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Michel Temer, Joesley Batista e as regras do jogo. Rápida análise da legalidade da gravação ambiental neste caso

Conforme consta do pedido de instauração de investigação contra o presidente da República[1] MICHEL TEMER, senador AÉCIO NEVES e o deputado federal ROCHA LOURES, membros do grupo empresarial J&F, entre eles JOESLEY MENDONÇA BATISTA, procuraram o Ministério Público Federal com o objetivo de entabularem acordo de colaboração premiada, haja vista as inúmeras investigações que sofrem as empresas do conglomerado empresarial.
Na oportunidade, entregaram elementos de prova contra os agentes públicos acima citados, e, dentre estas provas, destaca-se a gravação ambientalrealizada por JOESLEY na presença de MICHEL TEMER, sem o consentimento deste, nas dependências do Palácio Jaburu, durante uma conversa entre ambos, após encontro agendado pelo primeiro.
Cumpre agora, em poucas e despretensiosas linhas, avaliar-se a legalidade da prova enviada. De início, importante diferenciar-se gravação de interceptação. Segundo MENDES e GONET BRANCO[2]: “A interceptaçãoé a captação de conversa realizada por um terceiro, com ou sem o conhecimento de um dos interlocutores. Por exemplo, o denominado grampo telefônico. Por outro lado, se a captação da conversa é feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, tem-se a gravação clandestina”.
Já a gravação ambiental “é a captação no ambiente da comunicação feita por um dos comunicadores (ex. Gravador, câmeras ocultas, etc)”, conforme expõem GOMES e MACIEL[3]. Neste conceito é que se enquadra o ato perpetrado por JOESLEY BATISTA.
A gravação ambiental, atualmente, é prevista pela Lei nº 12.850/2013, a qual, dentre outros assuntos, disciplina os meios de obtenção de prova nos crimes praticados por organização criminosa. Veja-se: “Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: (…) II – captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (…)” (grifou-se).
É certo que o legislador utilizou a expressão captação ambiental, ao invés de gravação ambiental, mas isto com a intenção de englobar na previsão legal tanto a escuta ambiental (captação de uma comunicação, no ambiente dela, feita por terceiro, com o consentimento de um dos comunicadores[4]), quanto a gravação ambiental, já conceituada.
Realizar uma gravação ambiental, tão somente, não configura ilícito penal nem agride qualquer norma de direito processual, embora, por evidente, revele-se como indevida violação à intimidade de outrem[5]. Este regramento tem status constitucional, como se vê do art. 5º, X e XII, pois a privacidade, nestes casos, encontra abrigo contra violações. Todavia, terá relevância jurídica a divulgação do conteúdo clandestinamente gravado, podendo, além das repercussões cíveis, configurar o delito previsto no art. 153 do CP[6].
Agrava-se ainda mais a situação, na medida em que a “captação ambiental” prevista na Lei nº 12.850/2013 depende de prévia autorização judicial, após requerimento dos órgãos de persecução criminal, como também dependem todas as outras intervenções de meios de prova previstas no art. 3º da referida Lei.
Considerando que a gravação de JOESLEY não fora precedida por autorização judicial, revela-se, neste ponto, ilegal, e somente uma “justa causa” (excludente de ilicitude) poderia legitimá-la. A legítima defesa seria uma delas? O estado de necessidade? Sim, são justas causas que poderiam excepcionar a utilização de provas obtidas por meios ilícitos no curso do processo penal, conforme já admite a melhor doutrina, a exemplo de MORAIS DA ROSA[7]:
A proporcionalidade é juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito que autoriza que o acusado, como fim de se defender de acusação injusta, possa se valer, com moderação – porque é inadmissível a tortura, por exemplo – de meios ilícitos de obtenção (interceptação de dados, telefone, correspondência, etc.) com a pretensão de garantir a sua inocência”.
Mas no caso em comento não se trata de legítima defesa ou de estado de necessidade[8] ou qualquer outra causa legitimadora, ainda que supralegal.
Continuando, a mesma prova ilícita, entrementes, não poderia ser utilizada para incriminação. Esta indagação é percuciente na obra de LOPES JR[9]: “(…) se, em determinado processo criminal, admite-se a prova ilícita porque benéfica ao réu (proporcionalidade pro reo), pode-se, após, utilizar essa prova para outro processo penal punir terceiros?
O processualista gaúcho já traz seu posicionamento e afiança: “Entendemos que não. Essa prova ilícita, que excepcionalmente está sendo admitida para evitar o absurdo que representa a condenação de um inocente, não pode ser utilizada contra terceiro”[10].
É a mesma posição que defende MORAIS DA ROSA, [11] ao assinalar:
Essa mesma prova, contudo, não pode ser utilizada para punir ninguém. Ela somente serve para arredar a responsabilidade penal e jamais para atribuir responsabilidade penal a terceiro, além do acusado não responder criminalmente pela ação”.
Diferentemente se põe o escólio de CASTANHO DE CARVALHO[12], ao excepcionar a prova ilícita (neste caso, a gravação clandestina/escuta telefônica) inserida no contexto amplo da defesa, ainda que incrimine outrem. Veja-se:
“Deve-se considerar perfeitamente lícita a gravação clandestina. Tanto para o réu que a grava para defender-se em processo criminal como para aquele interlocutor que a grava para incriminar, desde que sua ação seja circunscrita ao âmbito do razoável direito de defesa em sentido amplo.
Urge ainda esclarecer que a gravação ambiental efetivada em local público constitui-se como exceção, pois não viola, segundo o entendimento dos tribunais, o direito à privacidade:
PENAL. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DEPOIMENTOS PRESTADOS POR AGENTES POLICIAIS QUE PARTICIPARAM DA ABORDAGEM E PRISÃO EM FLAGRANTE DOS RÉUS. VALIDADE. FLAGRANTE PREPARADO E CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM LOCAL PÚBLICO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIAS DAS PENAS MANTIDAS. SÚMULA N. 444 DO STJ. APELAÇÕES DO MPF E DAS DEFESAS DESPROVIDAS. 1. Materialidade, autoria e dolo comprovados quanto ao delito de corrupção ativa em relação a todos os réus e, também, quanto ao porte ilegal de arma de fogo em relação ao corréu Ronaldo Correia da Silva. 2. A jurisprudência considera válido o depoimento prestado por agente policial que participou das investigações concernentes aos fatos narrados pela denúncia, sobretudo se estiver em consonância com outros elementos probatórios. 3. Não há que se falar em flagrante preparado ou provocado, em que a Polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede que ele se consume (STF, Súmula n. 145). A abordagem policial que culminou na prisão dos réus trata-se de flagrante esperado, haja vista que não houve prévia instigação ao cometimento do delito. 4. As imagens/filmagens não precisam de autorização judicial, notadamente por ser obtida a partir de gravação ambiental em via pública de modo que não há que se falar em direito à intimidade ou ao segredo. Ademais, a condenação não se deu com base exclusivamente nessa prova, uma vez que as filmagens da entrega do dinheiro aos policiais foi um mero exaurimento do delito que já havia sido consumado anteriormente quando da oferta. 5. Dosimetria. “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. ” (Súmula n. 444 do STJ). Penas privativas de liberdade e multas mantidas tais como fixadas na sentença. 6. Apelações do MPF e das defesas desprovidas. Sentença mantida em sua integralidade. (TRF 03ª R.; ACr 0001235-73.2011.4.03.6118; Quinta Turma; Rel. Des. Fed. André Custódio Nekatschalow; Julg. 26/09/2016; DEJF 03/10/2016) (grifou-se)
ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREFEITO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INTERIOR DE RESIDÊNCIA. PROVA ILÍCITA. ALEGAÇÃO EM CONTRARRAZÕES. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO REGIONAL. IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. FUNDAMENTO DIVERSO. DESPROVIMENTO. 1. É facultado ao relator decidir monocraticamente os feitos, nos casos em que aplicável o art. 36, § 6º, do RITSE. 2. A alegação de ilicitude da prova pode ser trazida em contrarrazões, haja vista que o juízo a quo a considerou lícita, julgando, porém, improcedente a AIJE, em razão de a conduta descrita não se amoldar ao tipo do art. 41 – A da Lei nº 9.504/97. 3. A gravação ambiental realizada no interior de residência, sem o conhecimento da parte e desprovida de autorização judicial, deve ser considerada ilícita, conforme jurisprudência do TSE. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (Tribunal Superior Eleitoral TSE; AgRg-REsp 542-84.2012.6.25.0004; SE; Relª Minª Luciana Lóssio; Julg. 29/03/2016; DJETSE 25/04/2016; Pág. 36) (grifou-se)
A atual jurisprudência confirma a utilização de gravação ambiental no processo crime com o objetivo de se preservar diante de atuação desvirtuada da legalidade:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONCUSSÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REVISÃO. MATÉRIA JÁ ANALISADA EM HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. FRAGILIDADE DA CONDENAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO CABIMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. CAPTAÇÃO POR UM DOS INTERLOCUTORES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Tendo a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de anterior habeas corpus impetrado em favor do agravante, examinado o pleito de revisão da dosimetria da pena, oportunidade em que afastou a arguição de ilegalidade, mantendo a reprimenda de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 150 dias-multa, incabível a reapreciação da questão em Recurso Especial. 2. Se o tribunal de origem, soberano na análise do material cognitivo, concluiu que o juiz sentenciante analisou as provas produzidas na fase inquisitorial em consonância com os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, não há falar em violação do art. 155 do CPP, uma vez que, observado o princípio do livre convencimento motivado, o magistrado pode formar sua convicção ponderando as provas que desejar. 3. Verificar a fragilidade do conjunto fático-probatório encontra óbice no enunciado sumular 7/STJ, o qual veda o reexame de provas na estreita via do Recurso Especial. 4. É pacífico, neste Superior Tribunal e no pretório Excelso, que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, com o objetivo de preservar-se diante de atuação desvirtuada da legalidade, prescinde de autorização judicial (rhc 31.356/pi, Rel. Ministra Maria thereza de Assis moura, sexta turma, julgado em 11/3/2014, dje 24/3/2014). 5. Agravo regimental improvido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; AgRg-REsp 1.205.036; Proc. 2010/0145023-0; MS; Sexta Turma; Rel. Min. Nefi Cordeiro; DJE 11/12/2015) CPP, art. 155 (grifou-se)
Diante do que se expôs, agora se pode estabelecer alguns contornos. A gravação ambiental de JOESLEY com o presidente da República MICHEL TEMER pode até servir para exercício como meio de prova em seu favor (proporcionalidade pro reo), mas é ilegal para fins de incriminação de terceiros, pois não precedida de autorização judicial, não excepcionada por qualquer excludente de ilicitude ou qualquer outra causa supralegal e produzida em ambiente particular.
Como bem afirma ANDRADE[13] a respeito das regras legais e constitucionais da obtenção dos meios de prova, “o Estado cairá em contradição normativa e comprometerá a legitimação da própria pena se, para impor o direito, tiver de recorrer, ele próprio, ao ilícito criminal” (grifou-se). Seguidamente argumenta, citando K. AMELUNG, “o fim da pena é a confirmação das normas do mínimo ético, cristalizado nas leis penais. Esta demonstração será frustrada se o próprio estado violar o mínimo ético para lograr a aplicação de uma pena. Desse modo, ele mostra que pode valer a pena violar qualquer norma fundamental cuja vigência o direito penal se propõe precisamente assegurar”.
Ainda assim, o tema não é pacífico. O Supremo Tribunal Federal terá diante de si caso sui generis, que não comporta a aplicação dos precedentes da Corte, segundo apontou ZENKNER SCHMIDT em contribuição a um artigo na revista eletrônica Conjur[14].


[1] Encontrado em http://www.conjur.com.br/2017-mai-20/gravacao-temer-autorizacao-testara-jurisprudencia-corte. Acesso em 11 Maio 2017.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 7 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 647.
[3] GOMES, Luiz Flávio. MACIEL, Silvio. Interceptação telefônica. In, Legislação Penal Especial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 536 (coordenação, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha).
[4] Idem, Ibidem.
[5] Idem, p. 537.
[6] Art. 153 – Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
[7] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 3 Ed. Florianópolis: 2016, p. 399.
[8] ZAFFARONI e PIERANGELI asseveram que “a legítima defesa surge de uma situação de necessidade, o que a vincula a outra causa de justificação: o estado de necessidade. Não obstante, ambas se mantêm nitidamente separadas: no estado de necessidade se faz necessário um meio lesivo para evitar um mal maior, enquanto, na legítima defesa, o meio lesivo se faz necessário para repelir uma agressão antijurídica”. In ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 11 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 519.
[9] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 14 Ed. São Paulo: 2017, p. 399.
[10] Idem, ibidem.
[11] MORAIS DA ROSA, 2016, p. 399.
[12] CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição – princípios constitucionais do processo penal. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 119.
[13] ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 15.
[14] “Jamais o STF analisou questão tão complexa, e isso recomenda que se evite, desde já, a retórica dos precedentes. É um caso peculiar que merece ser enfrentado com premissas distintas”. Encontrado em http://www.conjur.com.br/2017-mai-20/gravacao-temer-autorizacao-testara-jurisprudencia-corte. Acesso em 11 Jun 2017.
Jimmy Deyglisson, advogado criminalista, vice-presidente da ABRACRIM-MA.

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