DO JUDICIÁRIO À LIGA DA JUSTIÇA
Por Marcelo Bareato
Que as coisas não estão bem para os advogados, de uma maneira geral, parece lugar comum.
Não é de hoje que abusos vem, sistematicamente, acontecendo e desmerecendo a classe como um todo. Entretanto, quando falamos dos advogados criminalistas, parece que a coisa passa a ganhar maiores vultos e, não se iludam, a tendencia é só piorar.
Boa parte do que estamos vivenciando, com referência aos julgamentos elaborados por juízes autoritários e pouco a vontade com a aplicação e conhecimento da lei, creditamos a abertura dos julgamentos para a mídia, momento em que tiramos os juízes empenhados em fazer justiça e controlados pelos demais operadores do direito e passamos a ter juízes preocupados com a imagem, autopromoção e a possibilidade de galgar, tão logo deixem a magistratura, eleição para mandatos políticos partidários.
Talvez, o que muitos não sabem, é que o início dessa epopeia tem o seu estopim com primeiro julgamento transmitido ao vivo pelo Supremo Tribunal Federal ocorrido em 23 de setembro de 1992. O caso envolvia o impeachment do então presidente Fernando Collor e causava grande comoção social.
Discutia-se o Mandado de Segurança 21.564, impetrado pelo próprio Fernando Collor, questionando os atos preliminares do seu processo de impeachment. A Corte era presidida pelo então Ministro Sydney Sanches.
De lá para cá, mais de 30 anos se passaram e os efeitos foram os mais nefastos.
Dito isso, é importante que saibamos que o Brasil é o único país que permite televisionar ou transmitir seus julgamentos e, nesse contexto, dois pontos se apresentam: o primeiro, a liberdade de imprensa e a conscientização da população sobre o que acontece, especialmente, na Casa (STF) cuja competência é julgar e decidir os recursos em sua tramitação final, ou seja, antes do trânsito em julgado. Outro ponto, de igual ou maior relevância, diz respeito a permitir que populares façam de juízes, desembargadores e ministros, Deuses do Olimpo, como se grandes heróis fossem, ou procedam a execração pública daqueles que não se comportem como o cidadão comum esperava.
Bem! Não é à toa que somente o Brasil aja dessa forma. Num país onde exista cultura jurídica disseminada entre os seus cidadãos, a própria população não tem interesse em acompanhar o que acontece dentro de seus tribunais, já que sabem que será feita a justiça de acordo com a previsão constitucional daquele país e que os juízes não decidirão fora da legalidade, sob pena de serem responsabilizados criminalmente. De outro lado, quando vemos a cultura brasileira, de total desconhecimento da lei e busca por vingança, televisionar ou permitir que outras mídias sociais o façam, dá um certo sentido, afinal, se não estudamos, nos comprazemos com a desgraça alheia e, especialmente, com a nossa opinião sem qualquer lógica ou sentido jurídico. Isso traz consequências avassaladoras e muito perigosas.
Não é ao acaso o espanto causado na comunidade jurídica quando, em 2018, em São Paulo/SP, o Ministro Barroso, ao proferir sua palestra junto a um evento sobre Segurança Humana, disse ser “um iluminista, que não seguia a Constituição Federal e ouvia apenas a voz das ruas”, fato repetido em outros tantos discursos feitos por ele a partir de então. Ali estava sacramentado que o direito perdia espaço para julgamentos morais e que o respeito a população e seus peculiares gostos por vingança trariam instabilidade jurídica de enormes proporções. O raciocínio passou a ser bem simples: se o ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte brasileira diz que se comporta dessa maneira e não teve oposição, desembargadores e juízes dos quatro cantos do Brasil se deram ao luxo de seguir a orientação passada e iniciarem as suas decisões sem qualquer fundamentação jurídica, pautadas apenas nas suas reflexões morais e nos bons costumes que acreditam ser detentores. Não poderia dar certo.
Se, por um lado já padecíamos da preocupação do livre convencimento do magistrado, ainda que de forma fundamentada, como preceitua o artigo 155 do nosso Código de Processo Penal, que é de 1941 e tem origem italiana, imprimindo nos julgamentos diários altíssimas doses da moral individual e daquilo que acreditavam ser bons costumes (o que é totalmente contrário ao Estado Democrático de Direito e o dever de obediência a Constituição Federal e as leis postas), como já dissemos no parágrafo anterior, por outro lado, quando perceberam que os ministros da mais alta Corte passaram a não mais obedecer a lei, receberam a tão sonhada alforria para decidir ao seu bel prazer, deixando o país em franca instabilidade jurídica.
A advocacia criminal perdia, ali, o poder de discutir direitos e deveres, estabelecer responsabilidades para os juízes faltosos e brigar pelo devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, regras básicas para um processo justo.
Passamos então a ter julgamentos midiáticos, juízes, promotores, desembargadores, procuradores e ministros que entenderam estar diante da possibilidade de ganhar popularidade, notoriedade e se prepararem para cargos políticos partidários, não que o direito já não fosse uma expressão de política, pois que, através dele, é que as leis que regem esse país foram feitas e, então, sim, é verdade que o direito é política pura, mas jamais política partidária.
Os dilemas foram implementados (julgamentos apenas pautados naquilo que os juízes acham correto), os recursos começaram a proliferar na tentativa de fazer valer e voltar a consideração aos direitos dos clientes que, sem entender absolutamente nada, dirigiam-se aos seus advogados e perguntavam: doutor, se a lei é clara, porque não recebi o que está escrito ali?
O tempo de julgamento dos recursos foram aumentando (na tentativa de alcançar o que determina a lei), as sustentações orais perante os tribunais diminuindo (antes tínhamos 15 minutos e hoje, a depender do recurso apenas 5), e começamos a buscar nos tribunais, uniformização de jurisprudências, na intenção de que os ministro, já que não seguem mais as leis, digam qual dos pensamentos ou decisões pautadas na moral e bons costumes, está valendo. Apenas para uma referência e melhor entendimento, um processo de conhecimento deve durar 6 meses, um recurso até 2 anos, visando o respeito ao princípio da razoabilidade e da prestação jurisdicional.
Se levarmos em consideração que tais recursos levam, em média, de 5 a 10 anos para serem julgados, esse será o prazo em que nossos clientes estarão a mercê dos erros cometidos pelos juízes de piso, ou de primeira instância.
E assim, uma após a outra, interpretações sobre a moral e bons costumes vão se sucedendo e cada vez mais a lei vai ficando esquecida. Se por uma lado juízes e promotores acabam ganhando notoriedade e fama junto a população, especialmente naquelas comarca pequenas, carregando consigo pessoas que os aplaudem, mas que não se importam com a dor alheia, por outro, aqueles que necessitam da tão sonhada segurança jurídica, ficam ao Deus dará, assistindo os espancamentos nas ruas por policiais despreparados, as mortes e torturas nos sistemas prisionais sem que se possa fazer absolutamente nada e a revolta das famílias daqueles contra quem a “justiça” não se importou. Juízes praticam escabrosos escândalos, assédios, brigam com advogados e desestruturam processos como forma de vingança e são agraciados, quando chegam a serem julgados por seus atos, com aposentadoria compulsória com vencimentos parciais ou totais. E que não esqueçamos aqui que a pena para o cidadão comum não é direcionada apenas a quem foi condenado, mas a todos aqueles que convivem com a pessoa que foi objeto do processo penal e agora passam a ser estigmatizadas pela mesma sociedade que ficou feliz com o julgamento televisionado, exigiu condenação mesmo onde a lei não autorizava e, agora, transformaram julgadores em heróis nacionais.
O Estado Democrático precisa apenas de juízes e não de heróis!
A comunicação fica viciada quando o direito dá lugar aos dilemas!
A má comunicação feita entre os atores e os grupos de whatsapp, pessoas sem preparo ou estudo para emitir qualquer opinião, quiçá uma opinião jurídica, cria, no estrito sentido do tema, sentenças emitidas por imbecis especializados e replicar informações erradas via rede de computadores e celulares.
Proliferam as “Ligas da Justiça”, como assistíamos tempos atrás nos desenhos animados das manhãs e tardes de nossa juventude, onde o Batman, o Super Homem, a Mulher Maravilha, o Aquaman, a Supergirl, entre tantos outros não menos famosos, combatiam o Coringa, Lex Luthor, Sinistro e a maldade em todas as suas formas, na intenção de livrar a humanidade da escória que sempre assolou o mundo. O direito requer regras e entendimento sobre elas para que aqueles que participam do julgamento possam estabelecer estratégias no sentido de proporcionar um processo justo e que alcance uma condenação ou absolvição que não ofereça nulidades e gastos sem qualquer sentido. Um processo custa muito caro aos cofres públicos e nós, pagamos a conta sem tem qualquer conhecimento sobre isso.
Uma grande pena não entendermos que um juiz quando passa no seu concurso público recebe o que em direito chamamos de competência, cujo significado é o poder dever de dizer o direito, esse direito é somente aquele que está expresso nos códigos e na Constituição Federal. Que é vedado a este servidor público (sim, juiz é um servidor público como qualquer outro), pago com os nossos impostos, imprimir qualquer conotação moral aos seus julgamentos e, finalmente, que caso ele descumpra a lei, deverá responder por abuso de autoridade através dos diversos crimes que a ele são destinados no Código Penal e Leis específicas, notadamente o famigerado artigo 319 do Código Penal, que tutela o crime de prevaricação (agir por interesse ou sentimento pessoal).
É fato, Meu Caro Leitor!
O direito que permitimos ser tirado do outro, ao qual achamos indigno, se e quando você precisarmos, não vamos encontrar lá, afinal, no linguajar popular, pau que dá em Chico, dá em Francisco e infelizmente a sua sensação será de que não existe, nesse momento, justiça nesse país. Deixaríamos, pois, a título de reflexão, o seguinte pensamento: ressalvada a perspectiva de que bons profissionais existem em todos seguimentos, mas que da mesma forma sempre existiram e existirão maças podres, que a elas (as maçãs podres) se estabeleçam penas pesadas quando descumprirem a lei, sejam eles civis ou funcionários públicos; que eles, depois da punição, sejam compelidos a devolver o dinheiro que gastaram com seus erros propositais e, sobretudo, devolvam nosso JUDICIÁRIO seguidor das leis e da Constituição Federal, porque de LIGA DA JUSTIÇA, estamos fartos!!!
O autor é Advogado Criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, membro da Coordenação de Política Penitenciária da OAB/Nacional gestão (2022/2025), Coordenador da subcomissão de Direitos Humanos para o Sistema Prisional da OAB/Goiás (gestão 2022/2024) e Coordenador da Comissão Interestadual de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional junto ao Conselho Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia/GO, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).