Ingerência prisional do Estado de Goiás: Lei Estadual nº 19.962/2018
Em decorrência das várias rebeliões no Complexo Prisional do Estado de Goiás ocorridas logo nos primeiros dias do ano, foi publicada a Lei Estadual nº 19.962, de 3.1.2018 (publicada no Diário Oficial/GO no 22.721, de 4.1.2018), que “introduz alterações na estrutura básica e complementar da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária, altera a sua denominação para Secretaria de Estado da Segurança Pública e dá outras providências”.
A Lei que criou a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) e permitiu ao Executivo a gestão da vaga prisional, estabeleceu a “autonomia e independência do órgão estadual de administração penitenciária para gestão de vagas, implantação e movimentação dos encarcerados” (art. 1º, III).
Ao falar do referido diploma legal por ocasião de sua posse, o coronel Edson Costa, novo diretor geral de Administração Penitenciária, deixou claro, dentre outros pontos, que o remanejamento dos apenados não dependeria mais de decisão da Justiça. Segundo ele, inclusive, “não adianta advogado recorrer” (sic).
Ocorre que o provimento legislativo e as considerações do diretor geral merecem algumas reflexões.
Inicialmente, a Lei nº 19.962/2018 aparenta não padecer de inconstitucionalidade formal, visto que o constituinte conferiu aos Estados-membros competência concorrente para legislar sobre direito penitenciário (art. 24, I, CF).
Contudo, objetivando à manutenção da ordem e à preservação da segurança nos presídios, o legislador (federal) direcionou a execução da pena à competência do Juízo das Execuções Penais, obedecido o procedimento especialíssimo da Lei nº 7.210/80 (Lei de Execução Penal – LEP).
Desse modo, a Lei Estadual nº 19.962/2018 parece afrontar os arts. 2º, 65, 66, incisos V, letra “h”, e VI, assim como o art. 86, §§ 1º e 3º, todos da Lei Federal nº 7.210/80, os quais dispõem caber ao Juiz da execução (Poder Judiciário) zelar pelo correto cumprimento da pena, competindo-lhe determinar, por exemplo, a remoção do condenado, ou a definição do estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos.
Por fim, a despeito de se buscar solucionar os conflitos que abatem o sistema prisional do Estado de Goiás, não se pode olvidar do princípio da legalidade (art. 37, CF) ou mesmo dos preceitos insculpidos nos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV e 133, ambos da Constituição Federal, os quais refutam, por si só, a lamentosa advertência no sentido de que “não adiantaria o advogado recorrer”; afinal, em nossa sociedade contemporânea, o exercício do direito de cidadania não prescinde da presença do advogado(a).
Portanto, apesar de urgir a reorganização do sistema prisional no Estado de Goiás, o Poder Judiciário deverá ser chamado a se pronunciar acerca da ineficácia da Lei Estadual nº 19.962/2018 em detrimento da Lei Federal nº 7.210/80.
(Roberto Serra da Silva Maia é advogado, professor universitário, Diretor Tesoureiro da OAB-GO, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, e Conselheiro Nacional da Advocacia Criminal da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas)