Do descaso ao caos
O trágico acontecimento do último dia primeiro de janeiro, no regime semiaberto era uma tragédia anunciada. O Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia realizou diversas vistorias em todo o Sistema Prisional, seja de Aparecida de Goiânia, seja em Goiânia durante o ano de 2017. Todas constataram e relataram que o regime semiaberto estava sem condições para continuar suas atividades devido ao número absurdo de pessoas bloqueadas. São pessoas que receberam o direito a progressão de regime (do fechado para o semiaberto), ou mesmo que foram condenadas diretamente ao regime semiaberto, mas eram mantidas trancafiadas em instalações absolutamente impróprias para o fim a que se destina.
Para se ter uma ideia, o sistema hoje tem capacidade para aproximadamente 150 presos e abrigava na fiscalização do Conselho em novembro 860 pessoas em condições subumanas, confinadas por uma guarda noturna de apenas 3 agentes penitenciários, dois deles provisórios, com uma comida totalmente impropria para consumo, tanto a dos agentes como a dos detentos. Quando ouvimos os presos bloqueados (aqueles que não podem sair das celas porque aguardam audiência de justificação), fomos informados que as audiências estavam sendo marcadas em um prazo absurdo de até 2 anos e meio. Segundo a Lei de Execução Penal (nº 7.210/84, artigo 118) e aplicação analógica ao texto Constitucional e ao Pacto de São José da Costa Rica, essa audiência tem por prazo médio 30 dias.
A tragédia foi uma manifestação do preso, que entende ser essa a única maneira de chamar a atenção para o descaso da Execução Penal. Uma situação triste, mas infelizmente, ao que tudo indica, necessário frente ao terror proporcionado pelas Varas de Execução de Goiânia, responsáveis diretamente pelo Caos que estamos presenciando dentro do Sistema Prisional da Capital.
O problema não está apenas no semiaberto. Acontece também na Casa do Albergado, onde a capacidade é para 120 condenados em regime aberto, que devem retornar durante a noite e nos finais de semana e feriados, e hoje abriga 420 pessoas. Destas, 150 estão bloqueadas e esperam em média 90 dias para a tal audiência de justificação. Os “presos” não tem médicos, remédios ou qualquer forma de tratamento, mesmo existindo pessoas baleadas, com feridas abertas ou com queimaduras em 40% do corpo e jurados de morte. A juíza da 2.ª VEC, responsável pelas tais audiências no regime aberto e semiaberto, parece não se importar com o problema.
Esse fato já está relatado e foi oficiado à juíza em dezembro, com prazo de 48 horas para resposta. Já estamos em janeiro e a resposta ainda não chegou. Para que a população tivesse conhecimento, a Corregedoria do Tribunal de Justiça, o Secretário de Governo, o Superintendente do Sistema Prisional, o Grão Mestrado da Maçonaria Goiana e o Presidente da OAB também foram oficiados sobre a situação lamentável encontradas dentro do Sistema e sobre o perigo de mais tragédias ocorrerem.
Faço questão de deixar claro aqui, que, bem antes de ser um problema de Governo, é um problema pontual do judiciário que tem se colocado em uma situação de descaso e morosidade absoluta para transformar o que é muito simples de resolver, em uma bomba relógio. Também é oportuno mencionar que o Conselho, a partir do momento em que assumi a atual gestão, vem sofrendo retaliações por parte dos Juízes da Execução que insistem em tentar impedir as fiscalizações no sistema e que seja mostrado o que realmente acontece.
Marcelo Bareato, Advogado Criminalista, membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM Goiás e Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia.