Legítima Defesa e a Pena de Morte no Brasil – Por Jeffrey Chiquini
Por Jeffrey Chiquini – 30/09/2016
A favor ou contra, sabemos que muito se tem discutido no país sobre a possibilidade de ser implementada pena de morte no Brasil, em razão do aumento da criminalidade. Os que clamam pela sua implementação afirmam que esta pena seria ideal para inibir a prática de crimes graves.
Porém, a Constituição Federal, visando impedir qualquer retrocesso na cominação das penas, expressamente preceitua em seu art. 5º, inciso XLVII, que “não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, e de caráter perpétuo”.
Essa proibição constitucional parte de um dos principais fundamentos do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana, previsto art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
A partir do século XVIII, conhecido como Século das Luzes, a qualidade das penas passou por algumas transformações. O corpo do condenado não mais sofreria a pena pelo mal por ele produzido. Segundo Foucalt[1] os suplícios, que eram a arte de reter a vida no sofrimento, foram gradativamente sendo abolidos. Estava iniciando, portanto, a transição das penas corporais para as penas privativas de liberdade, em respeito à dignidade da pessoa humana.
Ferrajo afirma que “acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade da pena[2]”. Para ele é exatamente neste valor que se rechaça a pena de morte.
O Estado que mata, não só perde sua legitimidade, sua razão de ser, como também coloca-se no mesmo nível do delinquente, afirma o jurista italiano.
A vedação à pena de morte, como vimos, está prevista na Constituição da República, no Capítulo I do Título II, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Por isso, é considerada cláusula pétrea. Assim, segundo art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, da CF, nem mesmo emenda constitucional poderia relativizá-la. Preceitua o mencionado dispositivo que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”.
O professor Fábio Konder Comparato vai além e afirma que “em matéria de direitos humanos, não se admitem regressões, por meio de revogação normativa, ainda que efetuada por diplomas jurídicos de hierarquia superior àquele em que foram tais direitos anteriormente declarados. Se, por exemplo, a pena de morte é abolida por norma constitucional, o advento de nova Constituição não pode restabelecê-la[3]”.
Embora a pena de morte seja ainda adotada por muitos países, considerados, inclusive, mais desenvolvidos que o nosso, a tendência mundial é no sentido da abolição da pena de morte, como ocorreu no Brasil.
Salienta-se, que a única exceção existente no Brasil quanto à aplicação da pena de morte está prevista no art. 56 do Código Penal Militar e ocorrerá nos casos de guerra declarada com país estrangeiro (art. 84, XIX, da CF), e será executada por fuzilamento.
Os Estados Unidos e o Japão são as únicas democracias formais do espaço político conhecido como Ocidente que seguem aplicando a pena de morte. Dos 50 Estados Americanos, 38 aplicam a pena de morte, sendo o Estado do Texas o recordista em execuções.
Maurício Antônio Ribeiro Lopes[4], diz que a pena de morte “deve ser reputada como algo que conflita com o princípio da humanidade, que veda o tratamento desumano e degradante, pois se a pena tem função terapêutica, reeducadora e socializante, não pode haver pena de morte”.
Entretanto, a legítima defesa não deve ser considerada e tratada como pena de morte, pois que a ação amparada por este instituto penal não visa à morte do agressor, mas sim e exclusivamente a cessação da injusta agressão.
A legítima defesa está prevista no Código Penal, em seu art. 25 e é considera norma de permissão que tem como objetivo limitar o direito de punir do Estado. Assim afirma o art. 25 do Código Penal que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Ou seja, a legítima defesa não se equipara à pena de morte, pois que o Estado não ordena que se mate alguém, mas apenas permite que o agente, em determinadas circunstâncias e respeitando-se determinados requisitos, venha a lesionar direito de outrem para proteger o seu ou de terceiro, desde que para tal se utilize moderadamente dos meios necessários.
A legítima defesa é uma norma penal permissiva, como dito, e não norma penal mandamental. Isto é. O Estado apenas permite que o bem jurídico daquele que injustamente está agredindo, ou na iminência de agredir alguém, venha a ser lesionado por aquele que tem como fim repelir esta injusta agressão que não provocou.
Quando o Estado assim permite, por meio de norma penal, que alguém se utilize da força para se defender (autotutela), acaba por declarar sua ineficiência em proteger todos os cidadãos. Por isso deixa de punir, neste caso, aquele que com o fim de proteger direito seu ou de terceiro acaba lesionando bem jurídico de outrem, isto é, do agressor. Em razão disso, conclui-se que o instituto penal da legítima defesa tem como objetivo limitar o direito de punir do Estado, pois este não poderá punir aquele que sanou sua deficiência e protegeu bem jurídico que caberia a ele tutelar.
Quando o Estado, através do direito penal, permiti a ação em legítima defesa, em verdade, não está ordenando a morte do agressor, mas sim e apenas impedindo a punição desnecessária do agredido, pois que sua ação restou justificada, vez que se utilizou da força apenas para se defender, para proteger bem jurídico tutelado pela norma.
A legítima defesa, então, não é a pena de morte do agressor, mas sim e apenas o atestado de liberdade do agredido. É instituto limitador da pretensão punitiva estatal, que visa impedir a punição desnecessária do agredido. Trata-se, em verdade, de norma penal não incriminadora permissiva que tem como fim garantir aos cidadãos maior segurança jurídica quanto à punição, limitando o poder punitivo totalitário do Estado, posto que acaba por vincular o julgador, limitando seu juízo discricionário quanto à punição.
A criação e aplicação deste instituto penal é consequência natural do Estado Democrático de Direito, onde se tem um Estado juiz estritamente vinculado à lei.
Concluindo, a legitima defesa não visa a pena, mas visa evitar a pena, posto que é causa de exclusão do próprio crime. Isto é, uma vez preenchido seus requisitos não há que se falar em crime por parte daquele que lesionou bem jurídico de terceiro, pois que agiu amparado por norma de permissão e, por isso, sua conduta é considerada lícita.
A legítima defesa não visa à pena de morte do agressor, pois, como dito, é norma penal não incriminadora permissiva. O Estado não ordena à lesão do agressor, mas apenas permite que, em determinadas circunstâncias e respeitando-se determinados requisitos, seu direito seja lesionado em detrimento do direito do agredido.
Então, ao criar tal instituto, o Estado, em verdade, visou proteger o direito fundamental a vida, pois permitiu que o agente em defesa deste direito venha a lesionar direito de outrem.
O Estado não criou o instituto penal da legítima defesa visando o agressor, mas sim o agredido, protegendo-o da punição desnecessária, assegurando seu direito fundamental à vida e, principalmente, à liberdade, garantindo-a.
O direito penal, por meio desse instituto, visa à limitação do poder punitivo e não sua efetivação.
Assim, mais que evidente está que ao permitir a ação em legítima defesa, o Estado não atestou a pena de morte do agressor, mas apenas declarou sua limitação quanto à aplicação da pena em desfavor daquele que deste instituto se utilizar. Tanto o é que impôs limites quanto à ação em legítima defesa. Ou seja, deverá o agente utilizar moderadamente dos meios necessários à repelir a injusta agressão. Isto é, a finalidade do agente que age em legítima defesa deve ser apenas de cessar/repelir a injusta agressão atual ou iminente, e não a morte do agressor. A ação em legítima defesa está vinculada à cessação da injusta agressão e não à morte do agressor. Uma vez cessada esta injusta agressão a repulsa do agredido deve também cessar, sob pena de responder pelo excesso que causar dolosa ou culposamente.
Notas e Referências:
[1] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 31.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, p. 318.
[3] A afirmação histórica dos direitos humanos, p. 291.
[4] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Teoria constitucional do direito penal.
Jeffrey Chiquini é Advogado criminalista, professor de direito penal nas Faculdades Opet, professor de processo penal na Escola da Magistratura Federal (ESMAFE) e professor de direito penal e processo penal em cursos preparatórios para concursos públicos…
Fonte: http://emporiododireito.com.br/