Interrogatório sub-reptício
INTERROGATÓRIO SUB-REPTÍCIO
Na advocacia criminal, infelizmente, é comum se deparar com autoridades policiais que desrespeitam os direitos de investigados.
A recente lei 13.869/2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, veio em bom momento para o mundo jurídico, pois protege toda a sociedade contra eventuais abusos do estado.
O interrogatório sub-reptício é aquele que foi colhido ou melhor, produzido, sem observar as exigências contidas no código de processo penal. O STF utilizou o termo “interrogatório sub-reptício” para fazer referência ao interrogatório informal, despido legalidade e com afronta direta ao texto constitucional, especificamente aos princípios da presunção de inocência, do direito de defesa e do próprio devido processo legal.
Um bom exemplo para contextualizar o princípio, é a gravação ambiente entre a conversa informal do acusado com a autoridade policial.
Assim decidiu o eminente ministro aposentado do STF, doutor SEPÚLVEDA PERTENCE, no HC 80.949-RJ:
EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita.
1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal.
II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais.
2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação.
III. Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais.
3. Ilicitude decorrente – quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental – de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub-reptício, o qual – além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio.
4. O privilégio contra a auto-incriminação – nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não.
IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores.
5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito – mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial.
6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado.
7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido.
8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assentimento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha.
V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree).
9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido.
No julgado acima colacionado, o eminente Ministro faz referência ao princípio nemo tenetur se detegere, que elenca o direito a não autoincriminação. Tal princípio garante ao acusado, que não seja obrigado a produzir provas contra si, podendo permanecer em silencio, decidindo durante o processo ou investigação se deseja cooperar ou não!
O art.186 do Código de Processo Penal prevê que o interrogado, após ser qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
O interrogado precisa saber que seu silencio não importará em confissão e nem em interpretação prejudicial para o seu processo.
Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas nos autos do processo penal, também devem ser desentranhadas as provas ilícitas por derivação, respeitando os ensinamentos da teoria da arvore envenenada.
No brasil o interrogatório sub-reptício não é admitido, de forma alguma. De modo que, o interrogatório do acusado deve respeitar sempre as formalidades contidas nos art. 6º, inciso V, 185 e 186, ambos Código de Processo Penal.