DESCOBERTA DA SEXUALIDADE – Menor é absolvido de acusação de estupro com base na Lei de Romeu e Julieta
Adolescente que faz sexo com menor de 14 anos não comete ato infracional equiparado a estupro de vulnerável, desde que a relação tenha sido consensual, sem registro de violência e sem provocar traumas psicológicos. Nesse caso, em função da diferença de menos de cinco anos entre os envolvidos, cabe a aplicação da “exceção de Romeu e Julieta”, que relativiza a presunção de vulnerabilidade.
Com esse entendimento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que aplicou medida socioeducativa a um adolescente denunciado por ato equivalente a estupro. Os desembargadores entenderam que, devido às circunstância, mostra-se “descabida e desnecessária” a imposição de qualquer medida socioeducativa ao “representado”, por falta de necessidade pedagógica a ser atendida em sede judicial.
Medida socioeducativa
O Ministério Público estadual protocolou representação contra o adolescente pela prática de ato infracional equiparado ao delito previsto no artigo 217-A, caput, do Código Penal (CP) — fazer sexo com menor de 14 anos.
Como resposta, o Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Lavras do Sul (RS) julgou procedente a representação e aplicou ao menor a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de seis meses, à razão de oito horas semanais.
Pouca diferença
Em combate à sentença, a defesa do menor interpôs apelação no Tribunal de Justiça. Em síntese, pediu que o caso fosse analisado com cautela, pois, embora o fato se enquadre formalmente na figura típica de ato infracional equiparado a crime de estupro de vulnerável, é preciso considerar que o adolescente e a vítima têm pouca diferença de idade. Esse detalhe os coloca em situação de proximidade em relação ao desenvolvimento físico e psicológico.
A defesa alegou que o adolescente, assim como a vítima, está descobrindo a sua sexualidade, defendendo a aplicação da chamada Romeo and Juliet Law (Lei de Romeu e Julieta). Argumentou, por fim, que o adolescente não pode ser responsabilizado apenas porque a mãe da vítima não aceita que ela tenha relações sexuais com 12 anos. Pediu a improcedência da representação ou, alternativamente, a aplicação de medida socioeducativa mais branda.
Troca de afeto
O relator da apelação na Corte estadual, desembargador Rui Portanova, constatou que o menor não teve a vontade livre e deliberada de cometer um delito, ou seja, não agiu com dolo. Pelo contrário, a seu ver, tratou-se de uma verdadeira troca de afeto entre o casal.
“Aqui, como no exemplo clássico, tem-se que ambos vivenciaram uma fase de descoberta da sexualidade. Assim, a incriminação fere, no mínimo, o bom senso. Por isso, possível pensar-se na aplicação do princípio da ação socialmente adequada, em face das peculiaridades próprias do costume e da forma com viviam as partes”, ponderou, julgando improcedente a representação contra o menor.
Em reforço à fundamentação, Portanova adotou, como razões de decidir, o parecer da representante do Ministério Público no colegiado, procuradora Synara Jacques Butelli Göelzer. Afinal, ressaltou no voto, o parecer “oferece solução tão adequada como coincidente com o entendimento deste relator”.
Para Göelzer, em casos como esse a lei precisa se adequar à realidade fática da sociedade.
“Não se pode fechar os olhos para o fato de que os adolescentes, hoje em dia, iniciam a sua vida sexual cada vez mais cedo. E com a vítima e com o representado não foi diferente. Tanto é verdade que ambos os adolescentes, em juízo, informaram a existência de um relacionamento prévio, que teve início em 2018, contra a vontade da genitora da vítima, que não admite que a filha tenha relações sexuais com essa idade”, afirmou a procuradora.
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Jomar Martins – Conjur