Julgamento e linchamento das redes sociais são antítese da ideia de Justiça
Por Alberto Zacharias Toron
*Artigo publicado originalmente na edição deste domingo (2/4) do jornal Folha de S.Paulo com o título “Linchamento popular e julgamento judicial”.
O juiz federal Marcelo Bretas, considerado por muitos ainda mais rigoroso que Sergio Moro, concedeu à advogada Adriana Ancelmo o direito de ficar presa em regime domiciliar nos termos da recente lei 13.257, de 2016.
O Ministério Público Federal não concordou e, além de recorrer, impetrou mandado de segurança para conseguir o que a lei não lhe dá, isto é, efeito suspensivo ao recurso para mantê-la presa em Bangu.
O desembargador federal Abel Gomes entendeu que Adriana não poderia ir para a sua casa, pois “em regra não se concede prisão domiciliar automaticamente às diversas mulheres presas e acusadas pelos mais diferentes crimes, apenas porque tenham filhos menores de até 12 anos de idade”.
Assim, para evitar que a mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral pudesse “vir a ser solta e presa novamente caso o recurso do MPF seja provido posteriormente”, não a deixou ir para casa.
Desconsiderando que a lei é nova e, portanto, ainda de pouca aplicação, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça e outros tribunais do país têm concedido o direito de mães ficarem com seus filhos em casa em casos até mais graves que o de Adriana Ancelmo.
Isso vem ocorrendo, por exemplo, em crimes de tráfico de drogas e até extorsão mediante sequestro, tortura e outros.
O ponto, porém, é que o STJ e o Supremo Tribunal Federal, de longa data, firmaram o entendimento de que o mandado de segurança não pode ser utilizado como um Habeas Corpus às avessas, isto é, para mandar prender dando efeito suspensivo a recurso do MPF sem previsão legal.
Daí porque a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, cassou a decisão ilegal do desembargador e restabeleceu a do juiz Bretas.
Era, do ponto de vista do direito, uma questão tranquila e puramente técnica. Mas foi o bastante para a ministra ser xingada pelas redes sociais, com afirmações ofensivas e inverídicas como a de que era “especialista em conceder liminar em Habeas Corpus para soltar criminosos”.
Carlos Heitor Cony já disse que a internet está se tornando uma espécie de porta de banheiro público onde as pessoas escrevem o que querem. Umberto Eco, mais incisivo, afirmou que as mídias sociais dão voz a uma legião de imbecis. Infelizmente, é verdade. Imperam a irresponsabilidade e a covardia do anonimato.
A prevalecerem comentários que achincalham os juízes apenas por terem aplicado a lei, reconhecendo direitos a acusados estigmatizados por crimes que ainda estão sendo apurados, vamos chegar ao ponto em que o magistrado só será legitimado ou homenageado quando mandar o réu para a cadeia, ainda que cometendo uma ilegalidade.
Para isso não precisaremos mais de juízes ou mesmo de tribunais. Basta a Rota na rua ou os policiais militares que, recentemente, executaram dois suspeitos na cidade do Rio de Janeiro.
Convenha-se que a reconstrução da democracia não deve tolerar soluções que se afinam com a barbárie. Ao contrário, o combate à criminalidade deve ser feito com respeito à legalidade.
Justiça sumária, linchamentos e outras soluções alternativas só fortalecem a prepotência e são, obviamente, a antítese da própria ideia de justiça.
Por fim, a ministra Maria Thereza, o desembargador Abel Gomes e o juiz Marcelo Bretas merecem respeito pelas suas decisões, ainda que delas não gostemos.
O papel contra-majoritário do Judiciário aviva o que de mais caro temos na democracia: o respeito a direitos e garantias individuais.
Fonte: www.conjur.com.br