser interpretados de forma estrita.”

O desembargador José Carlos Lunardelli, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tratou da possível incompatibilidade do artigo 2º da Lei de Lavagem que determina que no processo por crime previsto neste regramento, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo.

“Sustento a incompatibilidade desse modelo de processo penal com as garantias judiciárias previstas no Pacto de San José da Costa Rica. A citação por edital é uma ficção já que ninguém acompanha publicação na imprensa oficial. Isso ocorre raramente. As garantias judiciais da convenção garantem a citação prévia do acusado e pormenorizada da acusação que lhe é formulada”, explica.

O professor Luís Greco falou o alcance do tipo penal do crime de lavagem. “Um problema de que o ministro Lewandowski chegou a falar é a relação entre o delito de lavagem e o anterior. Observamos uma certa tendência a derivar do cometimento oculto a realização de dois delitos, que seria o crime de lavagem. O crime de lavagem não é uma agravante genérica de cometer algo de forma oculta. Se assim fosse todo furto cometido seria lavagem. O tipo penal da lavagem é bastante amplo e deixa o intérprete basicamente entregue a sua boa vontade e daí surge uma necessidade de criar uma jurisprudência que não apenas restrinja o alcance do tipo penal como também o tornar aplicável de não engesse toda a gama de contatos sociais que envolva transferência de qualquer valor econômico”, explica.

A advogada Heloisa Estellita, por sua vez, analisou a lavagem de capitais mediante mera utilização ou guarda de valores provenientes de infração penal. “Nesse caso específico o nosso ordenamento não considera essa conduta criminosa. A guarda ou recebimento desses valores só configura crime quando isso faz parte de uma especial finalidade de ocultar esses valores”, diz.

Por fim, o advogado Juliano Breda afirmou que o aprofundamento do debate doutrinário em torno do crime de lavagem se revela ainda mais importantes no âmbito do STF diante da mudança da competência para julgamento das ações penais originárias pelo Plenário do Supremo. “Cabe a doutrina ajudar o STF a tomar as melhores e mais corretas decisões. Eu escrevi um parecer em conjunto com o professor Alamiro Velludo sobre o caso do Triplex do Guarujá que apontou inconsistências jurídicas e dogmáticas do processo”, disse.

Ele sustenta que não havia nenhuma conduta efetiva concreta para conferir uma aparência de legalidade a produto de infração antecedente no caso e defende a necessidade de aprofundar o debate em torno da possibilidade de lavagem de dinheiro por meio de doação oficial.

Rafa Santos – Conjur

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