Impactos Internacionais da Operação Lava-Jato
A Lava Jato e seus Impactos Internacionais
Por Sérgio Martins-Costa Coêlho
A operação Lava Jato é um fenômeno que, desde a sua gênese, reveste-se de um forte elemento transnacional. Quer se analisem as medidas de inteligência financeira, as provas obtidas mediante cooperação jurídica internacional ou a própria natureza dos delitos nela apurados, fato é que seria um grave equívoco considerar a Lava Jato como uma operação de dimensão estritamente doméstica. Por isso mesmo, os impactos políticos e jurídicos desta que é a maior operação de combate à corrupção do mundo também reverberam fortemente no plano interacional. É precisamente desta repercussão em âmbito jurídico que o presente artigo pretende se ocupar.
É inegável, nesse contexto, que a Lava Jato trouxe consigo grandes vantagens para a atuação do Brasil no combate à corrupção e à criminalidade transnacional como um todo. Destaca-se, com particular ênfase, o fortalecimento da cooperação jurídica internacional, seja pelo estreitamento de laços do Brasil com outros Estados, pela articulação interna entre órgãos cuja atuação é relevante para esta área, ou pela atuação intensificada em foros internacionais, tais como a ONU, a OEA, a OCDE.
Contudo, a despeito desses desdobramentos positivos, não se pode ignorar o incômodo fato de que a operação Lava Jato traz consigo uma série de práticas negativas que também têm forte impacto em escala global. Críticas à atuação dos órgãos estatais envolvidos na operação são abundantes e, de fato, práticas tais como a flexibilização de direitos e garantias fundamentais, as inovações e o ativismo judiciários, as interpretações inadequadamente extensivas de dispositivos da lei penal, o abuso das conduções coercitivas e dos acordos de colaboração premiada, a arbitrariedade das prisões preventivas e o desrespeito ao direito às prerrogativas de advogados, são realidades que merecem veemente oposição.
Note-se que os excessos praticados no âmbito das investigações e dos processos da Lava Jato não são somente um desrespeito à ordem constitucional estabelecida. Na verdade, eles vão de encontro a diversas normas internacionais, sobretudo referentes a Direitos Humanos, as quais o Brasil se comprometeu a observar e a respeitar e cujo descumprimento pode acarretar a responsabilização internacional do Estado brasileiro.
Com efeito, os direitos a um julgamento justo e digno, a um juiz imparcial, a uma defesa ampla, a um processo transparente, à presunção de inocência e ao devido processo legal, à integridade física e psíquica, estão todos expressos em tratados internacionais devidamente assinados e ratificados pelo Brasil e, por isso mesmo, podem ter a sua observância demandada nos foros internacionais competentes.
Nesse contexto, o caso do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva perante as Nações Unidas, de certa forma, inaugurou uma nova etapa e uma nova frente de atuação no âmbito da operação Lava Jato. Entretanto, a verdade é que a dimensão dos excessos observados no bojo da operação demanda uma ação mais ampla e intensa, capaz de refletir e de combater o mau funcionamento do sistema judiciário como um todo e de garantir, no plano internacional, que o Brasil seja responsabilizado pela conduta indevida dos seus agentes. Nesse sentido, cabe a nós, advogados, trilhar esse caminho junto a órgãos de supervisão de tratados e a Cortes Internacionais para, quiçá, preservar o caráter democrático da Justiça no Brasil que hoje encontra-se sob forte ameaça.