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Espanha condena juiz ‘herói’ por abuso de poder

O juiz espanhol Baltasar Garzón, 56 anos, foi condenado ontem pe­­la Suprema Corte de seu país e, as­­sim, impedido de exercer a profissão por 11 anos. Como a idade de aposentadoria é 70 anos, restarão a ele três anos após a suspensão.
Espécie de celebridade do Di­­reito Internacional, alçado à fama por perseguir ditadores, Garzón foi acusado de exceder seus poderes. Ironicamente, a corte espanhola afirmou na decisão que as ações dele “são encontradas apenas em regimes totalitários”.
A condenação, decidida por sete juízes, foi unânime. Os ma­­gistrados afirmam que ele agiu arbitrariamente ao ordenar a gravação de conversas entre detentos e seus advogados.
Garzón aguarda o veredicto de outro julgamento, também pela acusação de abuso de poder – nesse caso, por iniciar um inquérito sobre as atrocidades cometidas durante a guerra civil espanhola. Os crimes estavam cobertos por uma lei de anistia de 1977.
Em 1998, num de seus casos mais famosos, o juiz acusou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006) de crimes contra a humanidade.
A ação justificou-se pelo princípio de jurisdição universal – alguns crimes, por tamanha gravidade, seriam passíveis de ser julgados em qualquer lugar. Im­­buído dessa ferramenta, Garzón propôs ações em locais como Ru­­anda (palco de um genocídio) e Ti­­bete (onde há repressão chinesa).
O status de celebridade trouxe inimigos na Espanha, especialmente entre colegas incomodados com as táticas utilizadas em processos e entre políticos conservadores que afirmam que Garzón se interessa mais por fama do que por justiça.
Totalitarismo
A condenação de ontem refere-se à decisão em 2009 de autorizar as gravações em prisões. O caso en­­volvia a suspeita de propina en­­volvendo políticos do Partido Po­­pular, do atual premiê Mariano Rajoy. Gravar conversas costuma ser aceito apenas em casos ligados a terrorismo.
Daí a nota emitida pelos juízes que o condenaram, de que suas ações foram totalitárias – condição em que “tudo é considerado jogo justo para obter informações que interessam ao Estado”.
Reagindo à condenação, a Co­­missão Internacional de Juris­­tas disse que a decisão do Su­­premo espanhol é “deplorável”. “Aplicar uma sanção penal contra um juiz que está fazendo seu trabalho é uma clara negação da independência judicial.”
Defesa
Magistrado vai recorrer de decisão
O juiz espanhol Baltasar Garzón afirmou ontem que pretende recorrer contra a condenação a 11 anos de impedimento do exercício profissional por ordenar escutas ilegais na investigação de um caso de corrupção.
“Recorrerei às vias legais correspondentes para combater esta sentença e exercerei todas as ações que forem pertinentes para tentar reduzir o prejuízo irreparável que os autores desta sentença cometeram”, afirmou em um comunicado.
O juiz denunciou uma condenação “injusta e predeterminada” com o “objetivo de acabar com um juiz correto”, comprometendo com isso “a independência dos juízes na Espanha”.
“Tomei todas as medidas para garantir o direito de defesa e a investigação de crimes muito graves relacionados à corrupção para evitar a continuidade delitiva da lavagem de dinheiro dos chefes mafiosos que utilizavam os advogados”, acrescentou.
O advogado de Garzón, Francisco Baena, disse que a condenação é “a morte de um profissional”.
“Dizer a um juiz que não pode ser juiz é igual a morrer. Ele está completamente abatido”, afirmou.
Baena recorrerá da decisão ao Tribunal Constitucional espanhol e declarou estar “otimista” em relação a um veredicto favorável a Garzón.

Entrevista

Jorge Fontoura Nogueira, professor titular do Instituto Rio Branco.
A atuação política no Judiciário de Baltasar Garzón e seu gosto por holofotes formaram uma combinação que, na opinião de Jorge Fontoura Nogueira, acabou por transformá-lo em vítima. Nogueira é doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular de Direito Internacional Público do Curso de Preparação à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco. O pesquisador conversou com a reportagem da Gazeta do Povo por telefone.
O juiz Baltasar Garzón foi condenado por ter ordenado gravações que revelam um esquema de corrupção. O argumento é que ele violou o direito de defesa dos réus. Mas não seria mais importante trazer a verdade à tona do que proteger os corruptos?
Garzón cometeu crimes de natureza profissional, vinculados ao abuso da autoridade e ao abuso do exercício investigatório. A magistratura não é palco para exercício político e ideológico. Um juiz que decide ideológica e politicamente é um elemento nocivo à democracia porque compromete o exercício dos poderes. Na função do juiz, os fins nunca justificam os meios. No exercício da jurisdição, é muito perigoso cometer uma ilegalidade para comprovar outra ilegalidade.
Se levarmos em conta o histórico de Garzón, de ter julgado o ex-ditador chileno Augusto Pinochet e agora tentar retomar julgamentos de crimes da ditadura franquista, a condenação que ocorreu agora pode ser considerada uma represália?
Ele está sendo vítima de um protagonismo que ele mesmo criou. Garzón se transformou em um personagem internacional, fez ativismo judicial – que é quando o juiz é pró-ativo, indo além do processo – principalmente no caso Pinochet. Ele se transformou em um grande defensor dos direitos humanos como valor internacional, desconsiderando as soberanias nacionais. Ele foi um juiz que gostava de falar à imprensa, isso também é um grande vício da atuação judiciária. “Um juiz deve dar sentenças e despachos, jamais entrevistas”, essa frase é do Milton Luiz Pereira, [ministro aposentado do STJ e que mora no Paraná]. Se ele só fizesse despachos e sentenças, provavelmente isso não estaria ocorrendo.
Esse tipo de condenação não intimida também outros juízes que venham a julgar casos de direitos humanos ou corrupção na Espanha?
Intimida juízes que violem a lei para fazer a lei. Juiz não deve ser um justiceiro. O juiz é um ator do Estado democrático de direito para aplicar as leis; as leis do Estado, não as leis da sua religião, do seu partido político, do seu credo ideológico.

A condenação

Leia abaixo os trechos da sentença que condenou o juiz espanhol Baltasar Garzón:
O crime
– Ao ditar a referida sentença, o acusado sabia que a previsão que textualmente dizia “ordenar a observação das comunicações pessoais que mantenham os citados internos com os advogados que se encontrem investigados na causa ou outros que mantenham entrevistas com eles” implicava que as comunicações dos internos que iam ser grampeadas, gravadas e escutadas incluíam as que eles levariam a cabo com todos os advogados, sem exceção alguma.
O fundamento
– O artigo 446 do Código Penal dispõe que “o juiz ou magistrado que, intencionalmente, ditar sentença ou resolução injusta será castigado com a pena de multa de 12 a 24 meses e inabilitação para emprego ou cargo público pelo tempo de 10 a 20 anos. Num sistema democrático como o regulado pela Constituição espanhola, o Poder Judiciário se legitima pela aplicação da lei a que está sujeito, e não pela simples imposição de suas vontades.
O Estado de Direito se vulnera quando o juiz, com o pretexto de aplicar a lei, atua só com sua própria subjetividade concretizada numa forma particular de entender a questão a resolver, substituindo assim o império da lei por um ato contrário de mero voluntarismo.
Direitos violados
– A sentença de Garzón implicou reduções muito substanciais de outros direitos relacionados. Em primeiro lugar, o direito do acusado a não prestar depoimento. Em segundo lugar, o direito ao sigilo profissional dos advogados. E em terceiro lugar, o direito à intimidade.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/
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