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​O Alcance da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 César de Faria Júnior – Parte 3

RESUMO: O objetivo deste trabalho é o estudo do alcance da presunção de inocência da forma como disciplinada na Constituição de 1988, com relação à possibilidade da “execução provisória da pena”, logo após decisão condenatória em 2a instância, analisando os argumentos discutidos nas últimas decisões do Supremo Tribunal Federal, marcadamente dividido por esta relevantíssima e polêmica questão constitucional.
SUMÁRIO: 1. A UNIVERSALIDADE DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 2. NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. 3. O ARGUMENTO DA “LEI DA FICHA LIMPA”. 4. O CPP FASCISTA DE 1941 X CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA DE 1988. 5. REPERCUSSÃO DO NOVO CPC. 6. A ABSORÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NOS ÚLTIMOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO: POSIÇÃO DO STF. 7. O ART. 283 E AS AÇÕES DIRETAS DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC’S 43 E 44). 8. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, CELERIDADE PROCESSUAL E SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE. 9. CONCLUSÃO: ESTATÍSTICAS DE APRISIONAMENTO, SELETIVIDADE PENAL E SEPARAÇÃO DOS PODERES.
PARTE III
8. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, CELERIDADE PROCESSUAL E SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE.
É inegável, diante da clareza do seu texto, que a Constituição estabeleceu, sem submeter a nenhum nível de degradação, o alcance da presunção de inocência até o trânsito em julgado da decisão condenatória. Sendo evidente que, se a decisão é passível de recurso, mesmo que seja extraordinário e/ou especial, nos quais não se admite o reexame da prova, ainda não houve o trânsito em julgado.
1 1 Advogado Criminalista, Professor Doutor da Faculdade de Direito da UFBA, Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM.
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Com efeito, as estatísticas utilizadas como argumento de que só um percentual reduzido de recursos especial e extraordinário são conhecidos e providos, com a devida vênia, servem apenas para repensar as barreiras jurídicas criadas para não conhecimento destes recursos, tanto que a Defesa tem se valido muitas vezes do Habeas Corpus, cujo percentual de provimento já é bastante superior, não podendo ser, sob fundamento algum, desprezado.
Além disso, há de se considerar “o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro, no qual tramitam atualmente cerca de 100 milhões de processos a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, obrigados, inclusive, a cumprir metas de produtividade fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ”, como bem ressaltou o Min. Lewandowski, no seu voto no HC 152. 752/PR.
Portanto, parte-se do pressuposto, muitas vezes falso, de que as causas são amplamente debatidas em 2a instância, com reexame aprofundado da prova e aplicação do direito, para se defender a execução provisória da pena logo após a condenação em segundo grau.
Vale lembrar que o STF também julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN no 1.127-8) que, dentre outros, impugnava o inciso IX, do art.7o, do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), que conferia ao advogado o direito de sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator2, entendendo que se tratava de matéria da competência privativa dos tribunais (art. 96, I, a, CF/88), malgrado tenham sido vencidos os Min. Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence.
Não há de se negar que a intervenção do advogado, após o voto do relator, possibilitaria maior debate da causa, contribuindo para evitar erros de fato e de direito, até porque as decisões seriam efetivamente fundamentadas, cumprindo preceito da
2 (…) “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido.”
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própria constituição (art. 93, IX, CF), o que acabaria por impactar na redução dos recursos para os tribunais superiores.
Como se não bastasse, dentre as 10 medidas denominadas de Combate à Corrupção propostas pelo Ministério Público Federal, mas que se aplicam a todos os crimes, está a de extinguir a figura do Desembargador Revisor nas Apelações Criminais e abolir os Embargos Infringentes e de Nulidade.
Como cediço, esses embargos são oponíveis quando houver divergência entre os Desembargadores: se o objeto da divergência for sobre o mérito, embargos infringentes, se recair sobre matéria processual, embargos de nulidade. Opostos os embargos, o julgamento passa para as Câmaras Criminais reunidas, com sorteio de novo relator, ensejando um maior debate sobre a divergência surgida entre os julgadores.
Sem Revisor, sem divergências, sem embargos infringentes e de nulidade, os julgamentos em 2a instância serão, na prática, monocráticos, com rodízio de julgador, o que já ocorre em muitos casos atualmente.
Ora, para que discutir, debater, se isso pode atrasar o julgamento, quando o que importa agora é se chegar logo a decisão de segundo grau e, se for condenatória, colocar de imediato o “culpado provisório” na cadeia, para, somente assim, ele não usar de recursos protelatórios!
Como assim? Só porque já está preso não irá recorrer mesmo que as chances de êxito do seu recurso sejam mínimas? Conformar-se-á com a prisão?
Ora, a execução provisória da pena, logo após a condenação em 2a instância, não impede a interposição dos recursos previstos em lei. A defesa tem por dever valer-se de todos os meios legais permitidos em prol do acusado, utilizando-se de todos os recursos possíveis.
Lamentavelmente, já há, no próprio STF, quem defenda a execução da pena a partir da decisão de primeira instância no caso do Júri, sob alegação de que suas decisões são soberanas.
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Mesmo considerando a natural repercussão dos crimes dolosos contra a vida, que são da competência do Júri, nada justifica a execução antecipada da pena, logo após a decisão de primeira instância dos jurados, pois a invocada soberania dos seus veredictos não impede recurso de apelação, não somente visando a sua anulação, como a realização de outro Júri, se a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.
A soberania do Júri, ao contrário, deveria impedir que a acusação recorresse sob o fundamento da decisão ter sido manifestamente contraria à prova dos autos, pois o Tribunal, ao assim declarar, teria que mandar o réu a outro Júri, sendo que, neste novo julgamento, se houvesse condenação (como costuma ocorrer até mesmo pela influência dessa decisão), resultariam dois Júris igualmente soberanos e conflitantes, não se sabendo dizer até hoje, porque o segundo Júri deve prevalecer sobre o primeiro.
Ressalte-se que, com relação ao número alarmante de homicídios cometidos no Brasil (mais de 60 mil por ano), pesquisa do CNMP3, de 2012, mostra que 78% dos inquéritos monitorados pela Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública foram arquivados por impossibilidade de se chegar aos autores, principalmente em função do longo tempo decorrido entre o fato criminoso e o trabalho de revisão dos inquéritos. Há, no País, Estados em que somente 4% dos homicídios são denunciados, de modo que o índice de condenações efetivas é ainda menor4.
Como se vê, a questão da impunidade não está em se observar a presunção de inocência!
Efetivamente, a Justiça no Brasil deve ser mais célere, como, inclusive, promete a Constituição ao prever a “duração razoável do processo”, e a demora excessiva nos julgamentos acaba por criar uma “sensação de impunidade”; todavia, outras medidas podem e devem ser adotadas que não violem a Carta Magna.
Meta 2: A impunidade como alvo- Diagnóstico da investigação de homicídios do Brasil. Brasília, 2012. p.
47. Disponível em: <
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