MULHERES, RACISMO E PANDEMIA: PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS HUMANOS EM UM CONTEXTO DE CRISE
MULHERES, RACISMO E PANDEMIA: PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS HUMANOS EM UM CONTEXTO DE CRISE
Elita Isabella Morais Dorvillé de Araújo[1]
Mariana Cândido dos Santos[2]
Mayara Alessandra dos Santos Barros[3]
Este é um trabalho que mantém um compromisso em apresentar uma perspectiva dos direitos humanos sobre ser garantidor último ou não dos direitos e garantias mínimas de existência às mulheres vítimas de violência de gênero no Brasil, e as perspectivas adotadas neste artigo tem fundamento na teoria Marxista do Direito, e principalmente no contributo epistemológico anticolonial que delineia a formação sócio-histórica do nosso País.
Este artigo tem teve como objetivo apresentar no primeiro o que são direitos humanos do ponto de vista universalizante e eurocêntrico, e contextualizá-lo a nossa realidade, trazendo que a ideia de que os Direitos Humanos não foram destinados a todos, se valendo da contribuição teórica de Marx, e seus desdobramentos, para assim, demonstrar uma perspectiva de Direitos Humanos fora dessa ideia universal. Como um Direito Humano que não foi criado para nos proteger e garantir existência mínima, seria capaz de fazê-lo? E com isso, será apresentada a crítica sobre o ponto de vista de uma epistemologia negra que tem como maior referência Lélia Gonzalez.
Com todas essas apreensões é possível perceber que sob a pela da mulher negra podemos enxergar as diferenças abissais do que é a aparência da formulação universal dos direitos humanos, para com a realidade brasileira de tantas mulheres que enfrentam em tempos de crise de saúde e sanitária, a impossibilidade de terem o direito à saúde e ao isolamento social em segurança, efetivos, desde a realidade de ter que serem vítimas das piores atrocidades que o sistema estruturalmente formado para além da aparência. Traz-nos também a compreensão de como essas realidades de exploração do emprego doméstico, violências policiais, grau elevado de vitimação devido a infecção do novo coronavírus e, sobretudo feminicídio e violência doméstica, tem um comum, ou seja, não são casos isolados, e sim são resultados de uma politica de morte destinado ao povo preto e pobre desse país.
A CONTRADIÇÃO DO DISCURSO UNIVERSALIZANTE DOS DIREITOS HUMANOS
A compreensão formal de que o arcabouço jurídico e as práticas legislativas motivadas pelos direitos humanos estão para a completa proteção e garantias dos direitos à existência do ser humano, com seu caráter universal, discutido em amplos documentos internacionais advindos de organizações e instituições que se originaram por meio desse debate, com o marco histórico do fim da segunda guerra mundial, e implantação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental norteador de todas as relações de sociabilidade[4], intermediadas pela estrutura jurídica, permanece presente, nos discursos gerais, de igualdade formal e de universalidade desses mesmos direitos[5]. Porém essa perspectiva há muito tempo, em diversas formas de ler os fenômenos concretos e materiais encontram dificuldades na sua materialização efetiva, principalmente se aplicados às realidades do sul global.
Diante disso, muitas são as correntes teóricas que trazem uma interpretação sobre a justificação da não aplicação efetiva desses institutos. O conteúdo do que se entende por direitos humanos norteou várias constituições contemporâneas, inclusive a brasileira, estando presente em todo o corpo constitucional, especialmente nas primeiras disposições do texto[6], o estabelecimento do Estado Democrático de Direito, que garante a cidadania, com o objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, repúdio ao racismo, e consagra os direitos e garantias fundamentais do art. 5º, especialmente[7].
Mas o que temos enquanto materialização desses mesmos direitos consagrados, é fruto de muita luta do povo brasileiro, que nos suspiros democráticos no Brasil, usufruíram dos maiores avanços sociais[8] demonstrando que o discurso universalizante dos direitos humanos é dotado de múltiplas contradições, que carecem de uma leitura para além da aparência, sendo esse fenômeno resultado de uma estrutura capitalista de ordem neoliberal, que carrega “historicamente, a capacidade ocidental para transformar a proteção dos direitos formais em uma garantia limitada de direitos materiais, econômicos e sociais foi baseada em enormes transferências de valor das colônias para a metrópole.[9] E com isso sobre o controle dos estados ocidentais, essencialmente os direitos humanos perderam seu verdadeiro objetivo e tornaram-se a versão mais recente da missão civilizatória.
E pela crítica marxista, não houve a perca do seu verdadeiro sentido, mas essa natureza sempre esteve presente desde sua criação, tendo em vista que na sociedade capitalista – (re) produtora de mercadorias – o direito é a forma jurídica que dá garantias para que a produção possa acontecer deixando os sujeitos que participam dessa relação jurídica, em pé de igualdade[10], e todos aqueles que, conforme a acumulação originária do capital[11] estiveram fora dessa determinação histórica, não foram concebidos nessa relação de igualdade substancial, sendo então, essa forma jurídica atravessada por contradições de concepção de quem é ou não é sujeito de direito (escravos, mendigos, mulheres) nessas relações mercantis.
Analisando essa interpretação para a concepção do que entendemos por América Latina, ou Améfrica Ladina como Lélia Gonzalez assim o produziu no campo epistemológico anti-colonial[12], nos traz uma interpretação que essa forma jurídica, juntamente com o conceito de capitalismo dependente[13], nos atravessam de uma maneira muito peculiar, devido a forma com que fomos colonizados e de como estamos localizados no mundo. A formação social brasileira é caracterizada por nunca ter passado por uma revolução burguesa, importando um modo de produção que custou a vida e sangue do povo preto e indígena, convivemos com a escravidão dos povos pretos vindo de África, por cerca de 300 anos, e as concentração de latifúndio posta nos mais abrangentes lotes de terra nunca passaram por uma reforma agrária, e tivemos uma mescla em nossa formação com liberalismo, monarquia e positivismo. Com isso, com um capitalismo atravessado por uma estrutura racista que capturou e vendeu o povo africano como não humano, e uma estrutura sexista e patriarcal que estuprou as mulheres para o cumprimento da maternagem obrigatória, depois implantou-se uma politica higienista e eugenista na sociedade brasileira. Essas são as veias abertas da sociedade brasileira[14] que se apresenta em uma totalidade complexa entre classe, raça e gênero, que explora e coloca na subalternidade todo corpo negro e indígena, a serviço do enriquecimento e manutenção do status quo de alguns poucos. Eis a questão: como garantir uma proteção plena para um povo se valendo de um pensar jurídico que nunca colocou esses indivíduos no complexo de proteção e garantia de existência? Como entender os direitos humanos por sua característica universal, se a sociedade brasileira, em sua maioria se concentra sendo negra, pobre e mulher?
Por isso o despreparo é apenas aparente, porque o Estado brasileiro encontra-se completamente alinhado com a perspectiva de esvaziamento neoliberal, não à toa, torna-se central nos marcos das violações de direitos humanos, se valendo desse entendimento como busca de garantias de direitos e seu uso tático, e não como o fim das lutas por emancipação, e potencializa a violência contra as mulheres, isso porque “a centralidade do Estado nos marcos da guerra deriva do fato de que o Estado é o modelo de unidade política, um princípio de organização racional, a personificação da ideia universal e um símbolo da moralidade” [15]. Trata-se, portanto, de compreender que atualmente, no ano de 2020, a complexidade da conjuntura da pandemia no Brasil, instaurada pelo novo coronavírus, não é apartada de sua realidade histórica, uma simples causa consequência, uma ideia dedutiva. É nessa realidade que a violência sexista e racista exercida contra as mulheres encontra-se assentada. O pensamento antirracista e feminista aqui descrito quer, portanto, evidenciar essa realidade.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A PANDEMIA
A situação imposta pela pandemia da Covid-19 no mundo, mas particularmente no Brasil, vem expondo com mais intensidade a combinação, historicamente perigosa e particularmente explosiva, de crise econômica, política e social que coloca as mulheres, assim como os setores oprimidos no geral, em situação de vulnerabilidade social.
Nesse sentido, é preciso um olhar crítico para o atual momento na perspectiva de compreender suas nuances e dinâmicas para entender, em especial, que o aumento dos índices de violência contra as mulheres no atual contexto brasileiro não deve ser percebido de forma mecânica. Assim, seria mais correto dizer que a pandemia da Covid-19 no Brasil não apenas evidencia a profundidade das estruturas de desigualdade social do capitalismo periférico brasileiro, como também demonstra que o patriarcado e o racismo, diga-se de passagem, também estrutural, e que molda, desde muito, a formação do Estado brasileiro, continua sendo um componente bastante importante na perpetuação das mais diversas dinâmicas da violência de gênero no país.
Portanto, é necessário pontuar que a pandemia no atual cenário brasileiro acentua ou intensifica um processo que, anteriormente, já se apresentava grave e bastante complexo. Assim, pode-se dizer também que, além da necessidade de trazer dados sobre a atual conjuntura brasileira no que concerne a violência contra as mulheres, conjuntura essa que, longe de trazer problemas novos, expõe feridas antigas, não cicatrizadas e prescinde da necessidade de uma discussão crítica sobre direitos humanos, sua construção assim como a percepção de que as promessas neoliberais de prosperidade que esvaziam o Estado e o colocam não só como um Estado vazio de políticas públicas direcionadas as mulheres e aos setores mais oprimidos e, consequentemente, vitimados pela Covid-19, como reforçam o lugar de Estado violador de Direitos Humanos, reforçando, nas palavras de Marielle Franco, um “modelo de Estado penal, absolutamente integrado ao projeto neoliberal”[16].
O olhar para com as demandas das mulheres, portanto, requer uma atenção para com uma perspectiva crítica tanto no que se refere a uma política de discussão sobre direitos humanos quanto à necessidade de observar as diversas nuances das teorias feministas, isso porque, centralizar a crítica a construção histórica dos direitos humanos, evidencia, em última instância, como esclarece Achille Mbembe ao abordar o racismo e a negação da humanidade ao negro/a, uma ideia de assimilação e de sujeição histórica, pois encontra-se pautada em uma experiência de mundo supostamente universal, ou seja, fundada numa semelhança essencial entre os seres humanos[17].
No entanto, aponta Mbembe, essa condição de humanidade nunca foi de fato considerada em sua totalidade porque, embora a construção desses direitos, desde uma perspectiva iluminista e liberal fossem universais, a condição de humanidade nunca foi universal, mas sempre considerada em termos genéricos, isso porque, a cristalização de uma ideologia racista na construção desses direitos sempre deixou evidente que “a raça é, ao mesmo tempo, ideologia e tecnologia de governo”[18] (MBEMBE, 2018, p. 75).
A pandemia da Covid-19, portanto, expõe com mais força a necropolítica do Estado brasileiro sobre as mulheres, isso porque, o aparente despreparo para o enfrentamento da crise sanitária e, em última instância crise política e social sem precendentes, torna esse despreparo apenas aparente, pois é o próprio Estado, no atual contexto, o que nega direitos, perpetua violências institucionais e viola direitos humanos, direitos esses, classificados historicamente nos marcos da universalidade.
Essa integração do Estado a um projeto, em última instância, de morte e, portanto, genocida, no que diz respeito à pandemia é também o responsável por jogar as mulheres na direção de seus agressores e, em última instância, na direção do feminicídio. Um feminicídio, diga-se de passagem, que precisa ser observado também a partir de uma perspectiva política e institucional, pois a falta de planejamento, o descontrole generalizado nas políticas de saúde pública, a negação científica que desagua na total falta de controle da pandemia da Covid-19 no Brasil não é um apêndice nas análises, mas o completo alinhamento ao projeto que, no que concernem as mulheres brasileiras, a um feminicídio de Estado.
A postura feminista e antirracista aqui delineada quer, em tempos de pandemia e isolamento social, estabelecer um compromisso com a diversidade para contextualizar a violência de gênero e seus índices atuais para desmitificar uma relação de causa-consequência que, além de mecânica e acrítica, não permite perceber essa realidade a partir das lentes de quem de fato é vítima dela. Nesse sentido, a crítica feminista e antirracista preocupa-se com a construção de uma ênfase no discurso sobre diversidade, fundamental para a compreensão não só do que ocorre no Brasil, mas para qualquer debate que paute a defesa das mulheres e, consequentemente, dos direitos humanos.
Assim, fica evidente que o contexto atual de violações de direitos humanos, em especial, da violência direcionada as mulheres durante a pandemia não é simplesmente reveladora, apenas expõe a profundidade das desigualdades sociais no Brasil e, aqui se utilizando do pensamento de feminismo negro de Sueli Carneiro, se faz na verdade verificar o que, de fato prevalece, “é uma concepção de direito humanos de que certos humanos na realidade são mais humanos ou menos humanos do que outros e que como consequência, diz Sueli Carneiro, leva à naturalização das desigualdades de direitos”[19].
Sendo assim, Carneiro considera que a condição de desigualdades sociais imposta no Brasil não poderia coadunar com a condição de universalidade de direitos humanos que historicamente foi negada aos setores oprimidos, aqui em consideração pela feminista negra, de negros e negras. Reconhecer a centralidade da discussão antirracista aqui não está, portanto, apartada das condições de violência de gênero, e menos ainda é secundária, já que pelo menos 61% das vítimas de feminicídio no Brasil entre o ano de 2017 e 2018 eram negras[20], some-se a isso ao fato que, entre 2007 e 2017 a taxa de morte de mulheres negras cresceu, em média, 29,9%[21]. São também as mulheres negras as que mais sofrem com a violência sexual, 51% das vítimas de estupro entre o ano de 2017 e 2018 eram mulheres negras[22].
Expor o racismo estrutural na presente análise é ir de encontro à diversidade, a desconstrução da universalidade e seu ideal profundamente comprometido com a ideologia racista e evidencia os equívocos analíticos de políticas públicas construídas sob essa ideologia que tomam a mulher de modo universal[23]. A interseccionalidade, portanto, ajuda nas elaborações de uma análise comprometida em se afastar completamente de um ideal universal de mulher por ser uma ferramenta analítica de combate aos discursos homogêneos, uma perspectiva que nasce com o feminismo negro, não à toa, diz Carla Akotirene que “é da mulher negra o coração do conceito de interseccionalidade” [24].
É a perspectiva interseccional que permite verificar que, no que diz respeito a violência de gênero, as mulheres negras serão as que estarão mais expostas e é o que aponta os índices, embora historicamente o racismo não tenha sido o centro das análises no Brasil quando se refere a violência doméstica, isso porque, teoricamente, as teorias feministas padecem do mesmo problema: a uniformidade ou universalidade do que seria ser mulher nas sociedades, esse padrão eurocentrado de análise pode ser um fator para uma análise mecânica das complexidades que envolvem o aprofundamento da miserabilidade e desigualdades sociais em tempos de pandemia de COVID-19 no Brasil.
Sobre isso, é importante ressaltar que há tempos o feminismo negro aponta essa enorme lacuna nas produções teóricas feministas, especialmente no Brasil. Essa padronização do que seria ser mulher, assim como o esquecimento teórico do lugar do racismo na vida das mulheres no feminismo brasileiro, que Lélia Gonzalez já chamava de racismo por omissão, Lélia aponta que suas raízes estão assentadas “em uma visão de mundo eurocêntrica e neocolonialista da realidade” vivenciada pelas mulheres latinas, ou melhor, amefricanas[25]. A pandemia apresenta como é abissal a realidade vivenciada e experienciada pelas mulheres no Brasil, de forma brutal ela escancara que, nas palavras de Lélia Gonzalez, que a afirmação de somos todos iguais perante a lei não passa de mero formalismo, que o racismo latino-americano do capitalismo periférico é muito sofisticado para manter negros e indígenas na condição de subordinação no interior das classes mais exploradas[26].
Durante a pandemia ocorreu uma evolução da violência letal direcionada as mulheres, a violência feminicida. Sobre esse tipo específico de violência importa pontuar que a situação anterior ao contexto atual de isolamento social não foi tranquila em nenhum momento, basta lembrar o lugar ocupado pelo Brasil no mundo, como o 5º país com os maiores índices de mortes femininas segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
A evolução dos números de feminicídios no Brasil é um fenômeno, diga-se de passagem, também político, que há muito vem se intensificando no último período, inclusive mesmo depois da Lei Maria da Penha, na pandemia, a violência contras as mulheres se intensifica porque essas mulheres estão em uma proximidade ainda maior com parceiros íntimos que cotidianamente são os responsáveis pelos diversos tipos de violência, a violência letal, só nos meses de março e abril de 2020 crescei 22,2%, com um total de 143 (cento e quarente e três) mulheres mortas (colocar as unidades da federação das pesquisas)[27].
No estado de Alagoas o aumento dos casos de violência doméstica e feminicidio preocupam muito as instituições e toda a sociedade, a realidade de isolamento social tem intensificado o aumento de denúncias com isso o tribunal de justiça recomendou por pedido da comissão de direitos humanos da OAB/AL que os juízes prorroguem as medidas protetivas de urgência para as mulheres em situação de violência doméstica[28]. A patrulha Maria da Penha registrou um aumento de 425% no número de prisões envolvendo violência doméstica somente nos cinco primeiros meses deste ano
Com a pandemia e o isolamento social com parceiros violentos, as mulheres tem ainda mais dificuldade de registrar uma denúncia, a consequência é a redução significativa dos registros de crimes em delegacias de polícia[30]. No entanto, mesmo em um contexto de diminuição significativa dos registros de crimes nas delegacias e polícia, há um evidente crescimento dos chamados para a polícia militar no disque 190 para casos de violência doméstica, assim como o aumento de mais denúncias através do ligue 180, apenas no mês de abril, segundo o Fórum de segurança pública, o crescimento foi de 376% no mesmo período em que todos os estado adotaram as medidas mais rígidas de isolamento social[31].
Nesse sentido, é incorreto considerar que a violência letal direcionada as mulheres aumenta por causa da pandemia. Sobre isso, já foi descrito aqui, é incorreto fazer um simples apontamento de causa-consequência como se a situação anterior fosse qualitativamente melhor. Abrir essa discussão pode, de início, parecer evidente, no entanto a atual conjuntura permite considerar outros elementos, que também são violências silenciosas e estruturais, já que compõem um importante debate sobre a lógica da produção e reprodução social do trabalho feminino na sociedade capitalista.
Isso ocorre porque, o aprofundamento da crise política, social e da própria democracia, intensificada pela crise sanitária mundial, escancara a violência da sobrecarga de trabalho doméstico absolutamente essencial em sociedades patriarcais, a responsabilidade feminina pela manutenção dos espaços privados, ou seja, doméstico, com os cuidados com os filhos e com a manutenção da estrutura familiar. Essas violências, cotidianas e históricas, ganham ainda mais destaques evidenciando, mesmo com todas as conquistas feministas no último período, o contraste enorme entre os espaços privados e públicos para as mulheres.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto foi possível perceber a necessidade de se valer de um Direito tático para a garantia da existência dos menos favorecidos nessa sociedade divida por desigualdades baseadas na Raça, Classe e Gênero. É possível perceber que nossa estrutura de estado, principalmente do racismo, nos impedem de ter uma discussão que seja critica do ponto de vista de ir para além da aparência dos fenômenos.
Com isso, esse artigo se propôs a discutir a essência do discurso protetor dos direitos humanos, e como ele é facilmente descontruído quando posto em cheque sobre as estruturas que formam a sociedade brasileira, principalmente em momento de crise.
Se é verdade que variados conteúdos de direitos subjetivos vão se construindo e se afirmando na história moderna e contemporânea, muitos deles contra a vontade imediata da burguesia, é também verdade que a forma político-jurídica pela qual se briga e na qual essas conquistas são concretizadas é uma forma necessariamente correlata do capitalismo, e por isso nossa luta não pode ter como objetivo final a plena efetivação dos direitos, pois isso, é uma contradição posta pelo sistema, mas sim, uma ruptura que busca a emancipação para que todos possamos longe das amarras do cisheteropatriarcado[32] e do capitalismo.
Neste momento de pandemia podemos ver com que as ações de estado e governamentais não estão para a proteção das mulheres negras, mas sim para a manutenção do status quo, e determinação de fraturas abissais das desigualdades de gênero, e raça no Brasil, e em Alagoas.
[1] Mestra em Direito Público pela UFAL. Professora de Direito Penal e Processo Penal na UNINASSAU-Maceió e ESTÁCIO-Maceió. Coordenadora da Liga Acadêmica de Direitos Humanos e Criminologia da UNINASSAU-Maceió. Membra do grupo de estudos CARMIN Feminismo Jurídico e do Núcleo de Estudos sobre Violência em Alagoas, ambos na UFAL. E-mail: elitaadv@gmail.com.
[2] Graduada em Direito pelo Cesmac. Pesquisadora pelo IBCCRIM. Membra do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Aqualtune/UFAL. E-mail: maryana_candido@hotmail.com
[3] Graduada em Direito, pelo Centro Universitário CESMAC, Maceió/AL. Pesquisadora do Instituto negro de Alagoas – INEG. E-mail: barros.mayara@outlook.com.
[4] SILVA, José afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20º ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2002. p. 157.
[5] Ibid. p. 162.
[6] Ibid. p. 171.
[7] Constituição da República Federativa do brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jun. 2020
[8] Democracia genocida. Ana Luiza Pinheiro Flauzina. Book – Brasil em Transe.indb 63. 2019. p. 67.
[9] DOUZINAS, Costas. The “end” of human rights. The Guardian, 2008. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2008/dec/10/humanrights-unitednations. Acesso em: 20 jul. 2020.
[10] MASCARO,Alysson Leandro. Direitos Humanos: uma crítica marxista. São Paulo. Lua Nova 101: p. 109-137. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ln/n101/1807-0175-ln-101-00109.pdf. Acesso em: 10 jun. 2020
[11] MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. 2. ed. são Paulo: Boitempo, 2017.
[12] GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº 92/93 (jan/jun), 1988.
[13] LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da dependência: problemas e categorias – uma visão histórica. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
[14] Fazendo referência ao livro de Eduardo Galeano, “as veias abertas da América Latina”.
[15] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 34.
[16] FRANCO, Marielle. UPP A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 20.
[17] MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 157.
[18] MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 75.
[19] CARNEIRO, Aparecida Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo negro, 2011, p.15).
[20] IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada; FBSP, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da violência 2019. Rio de Janeiro, 2019.
[21] Ibidem.
[22] Ibidem.
[23] AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade?. Belo Horizonte-MG: Letramento, 2018, p. 19.
[24] Ibidem, p. 20.
[25] GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº 92/93 (jan/jun). 1988.
[26] GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino americano. Círculo Palmarino: Caderno de formação política n. 1, 2011.
[27] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, FBSP. Nota Técnica Violência doméstica durante a pandemia de COVID-19. Ed 2, 2020.
[28] LIMA, Victor. Casos de violência doméstica durante pandemia em AL preocupam OAB e Justiça. Gazetaweb, 2020. Disponível em:
[29] PM-AL apoia campanha de ajuda a vítimas de violência doméstica na pandemia. Policia militar do Estado de Alagoas, 2020. Disponível em: <http://www.pm.al.gov.br/noticia/item/3297-pm-al-apoia-campanha-de-ajuda-a-vitimas-de-violencia-domestica-na-pandemia>. Acesso: 10 jun. 2020.
[30] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, FBSP. Nota Técnica Violência doméstica durante a pandemia de COVID-19. Ed 2, 2020.
[31] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, FBSP. Nota Técnica Violência doméstica durante a pandemia de COVID-19. Ed 2, 2020.
[32] AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade?. Belo Horizonte-MG: Letramento, 2018. Termo utilizado por esta autora.