Nota de Indignação por conteúdo preconceituoso em sentença judicial
A ABRACRIM, integrada por advogados e advogadas criminalistas de todo o Brasil, pela sua Comissão Nacional da Igualdade Racial, manifesta a mais profunda indignação pelo conteúdo afirmado em uma sentença da lavra da Juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, onde expressa:
“Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente.”
A decisão desnuda o preconceito estrutural existente no Direito Brasileiro e macula, de pronto, ideais Constitucionais aptos à contenção de arbítrios e “desejos inconfessáveis” dos detentores do Poder de Punir. Impossível não remorar Fanon:
“Nesta Etapa, o racismo não se atreve mais a aparecer sem disfarce. Ele está inseguro de si mesmo. Em número sempre crescente de circunstâncias, o racista se esconde (…) o propósito do racista já se tornou um propósito assombrado pela má consciência”
Indispensável lembrar que o artigo 3º da Constituição Federal determina, entre os objetivos fundamentais da República, o dever de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (V) e que seu art. 4 determina que as relações internas e internacionais se pautem dentro do princípio de repúdio ao terrorismo e ao racismo;”
Em memorável Encontro de Direitos Humanos, ocorrido em Curitiba em 03 de agosto de 2006, promovido em conjunto pela ABRACRIM, CFOAB, Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e do Ministério Público, assentamos em Carta:
“Vivemos desde 1988 sob o manto de uma Constituição que, mais do que nunca em nossa História, reconhece nos direitos humanos a fonte primeira do desenvolvimento da nação…De fato, a análise das ordens constitucionais anteriores nos mostra que no Brasil a evolução social foi marcada por inúmeros desrespeitos aos direitos humanos, não apenas no campo fático como também nos próprios textos normativos… Assim se deu, por exemplo, com a existência, por quase todo o século XIX, de um vergonhoso regime de aceitação à escravatura…
Esse retrato que a Constituição nos dá do Brasil, no que atine aos direitos humanos, parece mostrar a conquista de um estágio ideal de harmonia social e de vitória dos valores humanos sobre todas as vergonhas do passado…”
A realidade, entretanto, infelizmente não corresponde a esse quadro teórico. O degradante fato retratado em sentença, precisa ser avaliado pela Corregedoria de Justiça do TJPR, exercida pelo Nobre Desembargador José Augusto Gomes Aniceto entre mais Órgãos de percepção como CNJ e, inevitavelmente, pelo Ministério Público.
A igualdade perante a lei é discurso único e blindado por cláusula pétrea na Constituição Federal do nosso estado democrático de direito!
Vitória, 12 de agosto de 2020.
Ananda da Silva Ferreira
Presidente da Comissão Nacional da Igualdade Racial da ABRACRIM