Minha trajetória na advocacia: da resistência ao pleno gozo
Samantha de Andrade*
Uma grande verdade sobre mim que talvez poucos saibam: eu nunca quis advogar!
Quando recebi o gentil convite para escrever o artigo do mês de outubro da ABRACRImMulherSC sobre a minha militância como advogada, não tive a dimensão do quanto as reflexões que fiz para poder redigir essas poucas linhas poderiam me reconectar com a minha história e me fazer rememorar uma resistência inicial.
Embora, há muito, eu não tenha a menor dúvida sobre o acerto da minha escolha profissional, nem sempre foi assim.
Hoje, sentada em minha sala perfumada por um incenso recém aceso, enquanto saboreio uma xícara de café preto e amargo e reflito acerca da minha trajetória na advocacia para poder escrever algumas linhas sobre alguma questão relacionada à militância diária, não posso deixar de sorrir com gratidão pela naturalidade com que as escolhas que fiz inicialmente mudaram por completo ao longo dos anos.
Meu pai é advogado. Desde 1983 tem um escritório que, em 1996, quando eu passava pela clássica fase de escolher qual vestibular prestaria, estava em plena atividade e já contava com tradição e notoriedade. Por consequência, sendo eu a caçula de um total de três filhos e não tendo que os dois mais velhos seguido a carreira do pai, havia, a toda evidência, uma certa expectativa e até cobrança para que eu desse continuidade à tradição familiar.
E foi assim que eu, após breve dúvida entre os cursos de Ciência Política e Direito, optei por esse último e fui aprovada na primeira tentativa, dando início à minha graduação no ano de 1997.
Todavia, apesar da escolha, uma certeza eu tinha: eu não queria advogar!
Lembrei disso ao recordar do saudoso professor Pedro Antônio Severino, perguntando aos calouros do 1º período da faculdade de Direito, em Itajaí, sobre os objetivos que cada um de nós almejava alcançar após a conclusão do curso e eu não tive dúvidas em responder que queria ser juíza. Era essa a minha certeza.
Penso que essa “certeza” decorria, e muito, da admiração que sempre tive pelo sócio que meu pai teve no escritório de advocacia dele, Dr. Álvaro Antônio José Pille, juiz aposentado e que, desde minha segunda infância, me encantava com suas histórias, seu copo de whisky cowboy, sua risada larga e seu anel com uma pedra vermelha gigante, que ele contava ter recebido de presente quando foi aprovado no concurso da magistratura.
Também acreditava eu, naquela época e sem a vivência de hoje, que somente conseguiria fazer a diferença na vida das pessoas e realmente ajudá-las se eu tivesse, de fato, o poder de decidir, de determinar, de julgar o caso concreto. Não queria ser um personagem num embate jurídico. Queria ser aquele que diz quem ganhou e quem perdeu. Quem tem razão e quem está errado.
Por isso, desde meu primeiro estágio na Vara Criminal de Balneário Camboriú, no gabinete, me preparei para seguir essa carreira e, após a formatura e embora provada na 1ª prova da Ordem que fiz, não me inscrevi na OAB. Segui na carreira do funcionalismo público, agora como assessora de gabinete, laborando lado a lado com magistrados em algumas comarcas do estado, e desenvolvendo meu conhecimento técnico com ênfase aos concursos.
Alguns anos se passaram e, somente quase uma década depois, em 2010, quando me questionei com maior profundidade e maturidade sobre o meu verdadeiro propósito de vida, enfim tive a coragem de trocar o conforto e estabilidade do serviço público pela advocacia privada, com todos os riscos e certa instabilidade que ela representa, principalmente no início da carreira.
Mas eu tive a sorte de iniciar no escritório do meu pai Ubiratan de Andrade, aquele mesmo que sempre esteve disponível para me receber, o que me deu certa tranquilidade para essa transição de carreira, além de conviver, nos anos que trabalhei junto aos Fóruns, com advogados espetaculares que também me serviram como referência, em especial meu saudoso amigo Valdir Francisco Colzani, e, hoje, aqui refletindo, não sei como algum dia pensei que pudesse fazer algo diferente do que advogar.
Distante do que eu imaginava, é exatamente no atendimento daquele que se diz detentor de um direito que eu vi plenamente satisfeito o meu desejo de fazer diferença na vida das pessoas, o que eu não conseguiria se tivesse concretizado a opção profissional inicial.
Nem sempre é o processo judicial que materializa a justiça. Há um caminho antecedendo a judicialização que se revela, por vezes, bastante eficaz e capaz de proporcionar ao advogado uma satisfação ímpar, um pleno gozo que eu nem imaginava que existia. Comigo foi exatamente assim.
A conexão direta com as pessoas que eu ajudo é o que fez com que o meu amor por advogar se consolidasse em definitivo. É no atendimento do cliente, na confiança que estabelecemos, no conhecimento do seu problema e das suas angústias que eu me vejo cumprindo o papel que sempre desejei: o de ser um instrumento de justiça e fazer, de fato, diferença no mundo.
Foi a advocacia que me permitiu constatar que, por vezes, basta uma escuta-ativa, uma orientação jurídica honesta e respaldada em preceitos éticos, e um parecer técnico para trazer ao cliente a tranquilidade necessária ou para prepará-lo, de forma consciente, para um inevitável litígio.
Seja ao lado do réu no Tribunal do Juri, em uma delegacia de polícia ou em uma sala de audiências, seja no parlatório, seja na assessoria e auxílio para a confecção de um contrato, seja no planejamento sucessório ou matrimonial, seja, apenas, no simples atendimento e orientação esclarecedores, é essa vivência que me realiza, que me oferece diariamente gratidão genuína e reconhecimento dos que atendo, sendo uma fonte de satisfação pessoal pela tranquilidade, alívio e segurança que a minha advocacia concretiza.
Sem ignorar as dificuldades, os desafios e, também, as situações emocionalmente desgastantes quase que diárias dessa profissão, em especial para as mulheres que militam na seara criminal, hoje resolvi falar apenas do meu amor pela advocacia, que é algo que me impulsiona, motiva e me traz a certeza de que estou exatamente onde deveria estar.
*Advogada criminalista e eleitoral. Pós-graduada em Direito Público Municipal. Sócia-proprietária do escritório Andrade Advogados. Vice-presidente da 42ª Subseção da OAB, de Balneário Piçarras/SC. Delegada da OABPrev/SC. Associada da ABRACRIM e AACRIMESC.