Houve exagero nas prisões preventivas? Sim
“O estado de direito impõe limites ao juiz. Prisão preventiva sem prazo é estado de exceção”, diz Lenio Luiz Streck
ÉPOCA – O juiz Sergio Moro exagera ao manter indefinidas as prisões preventivas?
Lenio Luiz Streck – Evidente que sim. O estado de direito impõe limites ao juiz. Prisão preventiva sem prazo é estado de exceção. Moro, com esse modo de agir, cria um Código de Processo Penal próprio, o CPPMoro.
ÉPOCA – A existência de prazo para a prisão preventiva é uma polêmica. Como definir o que é longo?
Streck – O parâmetro já foi definido. O Conselho Nacional de Justiça coloca 168 dias. Claro que há exceções, em face da complexidade da causa. Direito não é ciência exata. Mas também não pode ser anárquica, em que o juiz diz qualquer coisa sobre a lei. Duas pessoas podem ver, cada uma, um barco diferente. Mas as duas veem um barco. Não um avião. Assim deve ser o Direito. Há limites. Isso se chama prazo razoável. Esse razoável deve ficar no meio, entre os limites impostos por uma tradição [168 dias], e calcular, no máximo, mais 50% desse prazo, com acréscimo se forem mais réus, mas nunca passando de um ano.
ÉPOCA – No pedido de prorrogação, o juiz Sergio Moro citou o fato de José Dirceu ter continuado a receber propina durante o julgamento do mensalão. Com esse histórico, é correto pressupor inocência plena?
Streck – Para soltar alguém não é necessário pressupor que seja inocente. Basta cumprir a Constituição, que assegura a garantia da presunção, e não a certeza da inocência. Isso não se coloca como condição para responder a um processo em liberdade. Os requisitos para a prisão estão na lei: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. O Estado-juiz tem de provar que a ordem pública ou a ordem econômica estão em perigo com a soltura do réu ou que a instrução criminal seja prejudicada ou que o réu possa fugir. Fora disso, não adianta dizer que o crime é grave. O STF já disse que a gravidade do crime não prende por si só. Mesmo quando presentes alguns desses elementos e o prazo for flagrantemente excessivo, o réu deve ser solto.
ÉPOCA – Em crimes de colarinho-branco, o risco de deixar alguém como José Dirceu solto, apenas com uma tornozeleira eletrônica, não é muito grande?
Streck – O que precisamos ter claro é que o Direito Penal é do fato e não do autor. Levada essa afirmação do “risco de fuga” a ferro e fogo, não haveria soltura alguma de réu do colarinho- branco. Na verdade, o ponto é outro: temos de evitar que nossos juízos morais e políticos se sobreponham às garantias. Em uma democracia, devemos admitir que até nossos inimigos tenham direitos. Direito não pode ser Fla-Flu. Nossos juízos morais não podem corrigir o Direito. Insisto nisso. O caso do goleiro Bruno [acusado por assassinato] é um exemplo. Ele ficou mais de cinco anos preso sem julgamento de segunda instância por causa da pressão moral. No caso José Dirceu, o problema é excesso de prazo mesmo. Os professores e operadores jurídicos deveriam ficar contentes com a decisão. Caso contrário, corre-se o risco de formar jurisprudência e qualquer pessoa poderá ficar presa preventivamente por anos.
Fonte: http://epoca.globo.com