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Marcas indeléveis de 2016

Por: Rodrigo Lustosa
Já estamos em 2017, no entanto, o cume de arbítrio e arbitrariedades ocorridas no ano que há pouco se foi, seguramente ecoará por longo período, mostrando como amplos setores da sociedade brasileira referendam práticas violentas, representativas de autêntico retrocesso civilizatório.
Refiro-me à crescente insurgência contra a Constituição Federal, através do contínuo “reinterpretar” de seu texto, de forma a acomodar livremente, como não houvesse moldura semântica, a visão de mundo dos julgadores.
Com emprego deste método foram reduzidas ou, na prática, abolidas garantias individuais (o que é próprio de regimes e culturas autoritárias) e, paralelamente, aumentou-se sobremaneira o poder do estado-juiz. Exemplificativamente se pode mencionar o uso sistemático de prisões processuais e conduções coercitivas, a fim de forçar o indivíduo a produzir provas contra si e a utilização do cárcere para manejo do chamado “dilema do prisioneiro” – situação em que um preso é incentivado a defraudar outro, mediante promessa de benefícios.
Estes abusos foram percebidos por parcela significativa da população como avanços, afinal, como dizem, “pela primeira vez poderosos estão sendo encarcerados e a corrupção está sendo combatida”, ou seja, para muitos o julgamento moral – o triunfo do bem sobre o mal – deve se sobrepor ao acatamento das normas legais, de modo que em nome do que é “certo” e “justo” a Constituição pode ser reinventada. Ignoram que o ato de punir somente se legitima quando há um julgamento em que as garantias do acusado são respeitadas. As pessoas não podem ser presas e nem conduzidas coercitivamente para confessar, mesmo que estas sejam as únicas formas de se “combater o crime”.
A repulsa a direitos tão elementares admite variadas explicações. Uma delas, dada pelo crítico literário e sociólogo Roberto Schwarz, atribui o não enraizamento local destas garantias às enormes diferenças culturais havidas entre o mundo gestor de tal normatividade (Europa dos Séculos XVIII e XIX) e a realidade brasileira de então, uma sociedade patrimonialista e, ainda, escravagista.
Seja como for, este longo processo de estranhamento e negação de direitos próprios da civilidade ocidental-cristã parece ter atingido seu ápice simbólico em 2016, ano que se fará perene por seus efeitos deletérios, mas que a memória social desejará esquecer.
Rodrigo Lustosa é Advogado Criminal, Professor, Conselheiro da OAB-GO e membro da ABRACRIM.

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