Fim da “saidinha temporária”: quando o remédio vira veneno
Por Paulo Sérgio de Oliveira[1]
A preocupante aprovação pelo Senado Federal do texto-base do Projeto de Lei 2.253/2022, que extingue as saídas temporárias dos presos que cumprem as penas em regime semiaberto, acionou um alerta na comunidade jurídica, especialmente aos dedicados à seara criminal e entidades sérias como o IBCCRIM e o IDDD.
Como se sabe, propostas como esta costumam voltar aos holofotes em anos de eleições. Este projeto de lei teve origem no antigo PL 583/2011, ou seja, estava adormecido há muito tempo nas gavetas do Legislativo Federal. Como bem desenhado no artigo do Carlos Eduardo Machado e Ignácio Machado, na Conjur de 18.02.2024, foi o apelo populista que o fez voltar a tramitar, porém, agora de forma ainda mais desastrosa, pois, ao ter recebido aprovação de urgência, suprimiu a deliberação pela Comissão de Constituição e Justiça.
O fato é que, para muito além de todos os retrocessos que isto representa, em termos de um caminhar para a ressocialização dos presos, preocupa ainda os efeitos deletérios que tal alteração legislativa poderá produzir nos superlotados interiores das penitenciárias.
Nada passa alheio ao sistema penitenciário como um todo. Não diferente, os eventos que ocorrem no interior dos presídios produzem uma comoção popular e, por consequência, propostas de recrudescimento penal. Na via oposta – num cenário onde, inegavelmente, facções dominam as cadeias – o tolhimento de benefícios aos presos poderá produzir efeitos nefastos dentro e fora das prisões.
Nos filiamos aos que entendem que não deveria ser suprimido o benefício das saídas temporárias de presos. Entretanto, partindo do pressuposto em que o que poderia justificar o tolhimento das chamadas “saidinhas” é o ínfimo número de casos em que os beneficiários cometem novos crimes no período em que desfrutam destes períodos, ou ainda, pela também escassa proporção de presos que não se apresentam nos retornos ao Sistema, há que se buscar alternativas que possam produzir efeitos direcionados apenas aos que fogem à regra geral. Assim, responde-se ao problema ser criar outros ainda mais graves.
Embora contrário ao recrudescimento das normais penais populistas, entendemos que poderia haver, a partir da nossa máxima: “entre o ideal e o razoável”, uma proposta que criasse, por exemplo, a “agravante” em crimes cometidos no período em que o réu estivesse em gozo da saída temporária. Algo como uma nova letra no inciso II do art. 61, do Código Penal. V.g.: Art. 61, II, “k”: “durante o período em que o agente estivesse em gozo de saída temporária”.
No tocante ao não retorno do preso após o período da “saidinha”, a nossa legislação já contempla as consequências, se mostrando desnecessário qualquer incremento legislativo, pois, dentro do processo da execução penal, garantindo-se a ampla defesa, poderá o juiz das execuções impor ao apenado que comete falta grave, o regresso ao regime fechado e ainda, a perda dos dias eventualmente remidos.
Enfim, este despretensioso artigo, obviamente não traz uma solução mágica para os problemas decorrentes do debate sobre as saídas temporárias de presos do regime semiaberto, mas busca mais do que criticar vieses, propor um ponto de equilíbrio e razoabilidade para o problema, na velha perspectiva utópica de que os nossos legisladores acessem e reflitam sobre a nossa proposta.
[1] Advogado criminalista. Mestre em Direito pela Universidade de Franca. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Processual Penal. Ex-diretor do IBCCRIM, associado da Abracrim e membro do IDDD.