Divergência Jurídica: os contornos teóricos e práticos da tese defensiva de desclassificação do Estupro de Vulnerável para Importunação Sexual
No Brasil, há anos, permeia o debate jurídico, envolvendo diversas doutrinas, interpretações e impactos na legislação e jurisprudência, a complexa questão da desclassificação do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal Brasileiro) para o crime de importunação sexual (art. 215-A do CP).
Compreender as origens, os principais expoentes e as diferentes escolas de pensamento que norteiam essa discussão e as implicações práticas dessas doutrinas, além de analisar os pontos de debate contemporâneo e as críticas direcionadas a elas, pois é fundamental para analisar criticamente seus efeitos na prática e no desenvolvimento futuro do direito.
Origens Teóricas e Escolas de Pensamento:
Temos a doutrina que defende a desclassificação e argumenta que, em casos específicos de estupro de vulnerável sem violência física aparente, a conduta se aproxima mais da importunação sexual, caracterizando-se por atos libidinosos de menor gravidade. Essa corrente, muitas vezes associada ao garantismo penal, enfatiza a necessidade de individualização da pena e a proporcionalidade entre crime e punição.
Em contrapartida, a doutrina contrária à desclassificação, geralmente associada ao feminismo jurídico, sustenta que qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos configura estupro de vulnerável, independentemente da violência física empregada.
Argumenta-se que a vulnerabilidade inerente à idade da vítima torna qualquer ato sexual consensual impossível, e que a desclassificação minimiza a gravidade do crime e perpetua a cultura do estupro.
Aplicação na Prática Jurídica e Influência na Legislação e Jurisprudência:
O debate doutrinário tem influenciado significativamente a aplicação do direito na prática jurídica.
A jurisprudência brasileira apresenta decisões divergentes sobre a desclassificação, com alguns juízos acolhendo a tese descriminalizadora em casos específicos, enquanto outros a rejeitam.
Em 2009, a Lei 12.069/2009 alterou o Código Penal, excluindo a possibilidade de tentativa para o crime de estupro de vulnerável, reforçando a posição de que qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos configura crime grave.
Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.121), pacificou o entendimento de que a desclassificação para importunação sexual é inviável, reconhecendo a gravidade intrínseca do estupro de vulnerável, independentemente da violência física.
Origens Teóricas.
As doutrinas que sustentam a desclassificação do estupro de vulnerável para importunação sexual fundamentam-se em diferentes perspectivas:
Princípio da Subsidiariedade:
Defende a aplicação da norma penal menos gravosa possível, considerando a gravidade do fato e a necessidade de proporcionalidade na resposta penal.
Argumenta que a conduta, em alguns casos, pode ser considerada menos grave, configurando importunação sexual e não estupro de vulnerável.
Menor Ofensividade da Conduta:
Enfatiza a natureza da conduta, defendendo que, em alguns casos, a ação pode ser considerada menos ofensiva à dignidade sexual da vítima, configurando importunação sexual
Leva em consideração a intensidade da agressão, a ausência de violência física extrema e a rápida consumação do ato.
Vulnerabilidade da Vítima:
Reconhece a vulnerabilidade da vítima menor de idade, mas argumenta que a simples presunção de violência, presente no art. 217-A, CP, pode não se aplicar em todos os casos.
Defende a análise individualizada da conduta, considerando o contexto e as circunstâncias específicas do caso.
Principais Expoentes.
Luiz Flávio Gomes: um dos principais expoentes da doutrina penal no Brasil, Luiz Flávio Gomes defendeu a necessidade de uma abordagem mais humanizada e proporcional no direito penal, promovendo a adequação das penas à gravidade e circunstâncias dos crimes.
Rogério Greco: conhecido por suas obras sobre direito penal, Greco enfatiza a importância da análise contextual e a aplicação de princípios de proporcionalidade e humanidade na aplicação das penas, destacando a necessidade de diferenciação clara entre diferentes tipos de crimes sexuais.
Nilo Batista: outro importante jurista brasileiro, que defende uma abordagem crítica e humanista do direito penal, promovendo uma análise cuidadosa das circunstâncias e motivações dos crimes para uma aplicação mais justa e equitativa da lei penal.
Escolas de Pensamento.
Escola Humanista: enfatiza a dignidade humana e a proporcionalidade das penas, defendendo a necessidade de um tratamento diferenciado para crimes sexuais com base na gravidade do ato e na vulnerabilidade da vítima.
Escola Proporcionalista: focada na proporcionalidade, essa escola defende que a pena deve refletir a gravidade do crime e as circunstâncias específicas, promovendo a desclassificação quando o ato não envolveu violência ou coação grave.
Escola Contextualista: promove uma análise detalhada do contexto e das circunstâncias do crime, considerando fatores como a relação entre autor e vítima, a dinâmica do poder e a presença de manipulação ou coação.
Aplicação na Prática Jurídica, exemplos e Impacto na Legislação e Jurisprudência:
As doutrinas da desclassificação influenciaram a prática jurídica e a evolução da legislação e jurisprudência. Exemplos de Situações ou Casos Semelhantes:
Caso do Professor e Aluna: um professor acusado de tocar uma aluna menor de 14 anos durante as aulas pode ter seu caso reavaliado à luz dessa decisão, considerando a ausência de violência e a natureza do toque.
Caso de Parente: um tio que beija ou toca em uma sobrinha menor de 14 anos em um contexto familiar pode ter seu ato desclassificado de estupro de vulnerável para importunação sexual, dependendo das circunstâncias.
Jurisprudência: diversos tribunais brasileiros aplicaram a desclassificação em casos específicos, geralmente quando a conduta era considerada menos grave ou a vítima não apresentava sequelas físicas ou psicológicas significativas.
Legislação: o próprio Código Penal, em seu art. 217-A, § 2º, prevê a possibilidade de redução da pena para o crime de importunação sexual quando a violência for “de natureza leve”.
Jurisprudências Relacionadas:
STJ – Habeas Corpus nº 598.051 – SP (2020): o Superior Tribunal de Justiça decidiu manter a desclassificação de estupro de vulnerável para importunação sexual em um caso onde o ato libidinoso não envolveu violência e a vítima não apresentou resistência, destacando a necessidade de proporcionalidade.
TJSP – Apelação nº 1502761-35.2020.8.26.0228: em um caso semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo, desclassificou um ato de toque em menor de 14 anos para importunação sexual, argumentando que a falta de violência e a natureza do ato justificavam a desclassificação.
O Impacto que sofremos no Desenvolvimento do Direito:
As discussões sobre a desclassificação do estupro de vulnerável impulsionam o debate sobre a tipificação penal de crimes sexuais contra crianças e adolescentes:
Necessidade de aprimorar a legislação para garantir a proteção integral das vítimas, considerando a gravidade dos crimes e seus impactos.
Importância de promover a cultura da denúncia e do combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Busca por um sistema jurídico mais sensível às nuances dos crimes sexuais e seus efeitos na vida das vítimas.
No viés da defesa ao acusado, levar em considerações questões sociais, reflexos de sua infância, bem como fornecimento do judiciário acolhimento e estudo de profissional capacitado, para a análise psicológica e psiquiátrica, deste imputado, incluindo essas análises técnicas, para o completo da formação da culpa, bem como para a escolha de local apropriado, onde cumprirá a pena corpórea, em caso de condenação, que resultaram nos reflexos para quando do seu regresso à sociedade.
Considerações Finais:
A desclassificação do estupro de vulnerável para importunação sexual é um tema complexo e controverso, com argumentos de diferentes correntes de pensamento, tendo em vista que as doutrinas da desclassificação influenciaram a prática jurídica e a legislação, mas também geraram críticas e debates acalorados, entre eles:
Movimentos Feministas: argumentam que a desclassificação minimiza a gravidade do crime de estupro de vulnerável, desconsiderando o impacto psicológico e social na vítima.
Especialistas em Direito Penal: questionam a segurança jurídica da aplicação da desclassificação, defendendo a necessidade de critérios mais objetivos para diferenciar os crimes.
Defensores dos Direitos da Criança e do Adolescente: alertam para os riscos da banalização da violência sexual contra crianças e adolescentes.
O desenvolvimento e o futuro da área do direito em questão dependerão da capacidade de conciliar a proteção das vítimas com a aplicação justa e proporcional da lei penal.
É fundamental ressaltar que a análise da possibilidade da desclassificação deve ser feita, analisando caso a caso, considerando as particularidades de cada situação, a gravidade da conduta e os reflexos e impacto repercutido na vida da vítima.
Referências Bibliográficas
Greco, Rogério.
Obra: “Curso de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial” Ano: 2021 Editora: Impetus
Gomes, Luiz Flávio.
Obra: “Direito Penal: Parte Geral” Ano: 2020 Editora: Saraiva
Batista, Nilo.
Obra: “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro” Ano: 2019 Editora: Revan
Artigo: “Crimes Sexuais e a Proteção de Menores: Uma Análise Crítica“
Autores: Vários Ano: 2020
Publicação: Revista de Direito Penal e Criminologia[1]
Regilene Padilha
Advogada Criminalista.
Pós graduada em Processo Penal pela Escola Paulista de Magistratura, (EPM);
Especialização em Advocacia Criminal e Teoria da Penal – USP Ribeirão Preto – SP;
Pós graduada em Direito Penal – Processo Penal e Execução Penal pelo Legale;
Membra da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas da Advocacia Criminal da ABRACRIM;
Membra da Comissão São Paulo -Capital de Defesa das Prerrogativas da Advocacia Criminal da ABRACRIM.